2 O ENSINO MÉDIO BRASILEIRO E AS PRINCIPAIS POLÍTICAS DE
2.2 POLÍTICAS DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DA
2.2.2 Políticas de Formação Continuada de Professores no âmbito do governo
O interesse pela formação continuada dos professores tem crescido ao
longo dos últimos doze anos (2003 a 2014). Esse crescimento relaciona-se com o
entendimento de que a formação de docentes também pode ser um dos indicativos
da qualidade do Ensino Médio brasileiro, a partir das regulamentações e
normatizações trazidas pela Lei n. 9.394/96, que estabeleceu as Diretrizes e Bases
da Educação Nacional. A LDB passou a oferecer garantias legais e as
responsabilidades foram redistribuídas entre os entes federados para viabilizar a
realização de programas de formação inicial, continuada e a capacitação dos
profissionais de magistério. (BRASIL, 1996, art. 62, §1º).
Nesse sentido, para assegurar a universalização de uma educação de
qualidade social aos estudantes da escola média, o governo federal tem
desenvolvido no decorrer dos anos 2000 várias ações tentando suprir a carência por
uma formação inicial e continuada, como determina a legislação educacional. Para
Gatti (2008), foi creditada aos programas de formação continuada a função de serem
capazes de resolver os problemas da formação inicial dos professores e os reflexos
negativos na qualidade social do ensino.
Além de a LDB prever, no inciso I, §2º, do art. 39 e no art. 62, a formação
dos professores, o PNE 2001-2011 também passou a exigir a elevação da formação
docente, prevendo a formação continuada enquanto trabalham. Dentre as 28 metas
estabelecidas pelo Plano para os professores da Educação Básica, destacamos as
metas 3 e 12. Enquanto a meta 3 destinava entre 20 e 25% da carga horária do
docente para a preparação de aulas e demais atividades pedagógicas, a meta 12,
que foi efetivada pelo §4, do art 2º, da Lei do Piso Nacional n. 11.738/08, previa a
ampliação de programas de formação, em regime de colaboração.
Mediante a relevância dessas duas metas, o PNE 2001-2011 retratava a
formação dos professores da escola básica
31
, mostrando que no início dos anos
31
Plano Nacional de Educação de 2001-2011, no seu capítulo IV, destinado ao Magistério da
Educação Básica, no item 10.2 sobre as diretrizes da Formação dos Professores e Valorização do
Magistério, destaca que “A qualificação do pessoal docente se apresenta hoje com um dos maiores
desafios para o Plano Nacional de educação [...]. A implementação de políticas públicas de
formação inicial e continuada dos profissionais da educação é uma condição e um meio para o
avanço científico e tecnológico em nossa sociedade, portanto, para o desenvolvimento do país. [...]
Este Plano, portanto, deverá dar especial atenção à formação permanente [em serviço] dos
profissionais da educação. [...] A formação continuada dos profissionais da educação pública deverá
2000, o Brasil tinha quase 13% dos docentes com Ensino Fundamental completo ou
incompleto, 66% com formação média e apenas 20% com ensino superior. Em
outras palavras, esses percentuais mostram um cenário pouco animador com
relação à formação dos professores da Educação Básica.
Inicialmente, para atingir a meta colocada pelo PNE 2001-2011 quanto à
formação docente, o governo federal passou a desenvolver no início dos anos 2000
ações de formação inicial e continuada. Em 2003, foi criado o Sistema Nacional de
Certificação e Formação Continuada de Professores, pela Portaria n. 1.403/03,
buscando incentivar e apoiar a formação continuada em parceria com os entes
federados e a Rede Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação.
Segundo Scheibe (2003), esta política tinha como foco a formação e a
profissionalização do professor vinculado à avaliação baseada na certificação de
competências. Ela foi vista por alguns educadores com reservas, entendendo que
ela poderia gerar “um clima de individualização de responsabilidade sobre cada
professor, acirrando a competitividade na escola”. (SCHEIBE, 2003, p. 10).
