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A Mata Atlântica é o bioma brasileiro que historicamente mais se destaca pelo grau de ameaça e impactos sofridos. Esse bioma foi, também, o primeiro a contar com políticas ambientais, desde o período colonial. Diversas cartas régias proibiam a exploração de madeiras específicas, estabeleciam limites anuais para o corte, protegiam áreas florestadas contra a extração, previam ações fiscalizatórias dessas determinações reais. Contudo, os objetivos finais da Coroa portuguesa não eram a proteção ambiental. Mesmo sem uma finalidade conservacionista, as medidas tomadas pela Coroa portuguesa podem ter representado uma política ambiental eficaz (CASTRO, 2002). Nesse aspecto, se destacam as conservatórias, cuja área de abrangência permaneceu desocupada e pouco explorada por muitos anos. A preocupação com a conservação da natureza, desvinculada das finalidades utilitárias dos recursos naturais, se desenvolveu apenas a partir da Primeira República brasileira (FRANCO & DRUMMOND, 2004). A política ambiental desenvolveu-se ainda mais tardiamente.

A Constituição Federal de 1988 representa o marco contemporâneo das políticas ambientais direcionadas à Mata Atlântica, pois se refere a esse bioma como patrimônio nacional e limita a sua exploração “na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso de recursos naturais”. O Decreto n° 99.547, de 25 de setembro de 1990, reforçou o dispositivo da Constituição Federal, vedando a exploração da vegetação nativa no bioma. Em função da generalização dos termos desse decreto, associado à baixa capacidade institucional de fiscalização, a sua efetividade foi praticamente nula. Em 10 de fevereiro de 1993, após a mobilização de organizações civis, foi instituído o Decreto n° 750, que regulamentava as possibilidades de manejo e corte da vegetação nativa, protegia áreas em processo de regeneração natural e revogava o Decreto n° 99.547/1990.

O Decreto n° 750/1993 esteve vigente até o ano de 2008, apresentou resultados satisfatórios e desencadeou a instituição de normas mais específicas, como as resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que especificam os estágios sucessionais da Mata Atlântica por Unidade Federativa (UF), normas estaduais sobre o corte e exploração da vegetação nativa e a instituição da Câmara Técnica Temporária de Assuntos da Mata Atlântica no Conama.

A política ambiental da Mata Atlântica na década de 1990 foi marcada, ainda, pelo estabelecimento da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA), a partir de 1991. A RBMA abrange uma área de cerca de 350 mil km2 e 15 estados brasileiros. A RBMA foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas para Educação e a Cultura (Unesco) ao

189 longo de cinco fases, entre os anos de 1991 e 2002, e contou com a participação da sociedade civil.

O movimento ambientalista internacional ganhou força a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento em 1992 (Rio-92 ou Eco-92). Um dos resultados dessa conferência foi o acordo internacional da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB). Dentre os compromissos previstos pelos países signatários da CDB, destaca-se a conservação in situ e ex situ, com ênfase em “Regulamentar ou administrar recursos biológicos importantes para a conservação da diversidade biológica, dentro ou fora de áreas protegidas" (BRASIL, 1998, art. 8, c), entre outros. A partir disso, as políticas ambientais passaram a prever a ampliação no número de UC, bem como meios de garantir a integridade, implementação e sustentabilidade das UC, tanto de proteção integral como de uso sustentável. Em 2005, foram definidas metas de proteção, na ordem de pelo menos 20% da área original de cada Bioma. As UC de proteção integral deveriam abranger um mínimo de 4% dessas áreas até o ano de 2010.

Outro marco importante na conservação da Mata Atlântica foi a incorporação da categoria das reservas particulares do patrimônio natural (RPPN) ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), por meio da Lei n° 9.985, de 18 de julho de 2000. Apesar do caráter oficial das reservas privadas desde 1934, apenas com a instituição das RPPN essa categoria ganhou notoriedade e passou a envolver as propriedades particulares na conservação da Mata Atlântica.

Destacam-se, ainda, como os instrumentos legais mais recentes, a Lei nº 11.428, de 22 de dezembro de 2006 (Lei da Mata Atlântica), e o Decreto nº 6.660, de 21 de novembro de 2008, que regulamenta a utilização e proteção da vegetação nativa do bioma. A lei definiu os limites oficiais do bioma e a nomenclatura dos seus ecossistemas, e definiu normas para o enriquecimento ecológico da vegetação secundária, para o plantio e reflorestamento, e para a exploração da vegetação nativa (CÂMARA, 2005).

