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Políticas educacionais: a expansão da rede de educação profissional e

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CAPÍTULO II ESTADO, POLÍTICA SOCIAL E A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

2.4 Políticas educacionais: a expansão da rede de educação profissional e

trabalho

Como já evidenciado nesta dissertação, entende-se que as políticas educacionais não se configuram como uma ação isolada, mas fazem parte da reestruturação do Estado implementada pelo governo federal no âmbito das políticas sociais. Também não se trata de um fenômeno exclusivo do Brasil e nem restrita aos países periféricos ou da América Latina, mas de uma realidade presente e comum à maioria dos países independentemente do seu grau de desenvolvimento (SILVA JÚNIOR, 2001).

Na primeira seção deste capítulo, apresentou-se que, dentre outros argumentos utilizados para a reforma do Estado, dois se destacaram: a crise fiscal e a ineficiência da gestão estatal. O movimento de reformas na educação, iniciado em uma mesma década não foi diferente. Seus proponentes também utilizaram o argumento de que o sistema educacional enfrentava “uma crise de eficiência, eficácia e produtividade, mais que uma crise de universalização e de extensão dos serviços oferecidos” (GENTILI, 1998, p. 17).

As políticas educacionais promovidas pelo neoliberalismo produziu um conjunto de mudanças na estrutura e no funcionamento dos sistemas escolares. As reformas ocorreram no plano institucional, no plano jurídico, organizacional, curricular, trabalhista, cultural, dentre outros. Redefiniram-se significados e sentidos atribuídos à atividade educacional e à forma de pensar a escola pública como espaço de concretização do direito social à educação (GENTILI, 1998).

Assim, as políticas educacionais são expressões dos embates travados no âmbito do reordenamento das relações sociais e estão estritamente ligadas às relações entre Estado e sociedade, aos movimentos de redefinição das relações entre capital e trabalho, tanto no cenário mundial, como no Brasil, conforme posição ocupada pelo país na divisão internacional do trabalho, nas hegemonias políticas e no controle do Estado que se estabelecem em sucessivos períodos de governos.

A Lei de Diretrizes e Bases (LDB no 9.394/96) configura-se como a base legal para a reformulação, a estruturação e a reorganização do sistema educacional brasileiro. A principal mudança organizacional na educação nacional é a sua divisão em dois níveis básicos: a educação básica, que compreende os nove anos do ensino fundamental mais os três anos do ensino médio, e a educação superior. A educação profissional é tratada em um capítulo à parte, portanto, não está inserida em nenhum dos dois níveis apontados. Essa disposição estrutural da educação profissional

consolida a dualidade de forma bastante explícita de que a educação profissional não faz parte da estrutura da educação regular brasileira e os cursos profissionalizantes não ofereciam condições para o educando prosseguir nos estudos (VIAMONTE, 2011, p. 36).

A respeito da dualidade reproduzida pela nova LDB, Neves (2008), esclarece que essa modalidade de ensino sempre se estruturou de forma independente, contribuindo decisivamente para reforçar o caráter dual da educação escolar brasileira, por proporcionar às massas trabalhadoras uma terminalidade precoce à sua escolarização. De um lado, a inclusão dessa modalidade na LDB, segundo Neves (2008, p. 61), revela, do ponto de vista técnico, “a importância atribuída pela burguesia brasileira à adaptação, em curto prazo, da força de trabalho às exigências do mercado em tempos de finanças mundializadas”. De outro lado, do ponto de vista ético-politico, a

aceitação por um significativo contingente da classe trabalhadora das ideologias da empregabilidade e do empreendedorismo, destinadas a manter a coesão social em tempos de reestruturação produtiva e de supressão de direitos do trabalhador (NEVES, 2008, p. 61).

Com a implementação da LDB/1996, iniciou-se o processo de reforma com o objetivo de redefinir e redirecionar a educação profissional e tecnológica do Brasil. Vários instrumentos legais, leis, decretos, portarias e resoluções deram materialidade a um processo progressivo de reconfiguração da Rede de Educação Profissional no Brasil, a partir dos anos 1990.

Neste sentido, cabe analisar as implicações promovidas pelas políticas educacionais na realidade concreta das escolas técnicas federais e nos centros federais educação tecnológica, identificando as principais mudanças relativas à função institucional e social, à organização e à estruturação dos cursos, carga horária, dentre outros.

