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POLÍTICA

No documento laurajunqueirademelloreis (páginas 89-96)

3 ESCRITOS E ESTRATÉGIAS DAS MULHERES NA MARMOTA

3.8 POLÍTICA

As mulheres que buscavam conhecimento sobre política e que almejavam conhecer esse universo eram desprezadas pela Marmota. As chamadas pelo jornal de “metidas a sabichonas” não eram bem vistas e os homens insistiam em considerá-las ignorantes e inaptas para participação política. Entretanto, em meados da década de 1860, as discussões políticas já apareciam em publicações escritas por mulheres.

Nesse aspecto, as cartas trocadas entre as primas Estella e Zelina61, que apareceram no

periódico em 1864, podem ser exemplos dessa perspectiva. Através delas, Estella reivindicava maior participação feminina na política:

É preciso, Zelina, muito preciso de uma vez para sempre mostrar aos homens que nós outras criaturas do sexo frágil somos tão boas como os tais senhores do sexo forte. Cá por mim estou tentada a começar pela política. Sexo frágil, sexo forte, isso que nos importa?

Não se trata de sexos, trata-se de cabeças; e se formos por esse lado, palavra de honra que não troco a minha cabeça de mulher por 25 cabeças de homens. Quero ser jornalista, quero pugnar pelos nossos direitos atrozmente empalmados por esses prevaricadores. Hei de abrir os olhos de nossos eleitores, mostrando-lhes que temos os mesmos direitos que tem os homens para sermos eleitas deputadas, senadoras, juízas de paz, etc., etc., etc... (A MARMOTA, 31 jan. 1864, p. 03).

Nesse trecho, vemos Estella requerendo algo que pouco tínhamos constatado em outras edições da Marmota. No jornal, os protestos femininos eram, em geral, sobre o direito de estudar e de ter uma educação igual à dos homens. Nas palavras da correspondente, contudo, percebemos o desenvolvimento da ideia dessa mulher de chegar, inclusive, a ocupar um cargo político. Mais do que refletir sobre essa questão, Estella a expôs em uma folha, cujo principal público leitor era feminino, fazendo com que sua aspiração por uma vida pública chegasse a muitas leitoras. Logo, a publicação do texto demonstra como a cultura impressa foi fundamental na propagação de ideias revolucionárias ligadas às condições femininas.

A historiografia mais recente vem nos mostrando que as reivindicações das mulheres oitocentistas ultrapassavam as perspectivas relativas à educação. Nesse sentido, análises que enfocam a intersecção entre gênero, política e relações de poder no século XIX vêm ganhando mais espaço nos ambientes acadêmicos. A dissertação de Cristiane Ribeiro (2019) exemplifica essa questão, ao propor um estudo dos escritos de Anna Rosa Termacsis dos Santos (A. R. T. S), uma mulher que escreveu, em meados da década de 1860, um tratado que debatia a emancipação política feminina. Nesse mesmo sentido, estavam as demandas de

61 Utilizamos apenas o primeiro nome de ambas, considerando que o jornal não nos forneceu o

Estella, considerando que a mesma publicou, na Marmota, o seu anseio pela participação feminina na política.

Além disso, é preciso compreender que as demais publicações que contestavam a ordem vigente no século XIX, a exemplo dos escritos trabalhados nessa dissertação, eram, de certo modo, políticos. Apesar de não buscarem uma participação política propriamente dita, ao se oporem ao ordinário oitocentista, estavam atuando politicamente. Assim, as transformações referentes aos direitos conquistados pelas mulheres foram postas no dia a dia, conforme demarcado no livro de Cowling (2018). Nesse sentido, o desejo de participação política foi, certamente, tão essencial para as mudanças estruturais quanto as oposições diárias.

Seguindo essa noção, as colocações postas por Estella na última fase da Marmota, em 1864, foram, de fato, substanciais. Contudo, não foram apenas tais movimentos que garantiram para as mulheres um maior espaço no ambiente público. Todas as conquistas seguem noções que eram colocadas no cotidiano62 e a imprensa imprimia discussões que

faziam parte da rotina do município no qual ela circulava. Nesse sentido, é compreensível que as questões a respeito do progresso da nação estejam, de certo modo, pautadas nas escritas femininas, considerando que muito se debatia sobre isso no momento referenciado.