Outros marcos legais e regulatórios, projetos e ações ambientais que guardam alguma relação com a proteção da Mata Atlântica nordestina estão resumidos no Apêndice 5.

Apesar das numerosas iniciativas legais para proteger a Mata Atlântica, a sua cobertura de vegetação nativa decresce a cada ano, o que indica baixa eficácia das políticas adotadas. Essa situação é marcante especialmente no que se refere à Mata Atlântica nordestina, cujos percentuais de cobertura nativa são ainda menores. Se o Código Florestal fosse efetivo, pelo menos 20% da cobertura nativa estaria protegida no bioma.

Apenas na entrada da década de 1990, houve uma perspectiva de melhoria. Foi quando o movimento ambientalista nacional se fortificou, especialmente após a multiplicação de ONG atuantes defesa da Mata Atlântica. A partir de campanhas, e

190 articulação com agências financiadoras de projetos, as atenções se voltaram à conservação da Mata Atlântica. No caso da região de estudo, em 1994 a Sociedade Nordestina de Ecologia (SNE) divulgou os dados de desmatamento na região Nordeste, que alarmou a opinião pública em favor da proteção da Mata Atlântica. A partir disso, diversos programas e projetos correlatos foram desenvolvidos na Mata Atlântica nordestina, especialmente nos anos 2000, a exemplo do Projeto Vivendo a Mata Atlântica, do Programa de Desenvolvimento Sustentável da Zona da Mata, do Pacto da Mata Atlântica, entre outros.

No que se refere à Mata Atlântica nordestina, em 2004 foi proposta uma organização de entidades ambientalistas que centralizasse ações de proteção das florestas da região - o Pacto Murici. Para tanto, oito instituições se juntaram se reuniram no âmbito da Associação para a Proteção da Mata Atlântica do Nordeste (Amane), na tentativa de criar novos padrões de atuação das organizações ambientais na região: Birdlife International, Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste, Conservação Internacional, Fundação SOS Mata Atlântica, Instituto Amigos da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (IA-RBMA), a Sociedade Nordestina de Ecologia, The Nature Conservancy (TNC) e WWF-Brasil (AMANE, 2012). Com a atuação dessas instituições, as iniciativas particulares começaram a se destacar, especialmente com a criação de RPPN pelas usinas sucroalcooleiras. Além disso, a atuação dessas instituições incrementou o conhecimento da biodiversidade regional a partir do financiamento de pesquisas, levantamentos e diagnósticos ambientais das áreas remanescentes. Os remanescentes florestais são monitorados, ao longo dos anos, por projetos dessas instituições. Por fim, uma variedade de ações educativas e coercitivas tem sido executada, na tentativa de garantir um maior compromisso ambiental dos proprietários rurais e, especialmente, das usinas sucroalcooleiras. Obteve-se assim, uma maior aproximação dos gestores ambientais com os representantes do setor sucroalcooleiro. A partir dessa aliança foi iniciada a implantação de corredores de biodiversidade, de áreas protegidas e de consórcios de sistemas agroflorestais ou ecoturismo nas usinas (AMANE, 2012). Outras ações também já foram executadas, a exemplo de censos demográficos de complexos florestais, levantamento e monitoramento da avifauna, treinamento de viveiristas e oficinas de educação ambiental, bem como a implantação de um sistema de informações.

Algumas das entidades envolvidas no Pacto Murici são fundamentalmente formadas por pesquisadores e estudantes das instituições de ensino locais e atuam na disseminação de conhecimento, no âmbito da persuasão, na conscientização e na mudança comportamental, atendendo a um pressuposto das políticas informacionais.

No âmbito da política tradicional, diferentes instrumentos foram desenvolvidos pelo poder público visando regular o uso dos recursos naturais (DALLARI, 2003), situação na

191 qual, autoridades governamentais empenham o seu poder na intenção de garantir e amparar as mudanças comportamentais.

Os meios existentes para exercer influência sobre a sociedade em direção aos objetivos governamentais são diversos (BAUMOL & OATES, 1988; ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 1992). Inicialmente categorizados numa dicotomia de instrumentos políticos mais ou menos coercitivos (BRIGHAM & BROWN, 1980; LINDER & PETERS, 1989), esses meios passaram, na década de 1970, a ser analisados sob três abordagens. Isso ocorreu graças à contribuição de Etizioni (1975) e à sua abordagem estruturalista, que diferenciou as relações em: coercitivas (regulatórias), remunerativas (econômicas) e voluntárias (persuasivos).