De acordo com Ramos (2006), no início da década de 1990, a Secretaria de Educação Média e Tecnológica (Semtec) do Ministério da Educação preocupada em alinhar a formação de técnicos à reestruturação produtiva e, ao mesmo tempo, fortalecer essas instituições em decorrência do cenário político do país, mobilizou-se politicamente em dois sentidos: a) implementar um novo ‘modelo pedagógico’ nas escolas técnicas e Cefets; b) instituir o Sistema Nacional de Educação Tecnológica e transformar todas as escolas técnicas federais em centros federais de educação tecnológica – Cefets. Esta última medida realizou-se por meio da aprovação da Lei no 8.948/9425 (BRASIL, 1994), durante o governo de Itamar Franco. Como se verá mais adiante, essa lei foi regulamentada três anos depois pelo Decreto no 2.406, de 27 de novembro de 1997 (BRASIL, 1997).

Os debates referentes às finalidade das escolas técnicas e dos Cefets já ocorriam ainda no período de redemocratização do país. De um lado, havia o segmento composto pela ala mais conservadora, e de outro, por progressistas. Os conservadores criticavam o alto custo dessas instituições e o distanciamento do mercado de trabalho, demonstrado pelo elevado número de alunos que se dirigiam ao ensino superior. Já os progressistas questionavam a concentração de recursos públicos em instituições que serviam predominantemente ao capital, com atendimento seletivo e restrito à população (RAMOS, 2006).

Ramos (2006) esclarece que a criação do Sistema de Educação Tecnológica buscou unificar e fortalecer essa rede de ensino, ao passo que a transformação das escolas técnicas federais em Cefets pretendeu evitar seu sucateamento, dificultando sucessivas tentativas de estadualização, senaização ou privatização, em razão, especialmente, da implantação dos cursos superiores de tecnologia o que condicionava a permanência dessas instituições no sistema federal de ensino.

Ainda segundo Ramos (2006), havia também considerável mobilização para a implantação de novo “modelo pedagógico” nas escolas técnicas federais e nos Cefets. A discussão acerca da reformulação curricular contou com representantes das escolas, especialmente os diretores de ensino. Dentre as divergências existentes, Ramos (2006, p. 288) destaca o conflito em relação a diferentes concepções de educação tecnológica. Uma delas centrava-se na “formação



25 Os primeiros Cefets surgiram, em 1978, em decorrência do crescimento de três escolas técnicas

que passaram a se destacar no cenário nacional dando origem aos Cefets do Rio de Janeiro, Paraná e Minas Gerais. Segundo Otranto (2012, p. 201), “esses três abriram caminho, embora lento e altamente burocrático, para a transformação de outras Escolas Técnicas em Cefets”.

humana, incluindo a construção sistematizada do conhecimento articulada com o mundo do trabalho em suas múltiplas dimensões”; a outra possuía “viés tecnicista e economicista na ótica do capital humano”. Em contexto econômico-político neoliberal, as políticas relativas a essa rede de ensino na primeira metade da década de 1990, foram permeadas por esse conflito, prevalecendo, a hegemonia da segunda visão de educação tecnológica (RAMOS, 2006), o que ficou demonstrado na reformulação curricular apresentada pela Semtec em 1994, identificando-se com o viés tecnicista.

Com o objetivo de fazer valer as propostas da reformulação curricular apresentadas no documento da Semtec, o governo apresentou o Projeto de Lei no 1.603, de 1996, que, posteriormente foi transformado no Decreto no 2.208/1997, de 17 de abril de 1997, que regulamentou aspectos referentes à educação profissional. Trata-se, conforme Christople (2005), do principal instrumento jurídico da educação profissional, até então, e que, em verdade, retoma e provoca mudanças significativas na tradição de educação profissional, especialmente para o ensino técnico.

Em julho de 2004, o governo de Lula da Silva publicou o Decreto no 5.154/2004 (BRASIL, 2004) que revogou o Decreto no 2.208/97, rearticulando o ensino médio com o ensino técnico de nível médio. Mesmo trazendo de volta a rearticulação e a equivalência, o novo decreto manteve alguns aspectos do decreto anterior, sobretudo os aspectos que favoreciam a expansão da formação profissional por entidades privadas.

Em 2004, todos os Cefets foram alçados à categoria de instituição de educação superior pelo Decreto no 5.225, de 1o

de outubro de 2004 (BRASIL, 2004), com autonomia equivalente à das universidades. Segundo Otranto (2012, p. 201),

este fato gerou um interesse crescente nas demais instituições de educação profissional, principalmente nas Escolas Agrotécnicas e Escolas Técnicas criadas após 1994, de alcançarem a mesma condição, que era prerrogativa somente dos Cefets.