Acerca dos textos produzidos por mulheres e construídos em uma concepção de objeção às noções preestabelecidas no século XIX, a historiadora francesa Michelle Perrot destacou que:

O uso [da escrita], essencial, repousa sobre o seu grau de alfabetização e o tipo de escrita que lhes é concedido. Inicialmente isoladas na escrita privada e familiar, autorizadas a formas específicas de escrita pública (educação, caridade, cozinha, etiqueta...), elas se apropriaram progressivamente de todos os campos da comunicação e da criação: poesia, romance sobretudo, história às vezes, ciência e filosofia mais dificilmente. Debates e combates balizam estas travessias de uma fronteira que tende a se reconstituir, mudando de lugar (PERROT, 2005, p. 13).

Portanto, consideramos que a imprensa foi necessária para as mulheres e para as suas reivindicações, seus trabalhos e suas conquistas. Ela também foi, de certa forma, prejudicial, uma vez que determinava comportamentos predefinidos, reverberando-os no maior meio de comunicação do período. Desse modo, “através de um processo de identificação ficava arraigado na mente destas leitoras, o ideal de mulher cristã, inocente, pura, dificultando a aceitação das mudanças que se operavam no universo feminino” (OLIVEIRA, 2009, p. 60).

Porém, diante da análise elaborada e das pesquisas realizadas, acreditamos que a cultura impressa agiu mais positivamente para a disseminação de ideais que legitimavam as mulheres nos jornais. O espaço oferecido pelo periódico em questão, ainda que não tenha tido essa intenção, permitiu que mulheres como Estella, Alcipe e Algoz escrevessem a partir de suas convicções. Assim, proporcionou que o bello sexo letrado desenvolvesse considerações baseadas em suas publicações. Além do mais, as noções postas no jornal relacionadas à civilização do país também foram fundamentais para que as mulheres, através de estratégias e negociações, expressassem a necessidade possuir seus direitos. Nesse sentido, elas utilizaram essas concepções para atestarem garantias à educação, por exemplo.

No mais, buscamos recuperar essa série de escritos a fim de percebermos a multiplicidade das experiências presentes no universo feminino. Nesse sentido, compactuando com o ponto estabelecido por Magali Engel, discordamos da noção que concebe algumas mulheres como “à frente de seu tempo”. Isso porque tais figuras agiam em conformidade com o momento vivenciado (ENGEL, 2009), assim como reitera Tilly (1994, p. 31): “as mulheres vivem e atuam no tempo”.

Engel ainda defende uma interpretação que podemos incorporar aos escritos aqui apresentados. Segundo ela, nesse momento final do século XIX – ao passo que, para nossa análise, recuamos um pouco para a metade do Oitocentos –, defendiam-se noções de progresso, civilização e civilidade. Portanto, as reivindicações expostas pelas mulheres, relacionadas ao direito à educação, à maternidade e ao matrimônio, podem indicar uma circunstância vivenciada em um período de desenvolvimento da nação. Assim, não figuramos tais escritos como externos ao seu tempo, mas como produtos das experiências daquelas mulheres escritoras.

Na próxima seção, abordaremos como ações pautadas em acontecimentos cotidianos foram fundamentais para mudanças estruturais no universo feminino. Para isso, analisaremos as noções de progresso, civilização e civilidade, postas na década de 1850, através do projeto de lei proposto na Câmara dos Deputados sob o nome Não há de se casar e as condições questionadas na imprensa. Questões como educação, maternidade e matrimônio também podem ser encontradas na seção a seguir.

4 “A ESPOSA DO MILITAR É A FARDA”: A LEI NÃO HÁ DE SE CASAR, CIVILIZAÇÃO E CONCEPÇÕES SOCIAIS ATRAVÉS DA MARMOTA

Esta seção busca resgatar as colocações do Projeto de Lei Não há de se casar, estabelecidas nas reuniões da Câmara dos Deputados do Oitocentos, e as objeções postas a ele na imprensa. Apesar de o projeto ter sido proposto em 1854, no ano anterior, as discussões a respeito das pensões disponibilizadas para as viúvas dos militares já apareciam de forma frequente nos debates da Câmara. O objetivo aqui, portanto, é compreender como a imprensa feminina, mais especificamente a Marmota, e as mulheres da época contribuíram para que cessassem as proposições a respeito desse projeto de lei.

