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Transformar e garantir os direitos constitucionais das pessoas LGBTs eclode no final da década de 1970 no Brasil, originados por discussões sobre sexualidade advindas dos países da América do Norte e Europa, tentando trazer visibilidade e quebrar paradigmas, subvertendo valores e comportamentos sociais da nossa sociedade brasileira tida como conservadora e preconceituosa. Essa desconstrução objetiva lutar contra a violação dos direitos e equiparar democraticamente as pessoas LGBTs, tendo como precursoras no desenvolvimento de políticas de prevenção e assistência à saúde as organizações não governamentais, devido à epidemia da Aids. Com o objetivo de reverter a exclusão total e mitigar as mazelas sociais vivenciadas por

essa população, passa-se a transformar os direitos sociais em políticas públicas para esse segmento social (Santos, 2010).

É importante ressaltar que, na década de 1980, a preocupação com a saúde pública se dá na higienização de sua sexualidade, considerando-se o público LGBT como pessoas sujas. A discriminação era tanta que a doença foi chamada de GRID (do inglês Gay-Related Immune Deficiency; em português, Imunodeficiência Gay Adquirida) e, posteriormente, renomeada para AIDS (do inglês, Acquired Immune Deficiency Syndrome; em português, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida). Apesar dos processos de estigmatização e discriminação relacionados à epidemia de AIDS vivenciados pelas pessoas LGBTs, de certa forma estes proporcionaram espaços para a implementação de políticas públicas e visibilidade política e social pelo viés epidemiológico e controle dos corpos, uma vez que determinam quais os modos de viver, possíveis ou desejáveis, quando políticas específicas, e para públicos específicos, são construídas como táticas de governos para definir o que é ou não sua competência, instituindo como verdade um saber sobre elas dizendo quem são e quais são suas necessidades (Sampaio &

Germano, 2014).

O MS, em 2008, publicou a Portaria nº 1.707, de 18 de agosto de 2008, que instituiu o processo transexualizador no âmbito do SUS. Nesse momento, esse processo era focado no acompanhamento para cirurgia de transgenitalização, não sendo possível realizar apenas o atendimento e o acolhimento das mulheres trans para a hormonioterapia, tão fundamental para garantir sua modificação corporal sem recorrer ao uso do silicone industrial. Outro fator impeditivo da universalidade do acesso ao processo transexualizador era a restrição do credenciamento aos hospitais universitários, tendo como único foco a cirurgia de transgenitalização, sendo assim eram necessários dois anos de psicoterapia para diagnóstico de transexualidade e somente os serviços dos hospitais credenciados podiam emitir avaliação final.

Além disso, os serviços não aceitavam avaliação de outros serviços, ou seja, não havia fluxo na rede de atenção.

Em 19 de novembro de 2013 foi redefinida a Portaria MS nº 2.803 e ampliado o processo transexualizador, trazendo visibilidade à saúde das mulheres trans que não desejavam fazer a cirurgia de transgenitalização. A nova portaria não só garantiu que outros hospitais pudessem ser habilitados, mediante atendimento de todos os critérios do MS, como criou a possibilidade de atendimento em unidades ambulatoriais especializadas. No Paraná, foi inaugurado, em 2014, o CPATT, garantindo os serviços de: psicoterapia, hormonioterapia e o atendimento clínico no processo transexualizador, com ou sem indicação de cirurgia de transgenitalização. O serviço conta com uma equipe de endocrinologistas, clínicos gerais, psicólogos, assistentes sociais e auxiliares de enfermagem, e oferece, juntamente com o grupo de trabalho de Direitos Humanos da Defensoria Pública e o Núcleo de Prática Jurídica da UFPR, o procedimento de retificação de nome civil e gênero (Defensoria Pública-PR, 2016).

O acesso ao CPATT é feito via Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima da casa das mulheres trans, para efetuar o seu cadastro, mandar imprimir o cartão nacional do SUS e realizar o encaminhamento para o ambulatório. A porta de entrada inicial é pelo atendimento da psicologia, depois de uma avaliação a pessoa é encaminhada para o clínico geral e endocrinologista. O CPATT é um serviço ambulatorial e oferece a dispensação dos hormônios femininos e masculinos para as pessoas trans. Infelizmente, o serviço não tem uma estrutura hospitalar que possa fazer implante ou remoção do silicone industrial, mas é um serviço que atende todas as pessoas trans, independentemente de sua fase de transição. São atendidas todas as pessoas que buscam o atendimento ambulatorial, o preparo para as cirurgias e o acompanhamento médico através de hormonioterapia.1

1 Informações obtidas em conversa informal com a coordenadora do serviço em 12 de dezembro de 2016.

A agenda do CPATT é composta por 605 pacientes cadastrados e segue o protocolo nacional do MS, o qual determina que as pessoas têm que passar no mínimo dois anos em atendimento por uma equipe multidisciplinar dentro do atendimento ambulatorial para ter indicação de cirurgias de implante e retirada de mama, retirada de útero e cirurgia de transgenitalização. Até o momento da realização desta pesquisa, o estado do Paraná não dispõe dos serviços cirúrgicos. O fluxo de atendimento do CPATT se dá conforme cada paciente, inicialmente os/as pacientes irão adentrar ao serviço, iniciando pelo atendimento psicológico quinzenal, com o passar do tempo é espaçado de dois em dois meses, de seis em seis meses, inclusive podendo a pessoa estar fazendo acompanhamento em outro lugar por um tempo mais prolongado. Na data da pesquisa, o CPATT tinha 70 pacientes aguardando em fila de espera para iniciar esse acompanhamento.

