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Segundo o pesquisador e ex-secretário de cultura do estado da Bahia, Albino Rubim (2007, p. 1), “[...] a história das políticas públicas no Brasil são traduzidas em três tristes tradições. Elas podem ser emblematicamente sintetizadas em três palavras: ausência, autoritarismo e instabilidade.”

Numa rápida análise do Brasil Colônia, observa-se o obscurantismo do colonialismo português, que é traduzido no “[...] menosprezo e [n]a perseguição das culturas indígenas e africanas; [n]a proibição de instalação de imprensas; [n]o controle da circulação de livros; [n]as limitações da educação; [n]a inexistência de ensino superior e universidades” (RUBIM, 2003, p. 1-2). Mesmo com a mudança política que trouxe a Independência do Brasil, não houve uma mudança de atitude com relação à cultura, sempre tratada como privilégio de uma sociedade altamente excludente. Apesar de Dom Pedro II ser simpático à causa, sendo mecenas de alguns artistas, além de inaugurar institutos históricos e geográficos, a rigor, não houve um efetivo desenvolvimento de uma nova postura do Estado brasileiro em relação à

cultura. Similarmente, segundo Rubim (2007, p. 2), “[...] a República também continuou com a tradição de ausência do Império”.

O período de 1945 a 1964, marcado por anos “democráticos” e de grande desenvolvimento da cultura, não teve uma atuação estatal significativa. Em 1953 houve a criação do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) e a inclusão da cultura no Ministério da Educação, doravante denominado Ministério de Educação e Cultura.

Nos períodos mais autoritários do Estado Novo (1937-1945) e dos militares (1964- 1985), apesar da censura, repressão e todas as questões inerentes a qualquer regime autoritário, houve a adoção de políticas mais ativas, onde o sistema cultural

[...] visava instrumentalizar a cultura [...] usá-la como fator de legitimação das ditaduras e, por vezes, como meio para a conformação de um imaginário de brasilidade e nacionalismo. Esta maior atenção significou, por conseguinte, enormes riscos para a cultura e para a democracia. Mas, de modo paradoxal, esta “valorização” também acabou criando uma certa dinâmica cultural. (RUBIM, 2003, p. 4)

Em plena ditadura do Estado Novo, governo Getúlio Vargas, Gustavo Capanema (1934-1945) é o ministro da Educação e Saúde e traz um novo olhar para as políticas culturais do Brasil, acolhendo personalidades proeminentes da cultura na época, a exemplo do arquiteto Oscar Niemeyer, do pintor Candido Portinari e do poeta Carlos Drummond de Andrade, seu Chefe de Gabinete. Muitas iniciativas são concretizadas para sistematização da área cultural com a criação de legislações específicas, além da instalação de vários organismos como: Superintendência de Educação Musical e Artística, Instituto Nacional de Cinema Educativo (1936), Serviço de Radiodifusão Educativa (1936), Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1937), Serviço Nacional de Teatro (1937), Instituto Nacional do Livro (1937) e Conselho Nacional de Cultura (1938).

Importante o registro da passagem de Mário de Andrade pelo Departamento de Cultura da Prefeitura da cidade de São Paulo (1935-1938), que conseguiu inovar à frente de uma secretaria municipal, criando novos paradigmas ao estabelecer reais políticas culturais.

De 1964 até 1968, a ditadura de regime militar investiu no desenvolvimento das indústrias culturais, dotando o país de “[...] toda infraestrutura sócio-tecnológica imprescindível à cultura midiatizada” (RUBIM, 2007, p. 20). Surgem legislações e instituições culturais como o Conselho Cultural de Cinema (1966), a Empresa Brasileira de Filmes – Embrafilme (1969), a Fundação Nacional das Artes - Funarte (1975), a Radiobrás (1976), entre outras. Nessa fase de plena ditadura militar, em 1975 é formulado o esboço do

primeiro Plano Nacional de Cultura, reforçando a tese de Rubim (2007, p. 20) de que “[...] somente nos períodos autoritários o Brasil conheceu políticas culturais mais sistemáticas”.

Contudo, o autoritarismo e o elitismo estão entranhados na sociedade brasileira não apenas nas fases de regimes ditatoriais, notadamente as “[...] concepções elitistas daquilo que é definido e aceito como culturas subjacentes à maioria das políticas culturais empreendidas” (RUBIM, 2007, p. 22). Como exemplo, o Iphan, criado em 1937, internacionalmente reconhecido e com significativa atuação no Brasil, durante muito tempo apenas reconheceu e “[...] privilegiou a cultura: monumental, ocidental, branca e católica. Somente palácios, igrejas e fortes foram objeto de tombamento e preservação” (RUBIM, 2007, p. 6). A cultura afro-brasileira entra na pauta com a criação da Fundação Palmares, em 1988, resultado da força do movimento negro organizado.