A finalidade do projeto em curso na Câmara era a proibição do casamento de jovens militares com mulheres consideradas pobres. Isto porque o Estado, em uma tentativa de contenção de despesas, não concordava em pagar metade dos salários dos falecidos militares às suas respectivas viúvas. Na perspectiva do governo, as mulheres pobres necessitariam desse suporte financeiro, enquanto as oriundas de famílias abastadas, caso enviuvassem, não precisariam receber auxílio econômico do Estado brasileiro. Tal proposta incomodou os jovens militares e as mulheres, as quais, através da imprensa, questionaram aquele projeto de lei.

Esse contexto suscitou a investigação e a análise das atas da Câmara dos Deputados, de 1853 e 1854, assim como dos artigos postos na Marmota e em outros jornais do período, como o já citado, Periódico dos Pobres. Assim, em ações cotidianas, as vozes femininas propunham objeções às condutas que prejudicassem as mulheres – e que, naquele caso, em específico, também afetavam os militares que, diante da noção de proteção ao Estado em desenvolvimento, viam suas possibilidades pessoais serem ameaçadas.63

Posto isso, partimos de uma perspectiva reveladora no que tange às forças sociais expressas pelo periódico estudado, analisando como as mulheres, através da Marmota, foram conquistando, aos poucos, demandas referentes aos espaços públicos. Nesse sentido, problematizamos a noção, frequentemente encontrada na imprensa da década de 1850, que maldizia as mulheres ditas “faladeiras”. Nesta parte da dissertação, o recorte de classe se faz mais necessário, tendo em vista que o projeto, apesar de evidentemente prejudicar toda a classe das mulheres, era mais danoso àquelas que eram pobres.

63 Noções oriundas das perspectivas propostas pela história social, através de autores como Sidney

4.1 “QUE MAL HÁ EM SER FALADEIRA?”

Conforme exposto por alguns estudiosos da imprensa, por vezes, é relevante que se construa comparações com outros periódicos da mesma época da folha pesquisada. Esse exercício nos ajuda a notar como determinado episódio se apresentava em perspectivas diferentes (ZICMAN, 1985). Por isso, iremos identificar a noção de “mulher faladeira” em três periódicos da década de 1850 e que já foram abordados em outros momentos desta dissertação: Marmota, Periódico dos Pobres e Jornal das senhoras.

De acordo com a Marmota, em meados do século XIX, era difícil encontrar uma mulher que falasse pouco (A MARMOTA NA CORTE, 09 nov. 1849). Ao longo das várias edições do periódico, essa proposição é frequentemente encontrada. Assim, criticaram-se, no jornal, as mulheres faladeiras: “mulher muito tagarela, não se dê nada por ela” (A MARMOTA NA CORTE, 16 nov.1849, p. 04). Pressupunha-se que o falar demais prejudicava as jovens que almejavam o casamento. Afinal, os piores tipos de mulheres, segundo o periódico, seriam as faladeiras e as inconstantes64: “D. Tagarela, D. Bacharela65,

deus me livre da língua dela” (MARMOTA FLUMINENSE, 23 maio 1854, p. 03).

Na perspectiva de progresso, trazida ao longo desta análise, a característica de faladeira não era encarada a partir de uma boa interpretação. A título de exemplo, transcrevemos um mote e glosa publicado na Marmota:

Certa mulher faladeira Merece a língua cortada. É jubilada em asneira, Nas intrigas muito versada, Na maldade examinada Certa mulher faladeira, Em soalhar é a primeira Dos seus a vida privada; A tal vício habituada Não se pode reprimir;

64 O periódico coloca, em vários momentos, a discussão sobre a inconstância feminina e sobre como

esta característica poderia ser prejudicial em um relacionamento.

65 Notemos que a palavra “bacharel”, no masculino, possuía significado idêntico ao contemporâneo:

“título que se dá aos que recebem o primeiro grau em qualquer faculdade de uma universidade”. Por sua vez, o termo “bacharela”, no feminino, significava “mulher que fala muito, inconsideravelmente e imperitamente.” Confira em: SILVA, 1858, p. 292. Essa pesquisa nos instigou procurar o sentido de tais palavras no dicionário atual. Enquanto a palavra “bacharel” nos remete apenas à formação universitária, o conceito “bacharela” apresenta até hoje tanto a relação com a formação universitária quanto a noção de mulher tagarela. Notamos, assim, que são sentidos que se perpetuaram ao longo dos séculos.