Nesta mesma direção, Freitas (2003, p. 114) destaca que esta política
“contribuirá [...] para instalar uma concepção de trabalho docente de caráter
meritocrático
32
, para instalar/acirrar o clima de ranqueamento e competitividade.”
Diante das manifestações contrárias ao Sistema Nacional de Certificação, o
MEC recuou e manteve apenas a Rede Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento da
Educação, composta pelos Centros de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação,
que futuramente se transformaria numa Política Nacional de Formação. Dentre os
objetivos desta Rede, destacam-se o de ser responsável pela elaboração de
programas de formação continuada para os professores e pela articulação entre as
instituições formadoras e a socialização dos conhecimentos construídos sobre
educação junto aos professores.
De acordo com Santos (2009), a Rede Nacional de Pesquisa e
Desenvolvimento da Educação trouxe um novo conceito de formação docente, na
ser garantida pelas secretarias estaduais e municipais de educação, cuja atuação incluirá a
coordenação, o financiamento e a manutenção dos programas como ação permanente e a busca de
parcerias com universidades e instituições de ensino superior”. (BRASIL, 2001b, p. 47).
32
Na educação, a Meritocracia significa uma gradativa responsabilização do professor, da escola e
dos estudantes pelos resultados obtidos, a partir das metas estabelecidas pelo gestor (a Secretaria
da Educação, por exemplo) e que devem ser alcançadas. Ao adotar a política de méritos, o Estado
deixa de tratar a Educação como um direito público e torna-se um gerenciador de indicadores
externos de qualidade, como é o caso do IDEB. E o estudante deixa der ser considerado um sujeito
de direitos, como defende a CF de 1988 e a LDB de 1996, e passa a ser tratado como consumidor.
Disponível em: <http://goo.gl/yQmmLQ>. Acesso em: 20 mar. 2015.
medida em que avançou na institucionalização da formação continuada, por meio
dos Centros de Pesquisas centrados nas IES públicas e na construção de uma
formação continuada que valoriza o desenvolvimento de práticas investigativas e
reflexivas sobre a prática profissional, tendo o próprio local de trabalho como um
espaço de formação e qualificação. Em outras palavras, podemos dizer que, ao
valorizar os trabalhos que os professores desenvolviam no seu cotidiano, a Rede
contribuía para a qualificação da prática pedagógica.
Ao buscar avançar no desenvolvimento de políticas de formação docente,
em 2006, foi criado o Sistema Universidade Aberta do Brasil
33
, pelo Decreto n.
5.800/06, com o objetivo de promover a formação inicial e continuada para
professores que atuam na Educação Básica dos estados, municípios e Distrito
Federal, na modalidade de Educação à Distância.
Esse sistema é pactuado por meio da cooperação entre a UAB, os entes
federados e as IES públicas, e coordenado pela Diretoria de Educação à Distância
(DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes),
que oferecem cursos não presenciais de nível superior, pela Plataforma Freire
34
.
Pelos registros históricos constantes no sítio da UAB, de 2007 a julho de 2009,
foram instalados 557 polos de apoio presencial com 187.154 vagas ofertadas. Em
agosto de 2009, foi ampliado para 720 polos, tentando assim equacionar a demanda
e a oferta de formação de professores na rede pública da Educação Básica. Já em
2010, a previsão era de aumentar para 920 o número de polos e criar 127.633
vagas.
Além de coordenar os cursos oferecidos pela UAB, a Capes também ficou
responsável pelo Programa de Consolidação das Licenciaturas (Prodocência) que foi
desenvolvido em 2006. Programa este que objetiva contribuir para a elevação da
qualidade dos cursos de formação dos professores da Educação Básica, além de
fomentar novas estratégias de desenvolvimento e modernização do ensino no Brasil,
de dinamizar os cursos de licenciatura oferecidos pelas IES públicas, de oferecer
33O UAB trata-se de uma política pública de articulação entre a Secretaria de Educação a Distância
do MEC (SEED/MEC) e a Diretoria de Educação a Distância (DED/CAPES), visando à expansão da
educação superior no Brasil. Porém, os primeiros cursos oferecidos no âmbito do Sistema UAB
resultaram na publicação de editais, sendo que o primeiro foi editado em 20 de dezembro de 2005,
quando as propostas de cursos foram apresentadas exclusivamente por instituições federais de
ensino superior e os polos presenciais foram apresentados por estados e municípios. Disponível
em: <http://goo.gl/LC0WMG>. Acesso em: 2 fev. 2015.
