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A POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL E A INSERÇÃO DO SERVIÇO

Para que possamos desenvolver uma reflexão-crítica e uma descrição sistemática de como se deu o desenrolar do estágio curricular obrigatório e da aplicação do projeto de intervenção, cabe que façamos, inicialmente, uma contextualização histórico-crítica da política na qual o campo de estágio está inserido.

Os movimentos de reforma psiquiátrica tiveram seu início no Brasil a partir da década de 1980. A mobilização social por trás desses movimentos e as suas reivindicações são voltadas pela busca de formas de tratamento mais humanizadas às pessoas com transtornos mentais, questionando o modelo anteriormente vigente, pautado, apenas, na internação e no isolamento dessas pessoas, muitas vezes agravando seus transtornos. Esse movimento acabou por ganhar força e diversas mudanças ocorreram no âmbito das políticas públicas e das instituições responsáveis por atender esse tipo de demanda. Segundo Bisneto (2011, p. 36) "No início dos anos 1990 as conquistas do Movimento de Reforma Psiquiátrica permitiram a

expansão de serviços psiquiátricos alternativos através da contratação ou financiamento de atendimentos não-manicomiais". Essas formas alternativas de atendimento vão dar origem aos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), regulamentados pela Portaria Nº 336/2002 e pela Lei Nº 10.126/2001, que dispõe sobre os direitos das pessoas com transtornos mentais.

O Serviço Social no Brasil terá uma inserção tardia no âmbito da saúde mental, sua inserção inicia na década de 1970, ao contrário do Serviço Social norte-americano que esteve inserido na saúde mental logo em sua gênese (BISNETO, 2011).

A inserção do Serviço Social, nesse campo de atuação, demonstra que esse profissional tornou-se socialmente necessário no trabalho em saúde mental, na medida em que, através de seus conhecimentos referentes às políticas sociais e com o seu projeto ético- político de transformação da realidade social garantem melhores respostas às demandas apresentadas por esse tipo de público. Pois, juntamente com o transtorno mental, há sempre uma gama de aspectos sociais que contribuem para a manutenção desse processo de adoecimento. Essa inserção também se deve a uma mudança de visão sobre o próprio conceito de saúde em nível internacional, que deixou de ser apenas visto pelo viés médico como ausência de enfermidades e passou a ser visto a partir de um conjunto de fatores biopsicossociais que envolvem inclusive o acesso ao lazer, ao estabelecimento de vínculos sociais e comunitários e à participação social. (BISNETO, 2011).

No tocante às drogas e ao tratamento de dependentes químicos, o movimento não foi diferente, também ocorreram uma série de mobilizações na busca pela descriminalização dos usuários de drogas. Uma série de seminários e encontros nacionais e internacionais começaram a ocorrer para discutir a temática das drogas e para articular novas respostas e políticas que abarcassem essa questão. Até o ano de 1998, o Brasil não contava com nenhuma legislação específica que tratasse das drogas. Nesse mesmo ano foi realizado em Nova York a XX Assembleia Geral das Nações Unidas, na qual foi discutida essa pauta e como fruto desse evento criou-se no Brasil a chamada Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD), bem como a Política Nacional Antidrogas (PNAD), que somente veio a ser aprovada no ano de 2002, por meio do Decreto nº 4.345. (BRASIL, 2009a).

Com o avanço nas discussões referentes a essa temática, no ano de 2004, foi realizada outra série de seminários e eventos nos três níveis de gestão governamental para discutir o tema e mudou-se a nomenclatura "antidrogas" para "sobre drogas", justamente na busca por tentar diferenciar o usuário de substâncias daqueles que produzem e vendem as substâncias, na tentativa de afastar do usuário o estigma de criminoso.

Ainda no ano de 2004, foi realizado o Fórum Nacional Sobre Drogas, no qual foram propostas novas mudanças na política sobre drogas, de modo que ela visasse à prevenção, o tratamento e à recuperação, além da reinserção social, por meio da redução de danos e de novos estudos referentes à questão da dependência química. Porém, somente no ano de 2006, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva foi aprovada a nova legislação, dando origem à Lei Nº 11.343/06 que estabelecia, como base, a articulação de políticas em prol da prevenção e do tratamento ao uso de drogas. Essa lei não tornava lícito o uso de substâncias, mas diferenciava o usuário de drogas dos traficantes, direcionando ações sócio-educativas aos usuários e penas mais rígidas aos traficantes de drogas.

No Serviço Social, as produções acadêmicas e as discussões referentes à dependência química estão voltadas a apontar a contradição existente entre tratamento versus criminalização. Lima et al (2015), debruçaram-se sobre essa contradição presente na política sobre drogas no artigo intitulado "Políticas Sociais Sobre Drogas: um objeto para o Serviço Social brasileiro". No artigo as autoras apontam que, por mais que se tenha, de um lado, uma série de ações voltadas para redução de danos e para o tratamento e a prevenção ao uso de drogas, de outro lado, existe um movimento pautado na criminalização e no julgamento moral do uso de drogas. Essa relação contraditória e conflituosa tem se estendido desde o início da discussão sobre o tema e, como consequência, tem-se um movimento que é de avanços, mas também de retrocessos no que tange à política sobre drogas em nível global.

Lima et al (2015), trazem em seu artigo outra reflexão importante, que vai na direção de pensar o trabalho profissional frente à dependência química como pautado pelos princípios do projeto ético-político de emancipação social. As autoras iniciam a reflexão tratando do histórico das drogas. Apontam sua significação "mágica" para algumas tribos, bem como, a utilização de substâncias em formatos naturais, retirados da própria natureza, como a

Cannabis. Destacam a cultura de mercado que viria a se formar no século XVIII e a revolução

industrial do século XIX, que veio a alterar a forma de produção das substâncias. Essas perderam seu caráter mágico e adquiriram caráter de mercadoria, passando por processos de trabalho cada vez mais complexos que modificavam a natureza das substâncias, em alguns casos transformadas em produtos artificiais.

Pensar as Substâncias Psicoativas(SPAs) como mercadorias que possuem valor tanto de uso quanto de troca, muda completamente a percepção de como devemos lidar com o problema, pois faz-nos refletir sobre o fato dessas SPAs atenderem a uma determinada necessidade humana (valor de uso), necessidade essa que está voltada a uma busca pelo alívio das dores, pelo prazer ou até mesmo consolo. As autoras terminam o artigo problematizando

essa questão das drogas como mercadorias e as respostas apontadas pelas políticas públicas no Brasil que, por vezes, são de caráter repressivo e buscam a internação forçada dos usuários, em detrimento da lógica da redução de danos e da criação de espaços de lazer e convivência para a população. É a partir dessa contextualização que situaremos o Centro de Atenção Psicossocial “Caminhos do Sol”.