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POLÍTICA DE MESTIÇAGEM OU IDEOLOGIA DO BRANQUEAMENTO

2 BASES TEÓRICAS PARA A COMPREENSÃO DO RACISMO NAS LITERATURAS PRESENTES NO LIVRO DIDÁTICO

2.3 POLÍTICA DE MESTIÇAGEM OU IDEOLOGIA DO BRANQUEAMENTO

A partir da introdução do pensamento anteriormente citado, podemos concluir

que a mestiçagem foi e é usada na sociedade brasileira por muitas vezes de forma contraditória. Ora é exaltada como solução, ora é depreciada como um problema. A grande questão a partir da qual centraremos a nossa discussão é que, após a abolição da escravatura, o Brasil se deparou com uma população majoritariamente negra ou mestiça.

buscou na política de mestiçagem ou ideologia do branqueamento, a solução para ―o

problema do negro‖. Essa estratégia pós-abolição visava uma reformulação racial no

Brasil para a conquista do progresso da nação. Para tanto, iniciou-se uma política de imigração em massa no sentido de por em prática as reformuladas teorias. Abdias do Nascimento, um dos primeiros a delimitar tal política como um ato genocida afirma:

O processo de mulatização, apoiado na exploração sexual da negra, retrata um fenômeno de puro e simples genocídio. Com o crescimento da população mulata a raça negra está desaparecendo sob a coação do progressivo clareamento da população do país. E isto foi recebido com elogios calorosos e grandes sinais de alívio otimista pela preocupada classe dominante. (NASCIMENTO, 1978, p. 69-70)

A título de ilustração da afirmativa de Nascimento em relação aos ―elogios calorosos‖ e ―sinais de alívio‖ da elite dominante, destacamos o depoimento de Joaquim

Nabuco que ironicamente ou não, era conhecido como um grande defensor de escravos e se revelou comprometido com essa política:

Esse admirável movimento imigratório não concorre apenas para aumentar rapidamente, em nosso país, o coeficiente da massa ariana pura: mas também, cruzando-se e recruzando-se com a população mestiça, contribui para elevar, com igual rapidez, o teor ariano do nosso sangue. (NABUCO, 1932 apud SKIDMORE, 1974, p. 221)

Como já foi atestado por alguns teóricos4, o medo está na base do racismo. Poderíamos trazer diversas citações no sentido de ilustrar esse medo branco do levante negro. No entanto, escolhemos apenas uma, que não somente retrata este sentimento como motivador da política de imigração como também retrata a esperança de genocídio da população negra e a satisfação diante dessa possibilidade. Esse retrato do

4

Cf. AZEVEDO, Celia Maria Marinho de . Onda Negra, Medo Branco: O Negro no Imaginário das Elites, século XIX (acrescido de Posfácio). 2. ed. São Paulo: Annablume, 2004; GOMES, Nilma Lino. A mulher negra que vi de perto. Belo Horizonte: Mazza Edições, 1995; MOORE, Carlos. Racismo e Sociedade: Novas Bases epistemológica s para entender o racismo. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2007.

pensamento da época é encontrado no depoimento de 1930 do político e historiador João Pandiá Calógeras:

A mancha negra tende a desaparecer num tempo relativamente curto em virtude do influxo da imigração branca em que a herança de Cam se dissolve. Roosevelt tinha observado com exatidão que o futuro nos reserva uma grande alegria: a feliz solução de um problema inçado de tremendos, mortais problemas – os problemas de um possível conflito em duas raças. (CALÓGERAS, 1930 apud SKIDMORE, 1974, p.224)

Pesquisador com afinco das relações raciais no Brasil, Kabenguele Munanga, assim como Abdias do Nascimento, coloca tais práticas no plano do genocídio ao afirmar que ―Os defensores do branqueamento progressivo da população brasileira viam na mestiçagem o primeiro degrau nessa escala. Concentraram as esperanças de

conjurar a ―ameaça racial‖ representada pelos negros‖ (MUNANGA, 1999, p. 93). Fica evidenciado, portanto, que a política de imigração ia muito além da mera

importação de uma ―mão-de-obra qualificada‖ como geralmente se ensina nas escolas, através da ―história oficial‖, ou até mesmo é defendido por alguns estudiosos. A

política de imigração consistia, segundo o pensamento deste período, na importação

de uma raça reconhecida como ―superior‖. Essa ideologia, segundo Skidmore (1974)

também ganhou validade científica. Esse status de ciência corroborou para o apoio irrestrito de muitos intelectuais da época, conforme já apontamos.

