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3 ESTADO E POLÍTICA PÚBLICA NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO: NOTAS TEÓRICAS

3.1 POLÍTICA SOCIAL NO ESTADO CAPITALISTA CONTEMPORÂNEO

As transformações na relação capital/trabalho, ocorridas desde o último quartel do século XIX, marcam a intervenção gradual do Estado na sociedade por meio da política social22, assim como a passagem do capitalismo para um novo estágio, caracterizado por Lênin (1987) como imperialismo. O autor sintetiza os traços deste estágio do capitalismo como processo onde se afirma a concentração da produção e do capital, atingindo um grau de

22As Políticas Sociais se conceberam, normalmente, na convergência dos movimentos de ascensão do capitalismo com a Revolução

Industrial, das lutas de classe e do desenvolvimento da intervenção do Estado. Sua origem é vinculada aos movimentos de massa social- democratas e à instituição dos Estados-nação na Europa Ocidental no final do século XIX. No entanto, sua generalização inscreve-se na transição do capitalismo concorrencial para o monopolista, sobretudo após o término da Segunda Guerra Mundial (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).

desenvolvimento tão elevado que origina os monopólios, a fusão do capital bancário com o capital industrial e a consequente criação de uma oligarquia financeira, a centralização do capital internacional em um número restrito de grandes corporações e a partilha territorial do globo entre as maiores potencias capitalistas.

Os eventos que inauguram este novo estágio do desenvolvimento das forças produtivas provocaram transformações na relação capital/trabalho e aumentaram o antagonismo entre as classes.

De um lado, a vitória da Revolução Russa ocorrida em 1917, liderada pelo bolchevique Lênin, resultou no crescimento da economia russa e no fortalecimento da classe operária em nível internacional. Os operários, motivados pela primeira experiência socialista no mundo, criaram os Partidos Comunistas a partir da Internacional Comunista, fundada em Moscou, no ano de 1919, e que, posteriormente, ficou conhecida como Terceira Internacional (PAULO NETTO; BRAZ, 2008).

De outro, houve uma mudança no bloco hegemônico capitalista, decorrente do progressivo enfraquecimento da Inglaterra como potência capitalista hegemônica, fato esse agravado pelo confronto imperialista da Primeira Guerra Mundial, que culminou com a Depressão de 1929 e a crise econômica mundial. Esses acontecimentos tiveram relação direta com a Segunda Guerra Mundial e com a consolidação da economia dos Estados Unidos como a nova hegemonia imperialista.

A crise econômica após o Crash da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, se, por um lado, desencadeou o esgotamento de uma economia baseada nas livres forças de mercado com fortes investimentos em papéis e títulos na Bolsa de Valores (CHESNAIS, 1998), por outro, obedeceu aos ciclos de expansão do próprio sistema capitalista23. Assim sendo, a crise econômica mundial tem explicação na irracionalidade do sistema capitalista regido pela lei de valor, havendo m nexo entre a teoria do valor de Marx e os extensos períodos de contração e expansão do capitalismo.

A partir de um certo momento da retomada ou da conjuntura de crescimento, há um aumento inevitável da composição orgânica do capital, em decorrência de um progresso técnico que, no regime capitalista, não é jamais ‘neutro’ mas essencialmente poupador de trabalho (substituindo a mão-de-obra por máquinas) e da ampliação dos investimentos que se desenvolvem em uma conjuntura favorável.

23 Para Marx (2010, p. 515), “a vida da indústria se converte numa sequência de períodos de atividade moderada, prosperidade,

superprodução, crise e estagnação [...]. Excetuados os momentos de prosperidades, travam-se entre os capitalistas os mais furiosos combates, procurando cada um deles, obter uma participação no mercado. Essa participação está na razão direta do barateamento do produto. Por isso, rivalizam-se no emprego de maquinaria aperfeiçoada que substitui força de trabalho e na aplicação de novos métodos de produção. Mas em todo ciclo industrial, chega o momento em que se procura baratear as mercadorias, diminuindo-se à força o salário abaixo do valor da força de trabalho”. O fato é que, para a classe trabalhadora estes ciclos representam momentos de incertezas e intranqüilidade. Para a classe burguesa implica o aumento da competição para uma maior participação no mercado, através do barateamento do seu produto.