34
A Plataforma Freire é um Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) criado pelo MEC/CAPES para
cadastro de professores e a realização das pré-inscrições nos cursos que são oferecidos pelo UAB
e pelo Parfor.
formação acadêmica, científica e técnica aos docentes e de apoiar a implementação
das diretrizes curriculares da formação de professores da Educação Básica.
O Prodocência também apoia projetos de caráter institucional, de IES
públicas que possuem cursos de licenciaturas autorizados e em pleno
funcionamento. Em 2010, os projetos de maior destaque estavam relacionados à
maior integração entre as licenciaturas e entre as disciplinas; a inserção e inovação
nos conteúdos curriculares por meio do desenvolvimento de projetos em disciplinas;
a formação dos novos professores com maior articulação entre teoria e prática e
entre as IES e Educação Básica; ao desenvolvimento de metodologias inovadoras
para as IES com foco no enfrentamento dos problemas da Educação Básica, além
de estimular a pesquisa como princípio formativo para os futuros docentes.
Como já antecipamos, a Rede de 2003 se transformaria anos mais tarde na
Política Nacional de Formação. Sob o argumento de que um dos principais pontos
do Plano de Desenvolvimento da Educação
35
(PDE nacional) “é a formação de
professores e a valorização dos profissionais da educação” (BRASIL, 2007, p. 15),
em 2009, o governo federal criou a Política Nacional de Formação de Profissionais
do Magistério da Educação Básica (Parfor), pelo Decreto n. 6.755/09, “com a
finalidade de organizar, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, a formação inicial e continuada dos profissionais do
magistério para as redes públicas da educação básica.” (BRASIL, 2009a, p. 1).
A formação do Parfor é oferecida na modalidade presencial e à distância. Na
modalidade presencial, são oferecidas aos professores em exercício na rede pública
da Educação Básica três opções de formação inicial: a primeira, licenciatura para
professores que ainda não tenham curso superior; a segunda, licenciatura para
professores que atuem numa disciplina distinta da formação inicial e a terceira,
formação pedagógica para professores que são graduados, porém não licenciados.
Ao atacar as três frentes do processo de formação, o programa passa a induzir e
fomentar a oferta de educação superior, gratuita e de qualidade para os professores
35Segundo Saviani (2007, p. 1233), o PDE nacional foi promulgado pelo Decreto n. 6.094/07,
dispondo sobre o “Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação”. Segundo o autor, este é o
carro-chefe do Plano. No entanto, a composição global do PDE agregou outras 29 ações do MEC. Na
verdade, o denominado PDE aparece como um grande guarda-chuva que abriga praticamente todos
os programas em desenvolvimento pelo MEC. Ao que parece, na circunstância do lançamento do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) pelo governo federal, cada ministério teria que
indicar as ações que se enquadrariam no referido Programa. Trata-se de ações que cobrem todas as
áreas de atuação do MEC, abrangendo os níveis e modalidades de ensino, além de medidas de
apoio e de infraestrutura. As 30 ações do PDE aparecem no Site do MEC de forma individualizada,
encontrando-se justapostas, sem nenhum critério de agrupamento.
que atuam na Educação Básica. Com isso, os professores teriam a formação
mínima exigida pela LDB e contribuiriam para melhorar a qualidade da Educação
Básica brasileira, em especial da escola média.
Já a formação continuada é oferecida na modalidade à distância, por meio
de cursos de aperfeiçoamento, de extensão e de especialização. Enquanto os
cursos de aperfeiçoamento e de extensão possuem uma carga horária entre 30
horas e 220 horas, respectivamente, o curso de especialização tem duração mínima
de 360 horas. As formações inicial e continuada são operacionalizadas pela
Plataforma Freire. Nesse sistema, os professores fazem o cadastro e realizam as
pré-inscrições nos cursos pretendidos, que são submetidas pelas secretarias
estaduais e municipais às instituições formadoras, para concretizarem as inscrições.