Os instrumentos econômicos têm aplicação diversificada e promissora (BEKELE & STEIN, 2000). São, das categorias mencionadas, o recurso menos utilizado na política ambiental. A sua adoção ou aplicação depende do comportamento voluntário. São consideradas mais suscetíveis ao sucesso do que a abordagem coercitiva ou regulatória (PANAYOTOU, 1993). Os instrumentos regulatórios, de comando e controle são a maneira mais tradicional de se aplicar a política ambiental (BEMELMANS-VIDEC et al., 1998; MERICO, 2001). Envolvem basicamente a aplicação da legislação ambiental e a fiscalização ou controle das atividades humanas. Essa abordagem demanda a criação de instrumentos legais, instituições bem estruturadas para o licenciamento ambiental, a fiscalização e o controle das atividades poluidoras, entre outros arcabouços (STERNER, 2003). Por fim, os mecanismos persuasivos ou voluntários, os sermões, são considerados os mais eficientes em longo prazo, pois envolvem uma mudança de comportamento, promovendo a transformação social. Consistem em ações educativas, de conscientização, ou puramente informativas, que transformam a sociedade em parceira para a conservação ambiental (MONKKONEN et al., 2008).

Por vezes, a combinação de cada uma das abordagens é desejável e recomendada, senão necessária para o sucesso da gestão ambiental. Políticas públicas para o uso sustentável da paisagem remetem, com frequência, à necessidade de se incluir abordagens regulatórias, econômicas e voluntárias (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO- OPERATION AND DEVELOPMENT, 1992).

A estratégia de proteção ambiental para a Mata Atlântica nordestina deve considerar minimamente quatro fatores: i) a urgência devido à elevada criticidade da devastação; ii) a presença de 93% dos remanescentes em áreas particulares; iii) a baixa governança ambiental da região; e iv) a sociedade relacional. Dessa forma, é preciso levar em consideração que, para a execução de uma política ambiental que vise a recomposição florestal, há necessidade de intervenção em áreas particulares, especialmente em usinas

192 sucroalcooleiras, onde está a maior parte dos fragmentos florestais. As características dessa parcela da sociedade também vão influenciar diretamente nas respostas às políticas adotadas. Ao considerar que os valores aristocráticos e patriarcais ainda dão um caráter fortemente relacional à sociedade sucroalcooleira, predominante na região, os instumentos políticos devem estar conectados às práticas sociais, para que sejam devidamente acatados (DAMATTA, 1986).

Na sociedade relacional, os requisitos do domínio racional-legal, ou seja, os elementos que conferem racionalidade e legitimidade à dominação burocrática, como a igualdade perante a lei, a universalidade na aplicação da norma e o princípio da isonomia, estão sujeitos à hierarquização social que distingue "indivíduos" de "pessoas" e posiciona seus membros de acordo com o peso de seus relacionamentos. (COSTA, F. L., 2009, p. 166). Nesse contexto, o sucesso de uma política governamental depende, em parte, da influência ou capacidade do gestor de se articular com atores intervenientes, mudando os seus pontos de vista e comportamentos. Os mecanismos de comando e controle ficam enfraquecidos numa sociedade marcadamente relacional. A capacidade institucional dos órgãos ambientais da região e o seu arcabouço legal ainda carecem de maior estrutura para a efetivação de políticas de comando e controle. Para tanto, é necessário ampliar a capacidade operacional desses órgãos para se fazer cumprir a legislação ambiental.

No Brasil, a principal estratégia adotada para a conservação da biodiversidade tem sido a criação de UC, um mecanismo regulatório que exclui as atividades humanas de uma região delimitada ou as tornam compatíveis com os objetivos de conservação. Mesmo que essa política tenha favorecido a conservação de uma parte relevante, entre 10 e 20% de outros biomas, ela não se mostrou eficaz na Mata Atlântica nordestina. Isso ocorreu, muito provavelmente, devido à fragilidade desse mecanismo regulatório na sociedade relacional nordestina.

A estrutura socioeconômica decorrente da cultura canavieira representa um modelo pioneiro de relações de poder e trabalho estabelecido no Brasil desde sua fase de colonização. Se no Centro-Sul, outras atividades econômicas emergiram e remodelaram a estrutura socioeconômica regional, na Zona da Mata nordestina a cana de açúcar persistiu, com seu modo produtivo característico. A cana ainda é o produto agrícola predominante (BURSZTYN, 2008) e os abusos de poder são especialmente perceptíveis nos vazios institucionais da zona canavieira (MIRANDA, C. et al., 1999). Leis ou regras aplicadas no Centro-Sul não funcionavam da mesma forma na zona canavieira nordestina e vice-versa (CAETANO, 2009). Aliado a isso, o "senhor de terras", a cultura patriarcalista e autoritária, o paternalismo estatal e as relações sociais inerentes ao modelo produtivo canavieiro estão presentes até os dias atuais, pois o "habitat econômico tradicional do coronel resistiu