Esse aumento da composição orgânica do capital pode, durante um certo período, deixar intacta a taxa de lucros (é a fase de ‘lua- de- mel’ do boom), logo que é acompanhado de uma elevação da taxa de mais-valia, de uma baixa relativa dos preços de matérias-primas e/ ou de um investimento crescente de capitais nos setores ou nos países cuja composição orgânica do capital é mais débil. Entretanto a lógica da expansão domina as condições dessa ‘lua de mel’ (MANDEL, 1990, p.213-214).

Em outras palavras, o capital invertido na produção é lei geral da acumulação capitalista, pois a sua valorização implica a utilização de métodos de extração de mais-valia, sob a forma absoluta e/ou relativa. A propósito, Marx (2010, p. 580) referencia que

Os métodos para produzir mais-valia relativa são, ao mesmo tempo, métodos para produzir mais-valia absoluta [...]. A mais-valia relativa é absoluta por exigir a prolongação absoluta da jornada de trabalho além do tempo necessário à existência do trabalhador. A mais-valia absoluta é relativa por exigir um desenvolvimento da produtividade do trabalho que permita reduzir o tempo de trabalho necessário a uma parte da jornada de trabalho.

Os métodos de extração da mais-valia cumprem seu papel na lei de valorização do capital, principalmente por manter, ao mesmo tempo em que expulsa da produção, uma infinitude de trabalhadores, gerando um enorme excedente de força de trabalho que subvaloriza e reduz o valor da força de trabalho (ANTUNES, 2001).

É justamente no período de crise do capital, bem como no seu enfrentamento, que se pode apreender com maior propriedade qual o lugar da luta de classes no capitalismo e a estratégia da revolução passiva como mecanismo para obtenção do consenso de classes em face das mudanças realizadas nos processos de produção, na ação estatal e nos aparelhos privados de hegemonia.

Desse modo, a crise de 1929 e, consequentemente, o aumento do desemprego, do pauperismo para o conjunto da classe trabalhadora e o acirramento das lutas de classes na Europa e nos Estados Unidos levaram este último a criar um conjunto de medidas de natureza político-econômica que estimularam o Estado a garantir a reprodução da força de trabalho e a desonerar o capital de partes de suas despesas. Paulo Netto e Braz (2008) registram que o “Estado burguês sempre interviu na dinâmica econômica, garantindo as condições externas para a produção e acumulação capitalista”. Para os autores, as perspectivas keynesianas alargaram as atribuições do Estado para que fossem garantidas as condições gerais da produção e da acumulação.

Na fase do capital monopolista, o projeto burguês de dominação exige maior alargamento do papel do Estado, tendo por base uma racionalidade voltada para a produção de mais-valia e para a organização social. Segundo Gramsci (2001), essa racionalidade

corresponde à exigência de um determinado ambiente e de uma estrutura social chamada de americanização, a qual

exige um determinado ambiente uma determinada estrutura social (ou vontade decida de criá-la) e um determinado Estado. O Estado é o Estado liberal não no sentido do liberalismo alfandegário ou da efetiva liberdade política, mas no sentido mais fundamental da livre iniciativa e do individualismo econômico que alcança, através de meios próprios, como “sociedade civil”, através do próprio desenvolvimento histórico, regime da concentração industrial e do monopólio (GRAMSCI, 2001, p. 258).

Para Coutinho (2007), revolução passiva é entendida, em Gramsci, como um instrumento-chave para analisar, inicialmente, a formação do Estado burguês moderno na Itália e, ainda, como critério de interpretação de fatos sociais complexos e, até mesmo, de épocas históricas inteiras, bastante diversas entre si, como, por exemplo, a Restauração pós- napoleônica, o fascismo e o americanismo.

Segundo Gramsci (2001), a crise econômica de 1929 foi a mais violenta ocorrida até aquele momento histórico. Primeiro, por ter atingido todas as camadas da população e, segundo, por ter entrado em conflito com as necessidades dos novos métodos de racionalização da produção do trabalho (taylorismo/fordismo)24. Para esse autor, tais métodos, na racionalidade burguesa, deveriam suscitar nos trabalhadores um novo modo de viver, pensar e sentir a vida; forjar, através da “pressão material e moral” da sociedade e do Estado, um tipo particular de trabalhador; e produzir na América e na Europa, uma exaltação, ainda que superficial, da “nova civilização” aos moldes da classe burguesa americana.

