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4 DISCURSOS MÍTICOS NOS PROGRAMAS ELEITORAIS

4.2 POLÍTICA EM TEMPOS DE PLANO REAL

Para entender o contexto eleitoral de 1996 e 2000, cujos discursos são objetos de nossa análise, é preciso entender o Brasil da década de 1990. É nesse período que os brasileiros elegem o primeiro presidente civil após o período de ditadura militar, Fernando Collor de Mello. A esquerda, após sua derrota eleitoral, assiste no papel de oposição as ações de um governo considerado de elite, cuja

marca foi o confisco das poupanças, além das denúncias de corrupção que culminaram com o impeachment do presidente em 1992. Ao mesmo tempo em que assistia perplexa aos rumos do país, assim como todos os brasileiros, a esquerda discutia uma direção a seguir, influenciada por um cenário internacional desolador quanto às alternativas ao capitalismo, sobretudo ao avanço neoliberal.

O fim do comunismo na Europa Oriental e na União Soviética, em 1989 e 1991, respectivamente, e as vitórias do Ocidente na Guerra Fria, denotaram não apenas o triunfo capitalista, mas do neoliberalismo. Aplicados pelo presidente Ronald Reagen, nos Estados Unidos, e pela primeira-ministra da Inglaterra Margareth Thatcher, na década de 1980, o sistema neoliberalista nasceu logo após a Segunda Guerra Mundial. Na década de 90, esse modelo retornava, trazendo das suas origens a contrariedade ao estado intervencionista e de bem-estar social. A teorias de Friedrich Hayek, escritas em 1944, voltavam a ser aplicadas no cenário político e, por fim, avançavam pela Europa. (PERRY, 1995, p. 4). Nesse contexto, a social-democracia que na Suécia havia resistido durante a década de 80, acabou derrotada pela direita em 1991. O socialismo francês, que se desenvolvia na contramão dos regimes europeus, também sai derrotado nas eleições de 1993. Na Itália, Berlusconi chega ao poder com o apoio do partido fascista e, na Alemanha, o chanceler Helmut Kohl decide pela unificação das Alemanhas.

No Brasil a alternativa da esquerda brasileira apostava na mudança estrutural contínua. No entanto, sabia-se que esse caminho seria uma construção cotidiana e a longo prazo e, para tanto, fazia-se necessário chegar ao poder. (LOPEZ, 2000, P. 151). Enquanto não encontravam uma forma de contenção do sistema capitalista, assistiam à incapacidade do governo Collor em sustentar as medidas econômicas adotadas. Os índices inflacionários que chegaram no governo Sarney ao percentual de 1.700% ao ano não foram inibidos e mantiveram grande parte da população na miséria e em plena insegurança social. Lopez (2001) verifica que em 1992 as elites perceberam que Collor estava cada vez mais isolado e não possuía capacidade de liderança, o que desencadeou a campanha Fora Collor, capitaneada pelos partidos de oposição e aderida pela população, mas, sobretudo, pela Rede Globo, que ampliou a divulgação do movimento e incentivou a juventude a ir às ruas. “Os jovens na rua – afinal, era o futuro deles que a continuidade de Collor ameaçava – foram absorvidos pela mídia como uma legitima manifestação

cívica. Com rostos pintados, a Campanha Fora Collor virou carnaval cívico – a transgressão consentida, portanto, controlada. ” (LOPEZ, 2001, p. 153)

O Congresso Nacional, com um caráter mais político do que judiciário, articulou-se para depô-lo, o que significou um fenômeno inédito na história brasileira. Com a queda de Collor, Itamar Franco, do PMDB, assume a presidência da República, com função exclusiva de manter em funcionamento a máquina do Estado. Enquanto isso, a direita prepara-se para as próximas eleições presidenciais, consciente de que enfrentaria, novamente, a candidatura de Lula e do PT e tudo o que ele representava naquela ocasião. Tinham pela frente dois anos para preparar um novo candidato, mas alguém com respaldo intelectual e passado respeitável. O sociólogo Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, com perfil adequado aos interesses eleitorais, surge como contraponto a Lula.

De ministro das Relações Exteriores, Fernando Henrique Cardoso passa a chefiar o ministério da Fazenda e lança um novo plano para conter a inflação. Após sucessivos planos econômicos, a população brasileira demonstrava-se descrente à implantação do Plano Real. Os objetivos imediatos do Plano Real estavam centralizados na capitalização do apoio político a Fernando Henrique e na sustação da inflação que assolava o país. Ao contrário dos planos anteriores desde o Cruzado, o Plano Real foi implantado em etapas, com prazos pré-estabelecidos e, com isso, passou a obter credibilidade, cumprindo todos os estágios a que se propusera publicamente. (LOPEZ, 2000, p. 155).