Segundo Moore (2007) que define o modelo de relações raciais na América Latina como pigmentocrático e clientelista, essa ordem racial pigmentocrática corresponde a conseqüência da política consciente de mestiçagem. O autor nos apresenta uma análise ainda mais profunda quando nos explicita o poder da miscigenação como um instrumento violento e eficaz de dominação:

A miscigenação é um potente instrumento de dominação, porquanto é por meio dela que emergem permanentemente, e por cooptação racial, os novos setores de populações fenotipicamente diferenciados, que são naturalmente impelidos a reforçar os dispositivos de dominação do segmento minoritário dominador. Por sua vez, esses novos setores reforçam o conjunto do sistema ao se identificarem e se relacionarem, quase exclusivamente, tanto psicológica quanto social e biologicamente, com o segmento sociorracialmente dominante, portanto, recusando-se a estabelecer alianças com o fragilizado segmento dominado. (op. cit, p.253).

Definindo a miscigenação como ―uma política eugênica‖, o etnólogo ainda nos

traz significativas considerações a respeito do impacto da efetivação dessa política na população negra:

A miscigenação constitui-se em uma política eugênica que, efetivamente, visa a eliminar o fenótipo adverso. Sob o testemunho da história, a miscigenação é, para o segmento conquistado e subalternizado, invariavelmente negativa, sendo uma das piores formas de assalto e agressão contra ele, principalmente contra o ente feminino diretamente vitimado. Essa via comporta, geralmente, a edificação de um ‗mito-ideologia‘ destinado a manter a unidade monolítica do grupo vencedor, tido como superior ao tempo em que atomiza e pulveriza a coerência interna do grupo-alvo vencido, tido como inferior (Ibid, p. 259)

No entanto, sabemos que, no sentido de efetivar uma verdadeira cooptação racial, alguns privilégios são concedidos ao setor considerado racialmente intermediário. Hoetink (1970) nos explica a causa da incorporação dos mestiços, frutos da política de miscigenação. Segundo o antropólogo, nas sociedades onde o grupo tido como branco possui características de origem africana, a agregação do setor intermediário se torna uma estratégia necessária a fim de sustentar as bases do sistema de dominação.

Portanto, seja por meio da ―política eugênica‖ ou ―cooptação racial‖ o objetivo principal

do setor dominante é minar o contingente e consequentemente as forças do setor subalternizado na medida em que fortalece suas bases. Todavia, talvez seja através da

suposta ―cooptação racial‖ que a ideologia do branqueamento se revele de forma mais nociva. É através da possibilidade de ser ―agregada‖ que uma parcela significativa da

população negra é levada a assimilar valores e costumes do grupo dominante, concretizando dessa forma também o branqueamento cultural.

Segundo Santos (1983) a incessante busca do negro brasileiro pela ascensão é determinada pela imposição de um padrão estritamente branco não só biológico mas também cultural. Ou seja, através de uma inculcação de determinada ideologia, a população negra passa a reconhecer no branqueamento a única alternativa de se desvencilhar da situação de completa exclusão. Durante esse processo, o negro vive

uma luta incessante ao tentar dissimular ou ―atenuar‖ o seu fenótipo e abandonar a sua

identidade racial com o objetivo de se aproximar do padrão ideal a ser seguido, a norma somática dominante. É a partir dessa tentativa de fugir, negar ou até mesmo forjar sua negritude que emergiram do recenseamento de 1980 cento e trinta e seis variações de

cor. ―Acastanhada, agalegada, alva, alva-escura, alvarenta, (...), burro-quando-foge,

cabocla, cabo verde, (...), canelada, (...) roxa, sarará, puxa-para-branca, retinta (...)‖ (MOURA, 1988 apud GOMES, 1995, p.64) foram algumas das variações citadas na auto-identificação.

Ou seja, a miscigenação ao contrário do que pode se pensar, não aproxima nem tão pouco iguala os brasileiros de diferentes origens raciais. Pelo contrário, a miscigenação diferencia e, sobretudo hierarquiza, criando o que Moore (2007) caracteriza como uma ―ordem pigmentocrática‖. Nesse sentido, cabe ainda ressaltar, uma outra problemática que emerge da política de miscigenação no Brasil. O fato de vivermos em um país essencialmente multirracial levanta também a impressão de que as três raças formadoras do Brasil vivem em plena harmonia. Ao desenvolver uma

afirmação na direção deste pensamento, MUNANGA conclui: ―de uma maneira ou de

democracia racial simbolizada pela saudável interação sexual‖. (MUNANGA, 1999,

apud MOORE, 2007, p. 276)