No site do Parfor, encontramos dados que mostram que até 2012 haviam
sido implantadas 1.920 turmas, com 54.876 professores frequentando os cursos, em
967 municípios do país. Porém, quando desagregamos o número de professores
frequentes por região geográfica, percebemos que as regiões Norte (28.073) e
Nordeste (20.781) concentravam juntas 89,0% do total, seguida do Sul (3.422) com
6,2%, Sudeste (1.847) com 3,4% e Centro-Oeste (753), registrando apenas 1,4%.
Esses dados mostram que a maior procura pelos cursos está concentrada
no Norte e Nordeste, sinalizando que possivelmente sejam as regiões que
apresentam maior carência de professores licenciados ou que estão atuando fora da
área de formação. Nesse sentido, entendemos que a formação do Parfor poderá
contribuir para melhorar a qualidade da formação dos estudantes, uma vez que os
docentes estão tendo a possibilidade de elevarem o nível de formação inicial e
continuada.
Para melhor compreendermos o significado da formação inicial e continuada
que o Parfor oportuniza aos professores da Educação Básica e de sua implantação,
a partir das metas e princípios definidos no Decreto n. 6.755/09, o então Diretor da
Educação Básica Presencial (DEB), da Capes, o Sr. João Carlos Teatini, destacou
numa entrevista concedida para a Revista Eletrônica Pesquiseduca, em 2010, que:
Para a execução da Política Nacional de Formação dos Profissionais do
Magistério da Educação Básica – PARFOR, foi implementado o Plano
Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica que é
resultado de um conjunto de ações do Ministério da Educação (MEC), em
regime de colaboração com as Secretarias de Educação dos Estados e
Municípios e as Instituições de Educação Superior (IES). [...] A meta é
estaduais e municipais que atuam sem formação adequada às exigências
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB/1996). Trata-se,
desse modo, de um esforço histórico inédito de articulação envolvendo as
diferentes esferas responsáveis pela gestão de políticas públicas
relacionadas à formação, num fim único, que é a melhoria da qualidade da
educação brasileira. (TEATINI, 2010, p. 145-146).
A partir das metas e princípios definidos pelo Parfor e da entrevista do
Diretor Teatini (2010), parece claro que o objetivo fundamental desta política é
buscar corrigir as distorções advindas da heterogeneidade das instâncias de
formação existentes nos entes federados para, finalmente, erradicar dos sistemas de
ensino a presença de professores leigos e sem formação adequada.
No entanto, segundo uma análise feita por Kuenzer (2011), quanto ao
impacto das ações do Parfor na qualidade do trabalho escolar, a qualificação
individual dos professores não resulta necessariamente em melhoria dos indicadores
de qualidade do trabalho do Ensino Médio. Para Kuenzer (2011, p. 674), “a
qualidade do trabalho da escola resulta do trabalho coletivo dos profissionais que a
integram.”
Ao lado do Prodocência e do Parfor, o governo federal também se
preocupou em melhorar as condições de trabalho e salário dos profissionais da
educação, dentre outras iniciativas. Em 2008, foi instituído o Piso Salarial
Profissional Nacional para os profissionais do Magistério Público da Educação
Básica, pela Lei n. 11.738/08. Inicialmente o Piso Nacional foi fixado em R$ 950,00
mensais a partir de 2009, para a formação em nível médio e uma jornada de
trabalho de 40 horas semanais. Olhando para o quadro de evolução do reajuste do
Piso Nacional
36
no período de 2009 a 2016, constatamos que o reajuste foi de
aproximadamente 124,8%, passando de R$ 950,00 para R$ 2.135,64.
Com a aprovação do Piso Nacional o governo federal buscou resgatar um
compromisso firmado ainda em 1994 entre o MEC, o Conselho Nacional de
Secretários de Educação (CONSED), a União Nacional dos Dirigentes Municipais de
Educação (UNDIME), a CNTE e demais atores sociais, no sentido de valorizar os
36