Citando mais uma vez Rubim (2007, p. 35): “[...] a conjugação de ausência e autoritarismo produz instabilidade, a terceira triste tradição inscrita nas políticas culturais nacionais.”. A instabilidade, a fragilidade e a impermanência das políticas culturais são tão marcantes que instituições são desmontadas, outras são fechadas.

Em 1930, a cultura estava albergada no Ministério de Educação e Saúde e, 23 anos depois, ela foi integrada ao Ministério de Educação e Cultura (MEC). Apenas em 1985, com o fim da ditadura, é implantado o Ministério da Cultura (MinC), de forma autônoma, no governo José Sarney. No mesmo decreto, a Funarte foi transferida do MEC para o MinC. Sarney implanta ainda outros órgãos, como: Secretaria de Apoio à Produção Cultural (1986), Fundação Nacional Pró-Leitura (1987) e Fundação Palmares (1988). Também nesse governo foi criada a Lei Sarney, a primeira lei brasileira de incentivos fiscais para financiamento de projetos de cultura. Com esse dispositivo, apesar do dinheiro ser proveniente do mecanismo de renúncia fiscal, o Estado estimula que sejam buscados no mercado e, claro, este ganha poder de decisão.

Infelizmente, a instabilidade na área da cultura é tão arraigada que o MinC, criado no governo de José Sarney (1985-1989), cinco anos depois foi reduzido a uma secretaria pelo então presidente Fernando Collor de Melo (1990-1992) e novamente recriado por Itamar Franco (1992-1994). Assim, o país contabilizou dez dirigentes de cultura em um curto período de 1985 a 1993, período considerado de transição e de construção da democracia. É evidente que a curtíssima permanência de um dirigente se traduz em grave instabilidade institucional, entre outras problemáticas.

A Lei Sarney é extinta no governo Collor. “É criada a Lei Rouanet, ainda vigente, após passar por duas reformas (nos governos FHC e Lula), são criadas ainda a Lei do

Audiovisual e, posteriormente, as leis estaduais e municipais que incidem sobre impostos como ICMS, ISS e IPTU.” (PORTO, 2007, p. 161). As fragilidades institucionais no governo neoliberal de Collor atingem um ápice com a redução do Ministério à uma secretaria e, também, com a extinção de vários órgãos como Fundação Nacional de Artes (Funarte), Empresa Brasileira de Filmes S/A (Embrafilme), Fundação Nacional Pró-Memória (Pró- Memória), Conselho Nacional de Cinema (Concine), Fundação Nacional de Artes Cênicas (Fundacen).

Apesar dos avanços políticos que marcaram as décadas seguintes, a cultura caracterizou-se apenas por uma política de incentivos fiscais. Segundo Marta Porto (2007, p. 160):

[...] uma área de disputa de privilégios, personificados nos limites reivindicados para a isenção fiscal dos diversos setores artísticos, pelo lobby de aprovação dos tetos permitidos nas comissões de cultura e, naturalmente, pelas verbas publicitárias e de marketing das grandes empresas brasileiras, em especial e paradoxalmente das estatais.

Essa política atrai novos agentes para a cena: os departamentos de marketing e comunicação das empresas e as grandes fundações privadas, algumas ligadas a setores bancários, multinacionais na área de telecomunicação ou grandes conglomerados. Nesse momento, percebe-se quão distante fica a “[...] cultura como via de desenvolvimento ou instrumento para a democracia” (PORTO, 2007, p. 161).

Fernando Henrique Cardoso (FHC) esteve na presidência em dois mandatos (1994- 1997 e 1998-2002). Esse governo teve um único ministro da cultura, Francisco Weffort, cuja atuação prioritária esteve voltada para desentravar e ampliar o funcionamento das leis de incentivo no país. Não por acaso a cartilha Cultura é um Bom Negócio se tornou um documento emblemático da atuação desse governo no campo da cultura. Essa postura do Ministério reafirmou a ausência do Estado nas conduções das políticas culturais e, conforme ressalta Rubim (2007, p. 25), “[...] as leis de incentivo – agora designadas como Rouanet e do Audiovisual – assumem o lugar das políticas estatais (CASTELLO, 2002) e o mercado toma o papel do Estado”. Esse esvaziamento do poder decisório do Estado no governo FHC vem confirmar a dificuldade da democracia no Brasil em lidar na área da cultura. O ministro Weffort permanece por oito anos no Ministério da Cultura, contudo o recurso destinado à cultura de 0,14% do orçamento nacional demonstra a pouca importância do Ministério e a falta de uma efetiva política cultural.