O Plano Real apostou na estabilização dos preços, com uma chamada moeda forte. Para tanto, contou com uma suposta reserva de dólares e manteve os juros elevados. Assim, o governo evitaria o aumento do consumo, inibiria a inflação e capitalizaria os dólares do exterior. Com esses dólares especulativos passaria a manter uma reserva governamental, utilizando esses recursos nas importações. Fundamentado pelas teorias neoliberais, o governo defende as privatizações e, sem dúvidas, tem o apoio internacional, que caminha nesse sentido com a globalização e a implantação do neoliberalismo. Essas medidas justificam-se na necessidade de haver recursos financeiros como suporte à moeda e às alianças em nível internacional. Com isso o plano ganha credibilidade e, no final de 1996, a equipe econômica de Fernando Henrique comemora a primeira inflação de um dígito em quarenta anos. Porém, o velho inimigo da economia brasileira havia apenas recuado

e atacaria em outras frentes, entre elas a relação entre o dólar e o real. (LEITÃO, 2011, p. 347)

Assim, apesar de conquistar o seu principal objetivo, derrubar a inflação, e eleger Fernando Henrique à presidência, o que ocorre ainda em 1994, batem à porta da estabilização os custos políticos, econômicos e sociais. A abertura da economia e a sobrevalorização do Real escancarou o país às importações, o que retirou a capacidade competitiva das exportações, as quais cresceram em um ritmo inferior aos das importações, quebrando inúmeras empresas e gerando o desemprego. (FILGUEIRAS, 2006, p. 149)

A estabilidade dos três primeiros anos do Plano Real foi abalada pelas crises cambiais, demostrando a vulnerabilidade externa do país. Para Filguerias (2006) a instabilidade sistêmica resultou da inconsistência interna do Plano, que ficou clara a partir das crises cambiais do México, em 1994, e dos países asiáticos, em junho de 1997. Para o economista, a vulnerabilidade da posição externa da economia brasileira estava no elevado déficit em conta corrente, na excessiva abertura da conta de capitais e na insuficiência das reservas internacionais do país.

Além da instabilidade macroeconômica, assistia-se no país “um aumento indiscutível do descontentamento social brasileiro” (FIORI, 1998, p. 103). Depois da euforia do consumo, a sociedade obteve perdas salariais, a expansão do desemprego, a falta de crédito, uma piora progressiva dos serviços públicos e a decomposição explícita da infraestrutura de energia, de transporte e de saúde. Para completar, a concentração de renda não diminui com o Plano Real, o que na análise de Lopez demonstrava quem eram os verdadeiros beneficiários. O historiador cita que a Folha de São Paulo de 12.01.1997, em 1960, apontava que os mais ricos detinham 39,6% da renda nacional, e os 10% mais pobres, 1,9%. Já em 1995, com o Plano Real, os percentuais tinham mudado, respectivamente 48,2% e 1,1%.

No início da década seguinte a implantação do Plano Real começa a obter resultados positivos, após um fraco desempenho econômico brasileiro. Com a desvalorização cambial de 1999, as empresas investem nas exportações e na distribuição das linhas de produção entre as filiais das corporações multinacionais. A política externa do governo brasileiro concentra-se na promoção das exportações e busca diversificá-las geograficamente, com destino aos grandes mercados do mundo em desenvolvimento, o que é acentuado em 2003. Houve a ampliação das

vendas de produtos manufaturados de maior valor agregado, como chassis, automóveis, tratores, autopeças, aviões, bens de capital, móveis e eletroeletrônicos. (IPEA, 2010). O ano de 2000 foi um ano de crescimento com inflação em queda. O Índice Nacional de Preços (IPCA) anunciava naquele ano uma taxa inflacionária de 5,97%, um feito extraordinário em um país que havia vivido na década de 1980 o fantasma da hiperinflação. (LEITÃO, 2011, p. 235)

É nesse cenário político e econômico que ocorrem a disputas eleitorais nos municípios brasileiros em 1996 e 2000. Em Caxias do Sul, o candidato do PT, Pepe Vargas, concorre à prefeitura de Caxias do Sul, no ano de 1996, com um programa político voltado à inversão de prioridades, geração de emprego e renda e melhorias dos serviços públicos, com foco especial na saúde. O candidato representava a mudança de paradigmas políticos aos 207.398 mil eleitores da época. No entanto, em uma cidade até então governada por partidos de orientação liberal, fazia-se necessário encontrar os discursos adequados para convencer os eleitores, extraindo do plano simbólico elementos representativos da cultura local que refletissem a insatisfação sentida em relação à política econômica do período.

No ano de 2000, ao concorrer à reeleição, é o momento de reafirmar as políticas públicas e adotar um discurso de avanço. Entretanto, a estratégia de extrair do imaginário social elementos significativos para construção da mensagem estão alocadas em um novo contexto, mas como uma premissa necessária à conquista do eleitorado, como veremos em seguida em nossas análises.