O americanismo nada mais é do que a falsa ilusão de que é possível melhorar o padrão de vida dos operários com um processo de mudança nas condições sociais e nos costumes e hábitos individuais obtidos por meio da combinação entre a coação (autodisciplina) e a persuasão, sob a forma de altos salários. Trata-se, na verdade, da utilização de mecanismos capazes de promover a adesão e o consentimento dos trabalhadores às mudanças na relação de produção, conforme indica Gramsci (2001, p. 248): a “adaptação psicofísica do trabalhador é determinada, na racionalidade do capitalista pela necessidade de elaborar um novo tipo de humano, adequado ao novo tipo de trabalho e de processo produtivo”.

Com efeito, a racionalidade burguesa, determinada pela manutenção do sistema de dominação social, necessita, cada vez mais, ampliar as formas de subsunção do trabalho ao

24 Este modelo de acumulação que se caracteriza por uma nova forma de organização da produção de mercadorias surge inicialmente na

década de 1910. Teve, como seu idealizador, o americano Henry Ford (1863-1963) e se implementou com firmeza na Europa e no Japão depois da década de 1940. Foi consolidado e expandido no Pós Segunda Guerra mundial, tornando-se o modelo de produção hegemônico até a década de 1970 (HARVEY, 1993).

capital, a partir da reestruturação do processo produtivo como forma de aumentar a extração da mais-valia e manter-se como classe dominante.

Assim, quanto maior a acumulação da mais-valia, mais elaborados serão os métodos utilizados pelo capital para a adesão e o consentimento da classe trabalhadora a fim de incorporá-los às novas exigências do processo produtivo. Contudo, apesar das investidas do capital contra a organização e fortalecimento da classe trabalhadora, mesmo nos Estados Unidos, onde a repressão das ideias socialistas consegue reduzir a influência das correntes de esquerda e a corrupção do movimento sindical pelo patronato mostra-se intensa, a classe operária, representada pelos sindicatos “conquistaram importante poder político (embora nunca determinante) sobre questões da seguridade social, salário mínimo e outras facetas da política social (HARVEY, 1993). Tais conquistas estavam incluídas nas variedades de obrigações do Estado.

As referidas conquistas, entretanto, foram baseadas em negociações que exigiam dos trabalhadores, em troca dos direitos adquiridos, uma atitude cooperativa no tocante as técnicas fordistas de produção e às exigências cooperativas cognatas para aumentar a produtividade. Observa-se, então, que, mesmo quando o sindicato consegue uma reação da classe trabalhadora contra as investidas da classe burguesa, na esfera da negociação coletiva, os interesses da classe capitalista são mantidos.

Assim, o avanço e a generalização das políticas sociais25, estão relacionados com os acontecimentos políticos e econômicos do Pós Segunda Guerra Mundial, período denominado a “era de ouro” capitalista ou “trinta anos gloriosos”, compreendido entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o início dos anos 1970. Trata-se da conjunção de uma série de fatores que garantiram ao capitalismo alguns anos de expansão, entre eles a alta concentração de capitais e os investimentos no setor de produção e desenvolvimento, que reestruturaram a produção e aumentaram o nível de automação do trabalho (MANDEL, 1990).

Outro fator que possibilitou um desenvolvimento sem precedente do capitalismo neste período foi a efetiva intervenção do estado na economia, justificada pela crise dos anos 1930, a qual adveio dos prejuízos econômicos causados pelas duas guerras mundiais, o que exigia medidas de urgência de estabilização social devido à intensificação da luta de classes na Europa e à perspectiva do avanço das ideias de um projeto alternativo de sociedade devido à experiência socialista na União Soviética, após a II Guerra Mundial.