193 bravamente ao processo de modernização nas relações de trabalho" (VILAÇA & ALBUQUERQUE, 2006, p. 53). Embora a influência da açucarocracia nordestina sobre a economia e política tenha declinado no cenário nacional a partir do século XIX, ela persistiu em grande parte no âmbito regional (DIEGUES JR, 1972). Até o século XX, o mandonismo e o autoritarismo inerentes da cultura patriarcalista ainda exerceram seus efeitos sobre a governança pública (COSTA, F. L., 2009; NÓBREGA, M. F., 2011), inclusive sobre as questões ambientais (FREYRE, 2006 [1933]).

Para Furtado (2001), o patriarcalismo "resultou do cruzamento da grande propriedade territorial, imposta pelas condições de vida no trópico, com o regime de iniciativa privada com que Portugal procurou colonizar o Brasil" (FURTADO, 2001, p. 130). Foi no panorama da monocultura canavieira que as relações de poder e trabalho se estabeleceram e desenvolveram, centralizadas nos engenhos e nos seus senhores. Essas relações eram marcadamente pessoais e baseadas no sistema relacional do patriarcalismo e nas relações de afetividade e parentesco centralizadas em certos indivíduos. O patriarcalismo foi reforçado ainda pelas características da colonização, fundamentada na iniciativa privada, e pelas condições do espaço ocupado, que faziam com que os engenhos se assemelhassem a pequenos Estados independentes e isolados, governados por um indivíduo soberano e de poderes ilimitados - o senhor de engenho. As relações estabelecidas são parte da história dos colonizadores e colonizados. Elas são responsáveis por grande parte das expressões afetivas e simbólicas da sociedade atual (BOSI, 1992), nas quais as relações entre as pessoas representam "mais que mero resultado de ações, desejos e encontros individuais" (DAMATTA, 1986), e sim, um capital privado que atribui poderes aos antigos chefes patriarcas ou aos seus sucessores modernos.

Os desdobramentos comportamentais de uma sociedade relacional se arraigaram inexoravelmente nas tradicionais famílias de senhores de engenhos da Mata Atlântica nordestina. Invariavelmene a rede de relações alcança a esfera pública e favorece interesses particulares.

O fenômeno mandonista se esmaeceu com o passar do tempo, mas não findou com evolução dos modos produtivos, especialmente porque os novos usineiros dos séculos XX e XXI geralmente pertencem a tradicionais famílias dos engenhos. As redes relacionais se propagaram hereditariamente. Alguns engenhos coloniais, como o Camaratuba, na Paraíba, permanecem na mesma família há mais de quatro séculos (PORTO, W. M., 2005). Assim, a velha aristocracia açucareira, dada como decadente a partir do século XIX, ainda mantém forte presença na sociedade contemporânea, e alguns usineiros representam uma forma moderna e reestilizada do antigo senhor de engenho. Diversas usinas atuais são dirigidas por representantes de famílias açucareiras tradicionais.

194 Do passado, ficou a tradição familiar. No comando das 80 maiores entre as mais de 300 usinas do país, encontram-se vários representantes de famílias tradicionais em diferentes estados do país (LÚCIO et al., 2007).

Na correria para colocar o grupo com dez mil funcionários para funcionar, Queiroz Bisneto cruza os céus do Brasil em um Citation 500 I. O expediente não é uma novidade. Nos anos 50, o velho José Pessoa deixava Recife em um avião Beechcraft em direção às usinas. Nem tanta coisa mudou assim na vida dessa família de usineiros. (STEFANO, 2007).

O estamento social formado pelos antigos senhores de engenho, para conduzir a economia e decidir sobre os rumos da coletividade, permaneceu residualmente na sociedade nordestina. Afinal "esta consideração social apura, filtra e sublima um modo ou estilo de vida; reconhece, como próprias, certas maneiras de educação e projeta prestígio sobre a pessoa que a ele pertence; não raro hereditariamente" (FAORO, 2001, p. 59). A influência social exercida pelo usineiro sobre a política e a administração pública ainda existe, não só pela rede de relações, mas também porque a maior parte dos políticos e estadistas regionais têm origens rurais ou são ligados à moderna aristocracia açucareira (DIEGUES JR, 1957). Com isso, as leis e normas são personificadas para os interesses particulares, pois "o patriarcalismo aguça o individualismo e privativismo das famílias e enfraquece o desejo de solidariedade" (FREYRE, 2006 [1936], p. 148).

