• Nenhum resultado encontrado

3 POLÍTICA DE DEFESA DE VIEGAS A AMORIM: RENOVAÇÕES E

3.4 Política de defesa de Lula a Rousseff: uma síntese

A partir dos parâmetros de análise propostos no capítulo, verificou-se que a política de defesa nos governos Lula e Rousseff foi palco de inflexões. Alguns avanços foram lentos e bastante graduais, encontrando resistência na desarticulação do governo para tratar da questão militar a partir dos recorrentes casos de insubordinação e das pressões políticas para o emprego

das Forças Armadas em segurança pública. Observou-se que, ao longo dos três mandatos em questão, houve um longo período de maturação do MD brasileiro com atualizações nos documentos de política declaratória, mudanças nos procedimentos do órgão e em sua estrutura organizacional. Entretanto, mudanças mais significativas nos rumos da política de defesa brasileira dependeram bastante do voluntarismo dos ocupantes da pasta.

No início do governo Lula, Viegas possuía um amplo projeto de reformas, mas não obteve respaldo político presidencial em suas decisões mais controversas e nem foi capaz de exercer a autoridade sobre os militares. Ainda assim, o ministro teve um papel importante no delineamento de algumas agendas e processos do MD e na implementação da liderança brasileira na MINUSTAH a partir de contatos interburocráticos com o Itamaraty.

As gestões de Alencar e Pires foram significativamente menos expressivas em termos de propostas para a área. É possível observar isso durante os processos políticos nos dois períodos que, em grande medida, foram implementações das decisões tomadas ainda na gestão Viegas. A principal delas foi a atualização da PDN, em 2005 – documento um pouco mais completo que o anterior e que introduziu conceitos importantes para a política de defesa brasileira, como o conceito de “entorno estratégico” e uma definição clara de Defesa e Segurança. Porém, os demais avanços do período foram renegados à inércia burocrática de delineamentos anteriores.

Mudanças mais significativas ocorreriam a partir do segundo governo Lula. Assim como Viegas, Jobim também possuía um projeto reformista para a área de defesa. Suas propostas dependeram do respaldo presidencial e do efeito catalisador da crise no setor aéreo nacional, algo não obtido pelo primeiro Ministro da Defesa de Lula em 2004. Os acidentes das aeronaves Legacy e Airbus jogaram luz aos imbróglios institucionais envolvendo o trato da questão militar. As dificuldades de Pires, um ministro politicamente fraco, e a desarticulação do governo para lidar com a hierarquia militar reforçou a necessidade de o Brasil renovar o setor.

Nesse sentido, Jobim assumiu já com a proposta do presidente Lula de “efetivamente criar o Ministério da Defesa” e colocar fim à crise institucional do setor aéreo. Destarte, diferentemente de Viegas, as reformas de Jobim obtiveram amplo respaldo presidencial e maior espaço no orçamento. Durante sua gestão, a END foi o principal motor de renovação, representando, nas palavras do ministro, um “plano diretor” para a política de defesa brasileira. O ministro ainda teve um papel determinante na ação externa brasileira, auxiliando no processo de criação do Conselho de Defesa Sul-Americano da Unasul.

O período de Amorim à frente da pasta seguiu o processo de implementação da END. Durante sua gestão, as atualizações de documentos de política declaratória, como a PND e a nova END e, principalmente, o LBDN e a Lei de Acesso à Informação foram essenciais para garantir mais transparência ao setor de defesa. Pode-se dizer que sua gestão foi marcada por estabilização das tensões civis-militares, muito conturbadas em gestões anteriores. A criação da CNV sem que houvesse manifestações públicas de insubordinação pelos Comandantes das Forças Armadas foi um demonstrativo interessante.

Paralelamente, o Plano Estratégico de Fronteiras, a necessidade de preparar a defesa nacional para os grandes eventos internacionais e problemas no âmbito da segurança cibernética no período garantiram impulsos adicionais ao trabalho interagências da área de defesa e à renovação do setor. Os novos apoios tributários à base industrial de defesa e as mudanças organizacionais observadas entre 2012 e 2013 foram outras diretrizes da END levadas adiante no período, com destaque importante.

Entretanto, se as tensões civis-militares foram se arrefecendo entre as gestões Viegas e Amorim, a falta de clareza dos governantes sobre a função das Forças Armadas do País manifestou-se recorrentemente ao longo desses períodos. Desde o início do governo Lula, o MD convivia com pressões para o aumento do emprego dos militares em situações de GLO e de apoio às forças de segurança pública. Apesar de essa agenda ser bastante rejeitada por Viegas e Pires, Jobim aderiu a seu uso na ocupação de regiões instáveis sob a justificativa de que o Brasil possuía expertise da MINUSTAH. Tal processo prosseguiu com diversos problemas até que, na gestão Amorim, a pressão para a rápida preparação para os grandes eventos internacionais fizesse com que os militares fossem empregados por diversas vezes em atividades de GLO durante o governo Rousseff.

Nesse sentido, conclui-se que, ao longo dos três governos analisados, as renovações na

política de defesa avançaram em um ritmo muito mais lento que a institucionalização do emprego doméstico em GLO, algo que representa um retrocesso nas agendas de vários Ministros da Defesa do Brasil. O recorrente uso das Forças Armadas em atividades de segurança pública representa atualmente o principal desafio à implementação da agenda de defesa do País, pois consome-se um orçamento já limitado e amplia o espectro de confusão da sociedade brasileira sobre a função de suas Forças Armadas.

Por isso, entende-se que os avanços nas diretrizes de longo prazo da política de defesa brasileira, em sua atuação internacional – seja a partir de operações de paz, seja a partir de atuações mais ativas dos Ministros da Defesa – e nas mudanças organizacionais do MD são elementos que contribuíram para a articulação com a política externa. Porém, sequências de representantes políticos pouco preparados para a pasta, falta de respaldo governamental aos ministros e, principalmente, o aumento do emprego doméstico das Forças Armadas em segurança pública são grandes desafios à articulação entre as políticas externa e de política de defesa.

Compreendidos os desafios e a forma como cada uma das políticas foi desenvolvida ao

longo dos anos, os três capítulos ulteriores serão dedicados à análise dos pontos de articulação entre as políticas externa e de defesa no Brasil. No próximo, dedica-se, especificamente, ao entendimento de como ambas interagiram em uma região que possuía pouca relevância na política externa do governo anterior ao de Lula: a África.

4 ENTRE O PODER BRANDO E O TRADICIONAL: A ARTICULAÇÃO ENTRE AS