25Vários autores relacionam o desenvolvimento da política social com o agravamento da “questão social”, entre eles, Pereira (1998) refere-se

a Política Social àquelas modernas funções do Estado capitalista – imbricado à sociedade – de produzir, instituir e distribuir bens e serviços sociais categorizados como direitos de cidadania [...] a qual foi depois da Segunda Guerra Mundial distanciando-se dos parâmetros do

laissez-faire e do legado das velhas leis contra a pobreza (IDEM, p. 60). Outras referencias podem ser encontradas nos trabalhos de: Paulo

No âmbito da política macroeconômica, a intervenção do Estado se concretizou pelo acordo de “Bretton Woods” e com o Plano Marshall, cujos objetivos se baseavam, respectivamente, em promover a estabilidade da economia internacional e das moedas nacionais desestabilizadas pela Segunda Guerra Mundial e em apoiar a reconstrução dos países aliados na Europa e o Japão, atendendo à necessidade de sustentar as exportações norte-americanas e fortalecer uma aliança estratégica anticomunista, criando sustentação para guerra fria e preservando a hegemonia, sobretudo norte americana (IAMAMOTO; CARVALHO, 2007).

No plano da política social, a intervenção estatal se configurou através da política de Seguridade Social que, inaugurada na Inglaterra na década de 40, constituiu-se a base conceitual e política do Estado de Bem-Estar Social ou do “Welfare State” (políticas keynesianas)26 em alguns países da Europa Ocidental. Era acompanhada de diversos e variados padrões de proteção social, tanto nos países de capitalismo central, quanto na periferia (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).

Segundo as autoras acima citadas, as políticas sociais se apresentam como respostas ao enfrentamento das múltiplas expressões da “questão social” (aumento do desemprego e a pauperização da classe trabalhadora) e, à urgência de organização e controle da classe trabalhadora, uma vez que, no campo da luta de classe existente na relação capital/trabalho, os trabalhadores organizados conquistavam algumas de suas reivindicações, posto que havia

[...] um forte movimento operário e sindical, fortalecido por partidos comunistas e socialistas, [e] o medo burguês em face das experiências socialistas e idéias democráticas revigoradas pela resistência ao fascismo [obrigam] os Estados imperialistas a incorporar demandas populares [...] (PAULO NETTO; BRAZ, 2008, p. 205).

O Estado, com base nas ideias keynesianas, passa a atuar diretamente na produção e na regulação das relações econômicas e sociais mediante adoção da política do pleno emprego nos países avançados. Com efeito, as medidas de proteção foram estendidas de forma significativa como estratégia de conseguir o consenso da classe trabalhadora nos conflitos patronais e, com isso, ampliar a acumulação do capital da burguesia.

Em geral, os países centrais que adotaram tal política, segundo Harvey (1995), obtiveram “tanto um crescimento econômico estável, como um aumento dos padrões

26

Na síntese elaborada por BEHRING (2002, p.173), o Pacto Keynesiano “se funda na institucionalização das demandas do trabalho, deslocando o conflito para o interior do Estado. Neste espaço, há uma forte tendência à segmentação das demandas, bem como de tecnocratizar questões econômico-políticas, despolitizando-as. [...] É possível afirmar que o pacto keynesiano é viabilizado a partir de uma situação-limite para o movimento operário: o vácuo das direções nacionais e internacional, com um projeto econômico-político claro e independente; e o corporativismo que decorre daí e remete o movimento ao imediatismo dos acordos em torno da produtividade, sobretudo do setor monopolista, sem nenhuma visão da totalidade e da solidariedade e de classe”.

materiais de vida através de uma combinação de estado do bem-estar social, administração econômica keynesiana e controle de relações de salário”. O mesmo, porém, não aconteceu com os países de economias periféricas, conforme será tratado a seguir.

No Brasil, as políticas sociais surgem em sintonia com os processos internacionais, porém de forma periférica, atrelada, inicialmente, à regulamentação das relações de trabalho, entre os anos de 1930 e 1943 (DRAIBE, 1990). Esse período de introdução da política social só terá seu desfecho com a Carta Constitucional de 1937 – que ratifica a necessidade de reconhecimento das categorias de trabalhadores pelo Estado – e com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), promulgada no ano de 1943. É exatamente a CLT que vai selar o modelo corporativista e fragmentado do reconhecimento dos direitos no país (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).

4 DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE TRABALHO, EMPREGO E