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Políticas Federais de Direitos Humanos

2. A AGENDA DA SEGURANÇA PÚBLICA EM NÍVEL FEDERAL NOS 30 ANOS

2.4 Políticas Federais de Direitos Humanos

Um terceiro espaço de formulação de políticas públicas que tem procurado influenciar a definição das ações do Governo Federal na Segurança Publica é a Secretaria de Direitos Humanos, instituída pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso em 1997282, com o objetivo de coordenar, gerenciar e acompanhar a execução do primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-I), lançado em 1996, cumprindo orientação da Conferência de Viena e transformada em Ministério em 2003283.

Em razão do distanciamento advindo desde o regime autoritário e detalhado acima, muitos defensores de direitos humanos e ativistas sociais têm seguido a estratégia de tentar implementar mudanças na área da Segurança Pública através da realização de Conferências de Direitos Humanos e da elaboração dos Planos Nacionais de Direitos Humanos.

Em 1996, foi realizada a primeira Conferência Nacional dos Direitos Humanos, e até 2004, as conferências aconteceram anualmente, passando então a serem realizadas a cada dois anos.

Como fruto da Primeira Conferência, o I Programa Nacional dos Direitos Humanos foi lançado em Maio de 1996284, apresentando propostas para a Segurança Pública em dois eixos: proteção da vida e combate à impunidade.

Proteção da Vida: 1) Apoiar programas de prevenção à violência contra grupos em situação de vulnerabilidade, caso de crianças e adolescentes, idosos, mulheres, trabalhadores sem terra, dentre outros; 2) Incluir nos cursos das academias de polícia matéria especifica sobre direitos humanos; 3) Implementar a formação de grupo de consultoria para educação em direitos humanos, com a finalidade de ministrar cursos de direitos humanos para as polícias estaduais; 4) Propor o afastamento nas atividades de policiamento de políciais acusados de violência contra os cidadãos; e 5) Apoiar as experiências de policias comunitárias ou interativas, entrosadas com conselhos comunitários, que encarem o policial como agente de

282 Decreto nº 2.193, de 7 de abril de 1997 283 Lei nº 10.683, de 25 de maio de 2003 284 Decreto nº 1.904 de 13 de Maio de 1996

107 proteção dos direitos humanos. Luta contra a impunidade, o Programa propõe: 1) Atribuir à Justiça Comum a competência para processar e julgar crimes cometidos por policiais militares no policiamento civil ou com armas da corporação, apoiando projeto específico já aprovado na Câmara dos Deputados; 2) Regulamentar o artigo 129, VII, da Constituição Federal, que trata do controle externo da atividade policial pelo Ministério Público; e 3) Propugnar pela aprovação do projeto de Lei que tipifica o crime de tortura.285

Do primeiro Plano apenas o crime de tortura efetivamente é tipificado, as demais propostas não são implementadas pelo Governo.

Em 1999, seguindo processo de criação de ouvidorias de polícia nos estados (a primeira foi criada em São Paulo, em 1995, em SP, seguida pelo Pará, em 1996, MG, em 1997, RJ e RS, em 1999), a Secretaria de Direitos Humanos criou o Fórum Nacional de Ouvidores286, que pretendia que se tornasse o embrião de um Sistema Nacional de Controle Externo das Polícias, o qual continua funcionando até hoje, mas sem conseguir influenciar o funcionamento das polícias287.

O PNDH foi revisado e sua segunda versão foi lançada em maio de 2002288, trazendo diversas propostas para a Segurança Pública, tais como:

1) Estimular o aperfeiçoamento dos critérios para seleção e capacitação de policiais e implantar, nas Academias de polícia, programas de educação e formação em direitos humanos, em parceria com entidades não governamentais; 2) Incluir no currículo dos cursos de formação de policiais módulos específicos sobre direitos humanos, gênero e raça, gerenciamento de crises, técnicas de investigação, técnicas não letais de intervenção policial e mediação de conflitos; 3) Apoiar estudos e programas para a redução da letalidade em ações envolvendo policiais; 4) Incentivar a criação e o fortalecimento de ouvidorias de polícia dotadas de autonomia e poderes para receber, acompanhar e investigar denúncias. 5) Apoiar o