Somado a isso, um anêmico arcabouço institucional, enfraquecido pelo paternalismo estatal e suas medidas intervencionistas, contribuiu para a consolidação de um cenário ideal para a manifestação do mandonismo e, em nível local, do coronelismo. A modernização capitalista-industrial da cultura canavieira ocorreu de forma politicamente orientada, com intervenção estatal, gradativamente burocratizada e monopolista, nos moldes dirigidos pela política do IAA a partir da década de 1930 (FAORO, 2001). Assim expandiram-se os privilégios e concessões àqueles com maiores teias relacionais e formou-se um cenário de autonomias irrestritas que se propagou historicamente. No momento em que a questão ambientalista emergia, no final do século XX, qualquer nova ideologia que perturbasse o domínio patriarcal sobre a sociedade e a natureza era rechaçada.

Numa sociedade relacional, o arcabouço jurídico é suplantado pelo poder político e o direito racional sucumbe perante o personalismo e a desigualdade de valores. Os princípios da universalidade das leis e normas empalidecem perante os mecanismos de personificação mandonista, já que as relações entre os sistemas de comando e controle e as pessoas se tornam desiguais.

por termos leis geralmente drásticas e impossíveis de serem rigorosamente acatadas, acabamos por não cumprir a lei. E, assim sendo, utilizamos o clássico "jeitinho" que nada mais é do que uma variante cordial do "Você sabe com quem está falando?" e outras formas mais autoritárias que

195 facilitam e permitem burlar a lei ou nela abrir uma honrosa exceção que a confirma socialmente. (DAMATTA, 1983, p. 184).

Por mais que exista um conjunto de políticas ambientais para a Mata Atlântica nordestina, ainda persiste uma grande discrepância entre a prescrição legal e o comportamento esperado. Nessa região, os "agricultores entendem o sentido da legislação ambiental, embora ainda não tenham incorporado em suas práticas, seja pela questão cultural ou pela falta de interesse" (SILVA, R. V. et al., 2011, p. 4). Nesse sentido, por mais que a legislação ambiental seja conhecida pelos proprietários rurais, ela foi descumprida propositadamente.

Com 40 anos de atraso, uma lei federal que determina a proteção da floresta no entorno de nascentes, rios e reservatórios está sendo cumprida por usinas de cana-de-açúcar de Pernambuco, que detêm mais de 90% do que resta da Mata Atlântica no Estado. Não que os proprietários rurais só agora ficaram sabendo do Código Florestal, de 1965. A lei é velha conhecida, tanto de ambientalistas quanto de usineiros, que historicamente destruíram a floresta atlântica. (FALCÃO, 2007, p.1).

Em 1911, o lançamento de resíduos na água dos rios foi proibido, e ainda assim o lançamento de vinhoto diretamente nos rios era muito comum até o final do século XX. Dessa forma, políticas públicas desenhadas a partir de instrumentos majoritariamente regulatórios - de comando e controle - mostram-se inócuas no universo personalista de uma sociedade relacional, pois impera a sensação de impunidade (BARBOSA, L. N. H. & DRUMMOND, 1994).

[...] o personalismo não pode ser superado por projetos de reforma ou novas leis universalistas. As reformas e as políticas públicas podem atenuar seus efeitos hierarquizantes e discriminatórios e tirar proveito da valorização positiva que lhe é conferida para estabelecer relações menos frias e distantes entre burocratas e usuários de serviços públicos. (COSTA, F. L., 2009, p. 10).

A estrutura social e relacional caracterizada para a Mata Atlântica nordestina pode esclarecer, assim, a dificuldade da atuação estatal na implementação de políticas públicas, especialmente as tradicionais políticas regulatórias, já que os sistemas de fiscalização e sanções associados são frequentemente contornados. Isso demonstra a fragilidade dos mecanismos de comando e controle numa sociedade relacional, especialmente quando a governança ambiental não conta com instituições fortalecidas, conforme observou Saint- Hillaire (1974) ainda no século XIX:

O tapinhuáu é outra madeira da qual se servem para fazer pipas; na verdade o governo, querendo reservá-la para a construção naval, proibiu sua exploração; mas, ninguém liga importância a uma proibição de que a

196 administração não tem meios de fazer respeitada [...]. (SAINT-HILLAIRE, 1974 [1833], p. 399).

Mesmo que essa observação tenha ocorrido há quase dois séculos, o pensamento descrito persiste nos dias atuais (SOFFIATTI NETTO, 2011).

Outro aspecto que influencia o cumprimento da legislação ambiental é o bem-estar