Para aos mais não perseguir; Merece a língua cortada

(A MARMOTA NA CORTE, 22 jul. 1851, p. 04).

No Periódico dos Pobres, jornal que em muitas condições se assemelhava à Marmota66, também encontramos críticas à suposta tagarelice feminina. Na seção constante

do jornal chamada “Conversa de Priminhas”, a todo o momento era posto “oh tagarela, você não se calará?” (PERIÓDICO DOS POBRES, 05 ago. 1852, p. 03). Vê-se também que tal característica era encarada como uma imperfeição: “é quem a poema tagarela, apesar desse defeito, ainda assim morro por ela” (PERIÓDICO DOS POBRES, 14 abr. 1855, p. 04).

Enquanto encontramos percepções semelhantes no que se refere à noção de mulher faladeira no Periódico dos Pobres e na Marmota, o mesmo não podemos dizer sobre o Jornal das Senhoras. Logo, acreditamos que tal diferença se deu considerando que a redação e edição das duas primeiras folhas, eram comandadas, exclusivamente, por homens; enquanto o Jornal das Senhoras era redigido e editado por mulheres.

Nesse sentido, uma mulher que verbalizasse suas opiniões e seus sentimentos sobre determinados assuntos não poderia ser vista com bons olhos. Ao falarem e se mostrarem insatisfeitas com certas situações, as mulheres poderiam questionar as condições postas pela sociedade do século XIX. A imprensa que deu espaço a um público feminino surgiu, conforme vimos ao longo das seções anteriores, como uma oportunidade para que as mulheres pudessem expor suas objeções a diversas questões.

Por isso, a presente seção busca resgatar, a partir dessa ideia de “mulheres faladeiras”, uma série de oposições expressas por elas, na Marmota, a um projeto de lei que viria a ser prejudicial para a chamada classe feminina. É interessante destacar que, logo após as publicações da imprensa, a Câmara dos Deputados suspendeu os debates referentes a essa questão. Esse dado pode ser representativo no que tange às colocações realizadas e expostas nas folhas de então. Por isso, “ser faladeira” não deveria ser algo encarado com um teor pejorativo para as senhoras oitocentistas, haja vista que foi dessa forma que elas conquistaram e abriram espaço para futuras realizações benéficas a elas.

Nessa mesma perspectiva, adotamos a ideia exposta por Hobsbawm quando o autor tratou das pessoas comuns. De acordo com o historiador, as pessoas ordinárias foram se tornando relevantes a partir do momento que passaram a ser um fator constante na concretização de decisões e acontecimentos (HOBSBAWM, 1998). Assim, ressaltamos a

66 Os traços que promovem essa similaridade entre os dois periódicos são apontados na segunda seção

necessidade de encarar as “mulheres faladeiras” a partir dessa noção, entendendo como suas convicções foram fundamentais nas respostas e decisões referentes ao Projeto de Lei Não há de se casar. Além disso, ao apresentarmos esse projeto a partir de perspectivas pessoais, pela fala dos deputados e na imprensa, buscamos resgatar e contextualizar conflitos individuais que acabaram por auxiliar no coletivo.67 Assim, frisamos que tais dinâmicas eram moldadas

por um contexto compartilhado entre os sujeitos.

O projeto e toda sua repercussão na imprensa seria uma forma de controlar socialmente as mulheres e os militares. O fato de, em determinado momento, ter começado a existir a necessidade de um controle, significa que as mulheres estavam se movimentando. As modificações que isso gerava não agradavam os homens, que possuíam condições favoráveis e poderes postos social e culturalmente. Tal controle visava direcionar essas pessoas comuns a um interesse do Estado, partindo das noções já mencionadas de desenvolvimento nacional.

As discussões colocadas a partir do projeto de lei a ser analisado em seguida nos trazem questões que foram trabalhadas na terceira seção, tais como: matrimônio, educação, amor, progresso e civilização da nova nação. Sendo assim, percebemos que essas temáticas e questões eram postas socialmente no dia a dia dos sujeitos oitocentistas e debatidas na imprensa. A Marmota trouxe, em suas páginas, todas essas proposições.

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