285 SANTOS, Valber Ricardo dos. Política de segurança pública no Brasil contemporâneo : entre a segurança cidadã e a continuidade autoritária / Valber Ricardo dos Santos. – 2012. 174 f. - pp. 130- 131

286 Decreto N. 99 de 1º de junho de 1999.

287 Sobre o desenvolvimento e os limites das Ouvidorias no Brasil ver LEMGRUBER,Julita. MUSUMECI, Leonardo & CANO, Ignacion. Quem vigia os vigias? Um estudo sobre Controle Externo da Polícia no Brasil. Record, 2003. O site do Fórum é: http://www.sdh.gov.br/sobre/participacao- social/forum-nacional-de-ouvidores-de-policia-fnop

288 http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direitos-Humanos-no-Brasil/ii-programa-nacional-de- direitos-humanos-pndh-2002.html

108 funcionamento e a modernização de corregedorias estaduais independentes e desvinculadas dos comandos policiais, com vistas a limitar abusos e erros em operações policiais e a emitir diretrizes claras aos integrantes das forças policiais com relação à proteção dos direitos humanos; 6) Apoiar medidas destinadas a garantir o afastamento das atividades de policiamento de policiais envolvidos em ocorrências letais e na prática de tortura, submetendo-os à avaliação e tratamento psicológico e assegurando a imediata instauração de processo administrativo, sem prejuízo do devido processo criminal; 7) Incentivar a implantação da polícia ou segurança comunitária e de ações de articulação e cooperação entre a comunidade e autoridades públicas com vistas ao desenvolvimento de estratégias locais de segurança pública, visando a garantir a proteção da integridade física das pessoas e dos bens da comunidade e o combate à impunidade. Garantia do direito à justiça: 1) Apoiar medidas legislativas destinadas a transferir, da Justiça Militar para a Comum, a competência para processar e julgar todos os crimes cometidos por policiais militares no exercício de suas funções; e 2) Fomentar um pacto nacional com as entidades responsáveis pela aplicação da Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997, que tipifica o crime de tortura, e manter sistema de recepção, tratamento e encaminhamento de denúncias para prevenção e apuração de casos.289

Como já apontamos acima, algumas propostas, como a transferência dos crimes dolosos contra a vida são transferidos para a Justiça Comum e algumas orientações da área de formação são absorvidas pela Matriz Curricular Nacional em 2003. Porém, as demais reformas propostas pelo Plano também não avançam.

O PNHD 3, lançado em 2009290, foi fruto das resoluções da 11ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos e de outras 50 conferências temáticas, promovidas desde 2003, sendo o mais abrangente em relação às propostas para a Segurança Pública, destacando um dos seus seis eixos apenas para o tema da Segurança Pública (Eixo 4), o qual possui 7 Diretrizes, sendo que cinco delas tratam especificamente sobre mudanças no Sistema Policial brasileiro e políticas de prevenção à violência (Diretrizes 11, 12, 13, 14 e 15), com 85 propostas de ações291.

289 Cfe. Santos, 2012, Op. cit. p. 134-135

290 Decreto nº 7.037, de 21 de Dezembro de 2009

291 http://www.sdh.gov.br/assuntos/direito-para-todos/programas/pdfs/programa-nacional-de-direitos- humanos-pndh-3

109 Embora aqui não tenhamos condições de elaborar uma análise sistemática e profunda do que foi ou não implementado ao longo dos seis anos de vigência do Plano (e não tenhamos encontrado nenhum instrumento de monitoramento da sociedade civil), uma avaliação superficial dos dados apresentados no Site do próprio Governo Federal para realizar esse monitoramento, nos permite perceber que o acompanhamento do PNDH 3 por parte do Governo tem sido de caráter meramente formal, isto é, as ações que estão sob responsabilidade do Ministério da Justiça são apresentadas em sua maioria como “concluídas”, mesmo quando a ação se resume a apontar algum Projeto de Lei em tramitação no Congresso Nacional, o que é bastante distante de modificar a realidade substancial da cultura policial:

Ação Programática:

A - Propor alteração do texto constitucional, de modo a considerar as polícias militares não mais como forças auxiliares do Exército, mantendo-as apenas como força reserva .