No âmbito da saúde integral, o MS lançou, em 2011, a proposta de Plano Operativo da Política Nacional de Saúde Integral LGBT, considerando a orientação sexual e a identidade de gênero como determinantes sociais da saúde e as desfavoráveis condições de saúde de pessoas LGBTs. Além disso, em 2011, visando à eliminação das iniquidades e desigualdades em saúde nesse grupo populacional, elaborou a Política Nacional de Saúde Integral de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Com diretrizes pautadas nos direitos humanos de pessoas LGBTs, a política visa extinguir o estigma e discriminação vivenciados pelas pessoas LGBTs;

sua inclusão em diversas políticas sociais, como educação, trabalho, segurança; inclusão da diversidade nos processos de formulação, implementação de políticas e programas voltados para grupos específicos no SUS; fortalecimento do movimento LGBT nas instâncias de participação social; e inclusão da temática na educação e produção de conhecimentos científicos e tecnológicos para melhor qualidade LGBT (MS, 2011). Para uma maior participação e controle social, foi redefinido em 2011 o Comitê Técnico de Saúde Integral LGBT, com

representações no Conselho Nacional de Saúde e criação de vários comitês estaduais de equidade em saúde e saúde LGBT.

A Universidade Aberta do SUS e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro criaram um curso on-line especialmente para os profissionais da saúde do SUS, no intuito de garantir qualidade no atendimento e garantia de acesso à saúde integral da população LGBT. Esse curso aborda as seguintes temáticas: Gênero e Sexualidade; Estudo da Política LGBT e seus marcos; e o Acolhimento e o Cuidado à População LGBT (UNA-SUS, 2016).

Em 2014, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e o Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD/LGBT) determinaram novos parâmetros para acolhimento às pessoas LGBTs em privação de liberdade, entre elas: uso do nome social, direito à visita íntima, atenção integral à saúde, estando garantidos o tratamento hormonal e o acompanhamento específico necessário, direito ao auxílio-reclusão aos dependentes, inclusive ao cônjuge ou companheiro do mesmo gênero, e espaços de vivência específicos (Cidadania e Justiça, 2014).

Conforme panorama apresentado no Quadro 1, podemos perceber os avanços conquistados na construção de políticas públicas voltadas para as pessoas trans.

Quadro 1 – Políticas públicas voltadas à saúde das pessoas trans.

Portarias

Portaria GM/MS nº 1.707, de 18 de agosto de 2008

Institui o Processo Transexualizador no SUS, pactuada na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) em 31 de julho de 2008.

Portaria SAS/MS nº 457, de 19 de agosto de 2008

Aprova a Regulamentação do Processo Transexualizador no âmbito do SUS.

Portaria GM/MS nº 2.836, de 1º de dezembro de 2011

– Institui no âmbito do SUS, a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais.

Portaria GM/MS nº 2.837, de 1 de dezembro de 2011

– Redefine o Comitê Técnico de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Comitê Técnico LGBT).

Portaria GM/MS nº 2.803, de 19 de novembro de 2013

Redefine e amplia o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS).

Resoluções

Resolução CREMESP nº 208, de 27 de outubro de 2009

Dispõe sobre o atendimento médico integral à população de travestis, transexuais e pessoas que apresentam dificuldade de integração ou dificuldade de adequação psíquica e social em relação ao sexo biológico.

Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 1.955/2010

Autoriza a cirurgia de transgenitalização do tipo

neocolpovulvoplastia e/ou procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários como tratamento dos casos de transexualidades.

Resolução CIT nº 4, de 19 de julho de 2012

Dispõe sobre a pactuação tripartite acerca das regras relativas às responsabilidades sanitárias no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), para fins de transição entre os processos

operacionais do Pacto pela Saúde e a sistemática do Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde (COAP).

Resolução CFP nº 01/2018, de 29 de janeiro de 2018

Estabelece normas de atuação para as psicólogas e os psicólogos em relação às pessoas transexuais e travestis.

Pareceres e Notas Técnicas Parecer CFM nº 8 de 22 de fevereiro de

2013

Terapia hormonal para adolescentes travestis e transexuais e protocolos de atendimento.

Nota Técnica CONASS nº 02, de 18 de

março de 2013 Redefine e amplia o processo transexualizador.

Nota Técnica do Conselho Federal de Psicologia (CFP), de 30 de julho de 2013

Sobre processo transexualizador e demais formas de assistência às pessoas trans.

As políticas públicas buscam pautar-se na Constituição Federal, referem-se às leis, regulamentos, normas, portarias que regulam os serviços que beneficiam e/ou afetam a comunidade, possibilitando a garantia de direitos humanos de cidadãos. Entretanto, como forma de concretizar direitos, as políticas públicas também se mostram fundamentais para a contenção das desigualdades sociais, de todas as formas de preconceito e discriminação e tantas outras manifestações de injustiça social que entravam a realização da cidadania plena. Nesse contexto, além construir meios de exercício pleno da cidadania, através da atuação junto às políticas públicas, é fundamental intervir para a efetivação destas.

3 OBJETIVOS

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