De forma sucinta, o resultado de uma reflexão crítica em relação ao mecanismo das leis fiscais, e às distorções geradas, demonstra que o poder das decisões está na iniciativa privada, claramente privilegiando as elites, embora os recursos sejam públicos. Os projetos amadores e de vanguarda são preteridos e os projetos mais midiáticos se concretizam, uma vez que no financiamento da cultura por este mecanismo são os mais capazes de alavancar recursos privados. Notadamente a maior concentração dos apoios se dá na região Sudeste e sem real preocupação de expressão ou identidade regionais.

O governo Lula traz nova luz ao segmento cultural, apesar dos inúmeros desafios iniciais face a um contexto de

relações históricas entre autoritarismo e intervenções do estado da cultura; fragilidade institucional; políticas de financiamento da cultura distorcidas pelos parcos recursos orçamentários e pela lógica das leis de incentivo; centralização do ministério em determinadas áreas culturais e regiões do país; concentração dos recursos utilizados; incapacidade de elaboração de políticas culturais em momentos democráticos etc. (RUBIM, 2007, p. 29).

Além de investir e disseminar uma compreensão expandida e contemporânea de cultura, a gestão do artista Gilberto Gil (2003-2008) a frente do MinC reviu o papel do Estado e defendeu a ideia de que “[...] formular políticas públicas para a cultura é, também, produzir cultura.” (GIL, 2003).

Gil realizou grandes avanços ao colocar a cultura dentro da agenda política do governo, dando início a um processo de reorganização e valorização do papel do Estado. As principais transformações na atuação desse Ministério dizem respeito ao papel ativo do Estado nas políticas culturais e, no seu bojo, trazem à tona discussões sobre a participação da sociedade, a divisão de responsabilidade com outros níveis de governo, as organizações sociais e a sociedade.

No campo da cultura, o governo Lula foi um divisor de águas, desenvolvendo as políticas culturais de uma forma mais democrática, destacando-se pela construção do Plano Nacional de Cultura (aprovado em 2010) com vigência de dez anos e pela criação do Sistema Nacional de Cultura (2012), além da implantação de vários programas, entre outros: o Revelando Brasis, o Doc-TV, o Cultura Viva, conhecido sobretudo pelo projeto Pontos de Cultura, que deu capilaridade às ações do MinC financiando diferentes polos de criação e produção cultural.

Durante a gestão de Gil, o sociólogo Juca Ferreira assumiu o cargo de secretário executivo do Ministério da Cultura. Em 2008, com a saída de Gil, Juca passa a ser o ministro da cultura do presidente Lula (2008-2010), dando continuidade aos projetos iniciados.

Na sua primeira gestão à frente do Ministério da Cultura, Ferreira trabalhou na construção de importantes projetos de lei, como o do Vale-Cultura e do Pró- Cultura, na modernização do direito autoral e principalmente na consolidação do Programa Cultura Viva, que busca fomentar atividades culturais já existentes por meio dos Pontos de Cultura e das manifestações culturais da diversidade brasileira. (BRASIL, 2014)

Na análise de Rubim, os projetos culturais dos governos FHC e Lula são bem distintos. No primeiro nota-se que as “[...] políticas culturais do estado nacional são deprimidas e a cultura é regulada prioritariamente pelo mercado” e no governo Lula há a construção de políticas culturais públicas, com incentivo ao diálogo entre estado e sociedade, “visando preservar e promover a diversidade cultural brasileira”.

No primeiro governo da presidenta Dilma Roussef (2011-2014), após uma rápida e polêmica passagem de Ana de Hollanda (2011-2012), assume o MinC a senadora licenciada, ex-prefeita de São Paulo, ex-deputada federal e ex-ministra do turismo, Marta Suplicy (2012- 2014). Desse período destaca-se a implantação do Vale Cultura, um dos primeiros programas voltado para estimular o consumo cultural.

Juca Ferreira assume o MinC no segundo governo da presidente Dilma Roussef (2015- 2016). No seu discurso de posse, reafirmou a intenção em consolidar os projetos que começou em sua primeira gestão e comprometeu-se a enfrentar fragilidades não resolvidas anteriormente, como o aprimoramento do sistema de financiamento da cultura, a revitalização da Funarte, além do planejamento do MinC para criar condições de realização de sua missão institucional, qualificando e modernizando a gestão.