Orgãos responsáveis: MJ Status da ação: Concluída

Análise da Situação: Há propostas nesse sentido em tramitação no Congresso Nacional e compete ao Poder Legislativo a sua análise. Ação Programática:

F - Apoiar a aprovação do Projeto de Lei nº. 1.937/2007 que dispõe sobre o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP)

Orgãos responsáveis: MJ

Status da ação: De natureza continuada

Análise da Situação: O PL nº 1937/2007 se encontra atualmente na Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados. O Ministério da Justiça está acompanhando ativamente o projeto e empenhado pela sua aprovação no Congresso Nacional.

Ação Programática:

A - Criar ouvidoria de polícia com independência para exercer controle externo das atividades das Polícias Federais e da Força Nacional de Segurança Pública, coordenada por um ouvidor com mandato.

110 Status da ação: A Iniciar

Ação Programática:

C - Condicionar a transferência voluntária de recursos federais aos estados e ao Distrito Federal ao plano de implementação ou à existência de ouvidorias de polícia e do sistema penitenciário, que atendam aos requisitos de coordenação por ouvidor com mandato, escolhidos com participação da sociedade civil e com independência para sua atuação.

Orgãos responsáveis: MJ Status da ação: Iniciada

Desde a publicação do PNDH 3, não foram mais realizadas Conferências Nacional de Direitos Humanos e o Governo Federal não elaborou nenhum dos Planos Bianuais de implantação do Plano, nele previstos, o que tem causado fortes críticas por partes dos movimentos sociais292.

Pelo menos dois resultados merecem destaque: a reivindicação pela criação do Mecanismo Preventivo Nacional para o combate à tortura (eixo 4, diretriz 13, objetivo III), que resultou na aprovação, em 2013, da Lei que institui o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura293 (composto por um Comitê e por um Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura composto por 11 peritos), e a reivindicação pela Criação da Comissão Nacional da Verdade (eixo 6, diretriz 23, objetivo I), efetivamente criada no dia 18 de novembro de 2011294.

Um dos principais esforços da Comissão Nacional da Verdade foi apontar a responsabilidade do alto comando das Forças Armadas no processo de ruptura democrática e das milhares de violações de direitos humanos relatadas e obter dos comandos atuais um reconhecimento formal desses fatos, com o objetivo de avançar num efetivo processo de transição democratica.

292 Em Carta Pública de 2010, o MNDH cobrou do Governo Federal a Convocação da 12 Conferência e dos Planos Bianuais. http://www.mndh.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2594 293 LEI Nº 12.847, DE 2 DE AGOSTO DE 2013.

111 Para isso, em fevereiro de 2014, a CNV apresentou ao Ministério da Defesa requerimento295 por meio do qual se pretendia que as Forças Armadas abrissem sindicâncias administrativas para apurar a ocorrência de graves violações de direitos humanos em sete instalações militares.

Em 31 de março de 2014, o Ministério da Defesa comunicou à CNV a abertura de sindicâncias pelos Comandos do Exército brasileiro, Marinha do Brasil e da Força Aérea Brasileira. Em 17 de junho do mesmo ano, o Ministério da Defesa encaminhou os expedientes recebidos dos Comandos Militares referentes aos relatórios de sindicância realizadas pelas Forças Armadas, nos quais entenderam as três Forças não ter havido qualquer desvio de finalidade quanto ao uso das referidas instalações militares296.

A CNV ainda recorreu ao Ministério da Defesa, questionando se este reconhecia ou não a resposta dos Comandos Militares, o qual respondeu que “como parte integrante do Estado brasileiro, compartilhava do reconhecimento da responsabilidade estatal pela ocorrência de graves violações de direitos humanos praticadas entre 1946 e 1988”.

A CNV considerou insuficiente a resposta e exigiu de forma clara e inequívoca o expresso reconhecimento do envolvimento das Forças Armadas no caso de tortura, morte e desaparecimento relatados pela CNV e reconhecidos pelo Estado brasileiro", sendo "imprescindível que o Ministro da Defesa e os Comandantes Militares evoluam da não negação da ocorrência de graves violações de direitos humanos em instalações militares para o reconhecimento do envolvimento das Forças Armadas nessas condutas.”297

O Relatório final da Comissão Nacional da Verdade apontou 377 nomes de acusados por violações de direitos humanos direta ou indiretamente, estando os

295 Ofício 124/2014 CNV, disponivel em http://www.cnv.gov.br/images/pdf/OFI%20124.pdf 296 www.cnv.gov.br/index.php/outros-destaques/495-cnv-torna-publicos-relatorios-das-sindicancias- instauradas-pelos-comandos-das-forcas-armadas

112 cinco Ditadores Militares entre eles mais de 150 altos oficiais das Forças Armadas, além de membros das Policias Estaduais e Federais298.

