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A revolução tecno-científico-informacional impulsionou grandes transformações no cenário socioeconômico, político e cultural do mundo. Como parte dessas transformações, que ocorreram a partir da segunda metade do século XX, os processos de reestruturação produtiva e de mundialização do capital contribuíram para o surgimento de relações econômicas mais flexíveis, como a redefinição do papel do Estado apoiada em princípios neoliberais, que, desde então, passaram a orientar as relações políticas e sociais nos países capitalistas.

Esse cenário, associado à globalização da economia, favoreceu a proliferação da política neoliberal. Essa política tem como princípios o individualismo exacerbado, o Estado mínimo e a liberdade do mercado, de forma que o Estado deve reduzir sua interferência no plano econômico e nos investimentos sociais, deixando que o mercado regule as relações nessas esferas. Na concepção de Anderson (2008), os defensores desse modelo consideravam que, para que o crescimento econômico fosse retomado, o Estado deveria reduzir as intervenções econômicas, disciplinar os gastos sociais e incentivar os agentes econômicos, diminuindo os impostos sobre os rendimentos mais altos e sobre as rendas. Nesse processo, evidenciava-se a necessidade de privatizar empresas e serviços públicos, descentralizar poderes e encargos da instância central de poder para as locais e para a sociedade, além de focalizar a ação social do Estado nos setores mais necessitados da população.

Essa nova configuração acabou por impor novos elementos na relação entre Estado e sociedade civil, o que torna impossível considerar que a formulação das políticas públicas seja elaborada unicamente a partir de uma determinação jurídica, fundamentada em lei, como se o Estado fosse uma instituição neutra. Se assim o fosse, as políticas públicas seriam definidas tendo como único parâmetro o

bem comum, entendido como de interesse de todos os segmentos sociais. Obviamente, esse entendimento negaria a possibilidade de surgimento de uma dinâmica conflitiva, envolvendo uma correlação de forças entre interesses de diferentes segmentos sociais, o que faz com que não se pode pensar que as políticas públicas sejam formuladas a partir de interesses específicos de uma classe (BONETI, 2007).

Dada a complexidade do poder das forças políticas, da atuação dos movimentos sociais, das organizações da sociedade civil, apoiamo-nos em Boneti (2007, p.13) para defender que “não é possível [...] construir uma análise da complexidade que envolve a elaboração e a operacionalização das políticas públicas sem se levar em consideração a existência da relação intrínseca entre o Estado e as classes sociais, em particular entre o Estado e a classe dominante”. Há, também, interesses específicos manifestados pelas problemáticas sociais, como reforma agrária, fome, habitação urbana, violência, homofobia, dentre outros que podem representar interesses de classe, mas não explicitados pela dinâmica da luta do movimento, uma vez que as questões se colocam numa dimensão global.

Enfim, no contexto atual, a elaboração e o estabelecimento das políticas públicas, segundo Boneti (2007), dependem de dois fatores preponderantes. O primeiro são os interesses da expansão do capitalismo internacional, explicitado pelas elites globais, e o segundo, os interesses originados no contexto nacional, os das classes dominantes e dos vários segmentos que compõem a sociedade civil, bem como as Organizações Não Governamentais (ONG), os movimentos sociais que se apresentam como novos agentes confrontantes com os projetos das elites e classes dominantes.

Diante da complexidade da elaboração e estabelecimento das políticas públicas, torna-se, portanto, difícil conceituar políticas públicas, tendo em vista que o seu conceito permeia diversas ciências, podendo ser vista pela Ciência Política, pelo Direito, pelo Serviço Social, dentre outras. Como não existe uma única, nem melhor definição, partimos da definição de Boneti (2007, p.74) quando afirma que

[...] políticas públicas [são] ações que nascem do contexto social, mas que passam pela esfera estatal como uma decisão de intervenção pública numa realidade social, quer seja para fazer investimentos ou para uma mera regulamentação administrativa. Entende-se por políticas públicas o resultado da dinâmica do jogo de forças que se estabelecem no âmbito das relações de poder,

relações essas constituídas pelos grupos econômicos e políticos, classes sociais e demais organizações da sociedade civil.

Assim sendo, podemos compreender que as políticas públicas são um instrumento de grande importância, tanto para o Estado quanto para a sociedade. Para o Estado liberal, no sentido de fomentar ações que buscam atender a demanda das necessidades da sociedade, e para esta, que, através das políticas, pode receber serviços governamentais. Por isso, as políticas públicas têm sido criadas como resposta do Estado às demandas que emergem da sociedade e do seu próprio interior, sendo a expressão do compromisso público de atuação numa determinada área e num tempo de longa duração. Para os liberais, é através das políticas públicas que se criam ações coletivas que são executadas pelo governo em favor da sociedade, visando a garantir os direitos sociais como: acesso à educação, saúde, moradia, proteção, meio ambiente, dentre outros.

As políticas públicas podem ser de Estado ou de governo. Segundo Aith (2006, p. 235), “quando a política pública tiver como objetivos a consolidação institucional da organização política do Estado, a consolidação do Estado Democrático de Direito e a garantia da soberania nacional e da ordem pública, ela poderá ser considerada política de Estado”, e “quando, de outro lado, os objetivos das políticas públicas forem o de promover ações pontuais de proteção e promoção aos direitos humanos específicos expressos em nossa Carta, pode-se falar em política de governo” (AITH, 2006, p.235). Assim sendo, as políticas de Estado são consideradas essenciais para a organização, a estrutura e o desenvolvimento do Estado. Como exemplo, temos a política de saúde criada pelo Sistema Único de Saúde (SUS). As políticas de governo são aquelas voltadas à satisfação do interesse público que não representem atividade essencial do Estado, podendo até mesmo ser delegadas e terceirizadas, e sofrer solução de continuidade, o que não ocorre com as políticas de Estado. Oliveira (2011) sintetiza as diferenças de política de Estado e políticas de governo, ressaltando que

[...] políticas de governo são aquelas que o Executivo decide num processo elementar de formulação e implementação de determinadas medidas e programas, visando responder as demandas da agenda política interna, ainda que envolvam escolhas complexas. Já as políticas de Estado são aquelas que envolvem mais de uma agência do Estado, passando em geral pelo Parlamento ou por instancias diversas de discussão, resultando em mudanças de

outras normas ou disposições preexistentes, com incidência em setores mais amplos da sociedade (p.329).

A avaliação é uma política pública de Estado. O artigo 209 da Constituição Federal de 1988 determina que “O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:”, em seu inciso II – “autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.” O presente preceito se repete na LDB nº 9.394/96, no artigo 7º inciso II. Nesse caso, o Enem é, por conseguinte, uma política pública de Estado que teve início em 1998, no mandato de Fernando Henrique Cardoso (FHC), e continua até hoje, perpassando o governo Lula e continuando no governo de Dilma.

Para o entendimento das políticas públicas de avaliação, faz-se necessário, abordar o papel do Estado nesse contexto. “O Estado não pode deixar de ser integrado como um elemento chave na análise das políticas educativas” (AFONSO, 2005, p. 95). Neste sentido, o autor afirma que a forma como o Estado lida atualmente com as solicitações e exigências econômicas e sociais é, pelo menos em parte, uma consequência das alterações que ocorreram na passagem da fase do capitalismo competitivo liberal (em que o papel do Estado se limitava a criar algumas condições gerais para o funcionamento da economia) para a fase do capitalismo monopolista (em que as funções do Estado passam a estender-se mais diretamente à produção).