A esse respeito, Ramos (2006) afirma que o processo de cefetização de todas as escolas técnicas e agrotécnicas, com a publicação do Decreto no 2.406/1997 e da Portaria MEC no 646/9726, foi decisivo para obtenção do apoio dos diretores gerais à



26 A Portaria do MEC no 646, de 14 de maio de 1997 (BRASIL, 1997), regulamentou o prazo de até

quatro anos, para que as instituições federais de ensino profissional se adequassem ao disposto nos artigos 39 a 42 da Lei Federal no 9.394/96 e no Decreto Federal no 2.208/97.

reforma da educação profissional, total ou parcialmente. Decreto no 2.406/1997, que regulamentou a Lei no 8.948/94 e tratou dos centros de educação tecnológica, autorizando a transformação de escolas técnicas e agrotécnicas federais em Cefets, também reconfigurou a identidade dos novos Cefets e ampliou a função social da “nova” instituição. Com base no Decreto 2.208/97, a instituição passou a atuar no ensino superior, com destaque para os de formação de tecnólogos e de professores para disciplinas de educação científica e tecnológica, bem como a desenvolver pesquisa e a promover extensão.

Outro fator que despertou o interesse das escolas, que tradicionalmente ofereciam cursos de ensino médio e técnico, em se transformarem em instituições de educação superior como foi o caso do Cefet Paraná que se tornou Universidade Tecnológica, em 7 de outubro de 2005, pela Lei no 11.184. A partir de então, segundo Otranto (2012, p. 2012) iniciou-se um “movimento até mesmo nos Cefets, que já eram instituições de educação superior a acalentar o mesmo sonho, ou seja, a almejar aquilo que consideravam um privilégio, a transformação em universidade”.

De acordo com Otranto (2012), “isso significava que a oferta da educação profissional técnica e do ensino médio já não supria as necessidades das instituições de educação da Rede Federal”. E a autora completa:

O grande objetivo, naquele momento, era a transformação em instituição de educação superior ou, mais que isso, em universidade, a exemplo da Universidade Tecnológica do Paraná (p. 202).

No entanto, conforme análise da autora, esses não eram os planos do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Prosseguindo em sua análise, Otranto (2012) destaca que, apesar da pressão dos dirigentes dos Cefets e das demais instituições de educação profissional, o governo apresentou outra proposta, que não incluía a sua transformação em universidade. Trata-se de outra instituição, que, embora com características semelhantes à de uma universidade, e “tivesse custos menores, já que as universidades de pesquisa eram apontadas desde a década de 1990, pelo Banco Mundial, como muito caras para os países em desenvolvimento” (OTRANTO, 2012, p. 202).

A autora adverte que, nas reflexões a respeito da reforma da educação profissional, técnica e tecnológica é necessário não perder de vista que a Lei no 11.892/08

integrou um conjunto de medidas normativas que visava à concretização do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) do governo Lula, que o tinha como um dos mais importantes componentes educacionais do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) (OTRANTO, 2011, p. 2).

Importantes iniciativas do governo federal foram implantadas anteriormente à referida lei, mas, de certa forma, foram a ela incorporadas e lhe deram sustentação. Dentre elas, Lima Filho (2010) destaca três ações governamentais que considera mais relevantes para a implementação da atual reforma da educação profissional: Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja) o Programa Brasil Alfabetizado e o Programa de Expansão da Rede de Educação Profissional.

Verificou-se que a Rede de Educação Profissional e Tecnológica experimentou significativas transformações no período, desde a separação da educação técnica do ensino médio, ocorrida em 1997, passando pela restituição da possibilidade de integração, em 2004, ocorrendo, nesse intervalo, a regulamentação da educação tecnológica (nível superior), bem como a transformação das escolas técnicas em centros federais de educação tecnológica. Nesse movimento de alterações do perfil institucional da rede destaca-se ainda, a transformação do Cefet do Paraná em Universidade em 2005, conforme citado anteriormente.

Nesse movimento, o Ministério da Educação apresentou um caminho diverso, emitindo o Decreto no 6.095, de 24 de abril de 2007 (BRASIL, 2007). Esse instrumento legal estabeleceu as diretrizes e procedimentos normativos para o processo de integração de instituições federais de educação tecnológica para constituição dos institutos federais de educação, ciência e tecnologia. O referido decreto pode ser considerado o marco regulatório inicial para a concretização de mais uma reforma da educação profissional e nova configuração da Rede Federal de Educação Profissional.

2.5 A criação dos institutos federais: expansão, interiorização e reconfiguração

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