A Comissão recomendou o julgamento e a responsabilização criminal de todas as pessoas apontadas, além de 29 Recomendações, sendo oito relacionadas a Reformas Institucionais da Segurança Pública, tais como: i) Revogação da Lei de Segurança Nacional; ii) Aperfeiçoamento da legislação brasileira para tipificação das figuras penais correspondentes aos crimes contra a humanidade e ao crime de desaparecimento forçado; iii) Desmilitarização das polícias militares estaduais; iv) Extinção da Justiça Militar estadual; v) Exclusão de civis da jurisdição da Justiça Militar federal; vi) Supressão, na legislação, de referências discriminatórias das homossexualidades; vii) Alteração da legislação processual penal para eliminação da figura do auto de resistência à prisão; viii) Introdução da audiência de custódia, para prevenção da prática da tortura e de prisão ilegal.

O Relatório Final foi elogiado pelo Secretário Geral da ONU, Ban Ki-Moon:

As Nações Unidas encorajam e apoiam esforços em todo o mundo para desvendar os fatos que envolvem grandes violações dos direitos humanos e para promover a justiça e a reparação. Esse suporte é baseado na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos tratados internacionais de direitos humanos299.

E foi duramente criticado por militares, como o Clube Militar:

O ódio e o desejo de vingança são tão grandes que um absurdo desses é assinado por advogados, juristas e professores universitários. Tudo em nome da causa socialista. É peça requentada porque só confirma bandeiras

298 http://g1.globo.com/politica/noticia/2014/12/veja-lista-dos-377-apontados-como-responsaveis-por-crimes- na-ditadura.html

299 The United Nations encourages and supports efforts all over the world to uncover the facts about gross violations of human rights and of international humanitarian law, and to promote justice and reparation. This support is based on the Universal Declaration of Human Rights, which we celebrate on this day every year, and international human rights treaties. Disponível em

113 preexistentes na esquerda brasileira. O relatório é tão risível e parcial quanto a CNV.300

Em setembro de 2015, o STF determinou a realização das Audiências de Custódia301 e um Projeto de Lei302 de autoria do Deputado Paulo Teixeira e outros Deputados sobre a eliminação dos autos de resistência tramita na Câmara, está pronto para ser votado desde 2014, mas nao consegue acordo dos lideres. As demais recomendações não foram encaminhadas.

Dessa forma, mesmo que superficial, é possível perceber que as ações empreendidas pela SEDH são uma fonte importante de pressão por reformas das políticas de Segurança Pública, tendo contribuído com importantes ações desde o lançamento da primeira versão do PNDH, em 1996.

No entanto, quando as ações dizem respeito a modificações substanciais do Sistema Policial, como a criação de estruturas de controle, transparência e participação social, a modificação dos padrões de policiamento e uma efetiva absorção do respeito aos Direitos Humanos na cultura policial, as propostas trazidas pelos PNDHs ou pela CNV não conseguem lograr êxito, sem a criação de políticas com a efetiva capacidade de criar impacto em nível federativo, e sem o monitoramento permanente para verificar se as ações estão conseguindo produzir avanços nos indicadores.

Em relação aos Programas de caráter preventivo, como apontamos acima (no tópico 2.3), os Programas não foram institucionalizados e foram finalizados.

Da mesma forma ocorre com as propostas que tratam sobre o papel das Forças Armadas na Segurança Pública, como apontamos anteriormente (no tópico 2.1), na realidade as ações do Governo Federal, ao longo de todo o período

300 http://g1.globo.com/politica/noticia/2014/12/relatorio-e-absurdo-em-nome-da-causa-socialista-diz-clube- militar.html

301 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347 302 Projeto de Lei 4471/2012.

114 democrático atual, tem sido no sentido inverso, de ampliar suas competências e a sua utilização na Segurança Pública.

115

3 Transparência: um mecanismo de reforma democrática da