• Nenhum resultado encontrado

A POLITICA IMPERIAL DE D JOÃO V PARA O SERTÃO DA ÁFRICA ORIENTAL:

No documento Anais de História de Além-Mar (páginas 139-167)

GUERRA E DIPLOMACIA NOS RIOS DE SENA

por

1. Os portugueses na África Oriental e a ascensão rozvi

No decurso da centúria de Seiscentos, os interesses portugueses na África Oriental tinham-se dirigido para o planalto karanga, a sul do rio Zambeze. O comércio do ouro constituíra o principal atractivo da região, mas o desi- derato de explorar directamente as minas, sobretudo de prata, sustentara a formulação recorrente de programas de colonização europeia dirigidos pela Coroa. Sucessivamente abandonados ou apenas cumpridos parcialmente, esses projectos haviam sido suplantados pela actividade de mercadores par- ticulares, que se moviam pelas feiras do planalto, em busca do ouro, mas também do marfim. À captura do ouro pelo trato, juntara-se, entretanto, a exploração directa das jazidas limítrofes das feiras, levada a cabo pelos escravos dos mercadores. Embora prevalecesse a liberdade comercial no sertão, permitindo a todos os moradores participarem nesta actividade, o comércio efectuado com a região constituía, salvo por breves períodos, um monopólio, que durante Seiscentos estivera arrendado aos capitães de Moçambique ou a uma companhia de comércio e desde 1699 era adminis- trado pela Coroa através da Junta de Comércio de Moçambique e Rios de Sena. As rotas comerciais que saíam da costa oriental africana dirigiam-se a vários portos do Estado da Índia2.

A penetração portuguesa no interior da África Oriental conduzira ao domínio territorial do vale do Zambeze, os Rios de Sena, onde as terras conquistadas – as Terras da Coroa – tinham sido divididas em prazos. Tanto o usufruto como a administração dessas terras tinham sido entregues aos súbditos da Coroa em recompensa de serviços. Grande parte do poder mili- tar da Coroa portuguesa na região dependia dos exércitos dos senhores dos prazos, os quais eram constituídos principalmente por escravos. Ao longo do rio, encontravam-se as três povoações portuguesas mais importantes: Quelimane, no delta, era então o principal porto da zona; Sena, 60 léguas acima, afirmou-se como a capital; outras 60 léguas mais a norte, localizava-se Tete, a porta preferencial de entrada nas feiras do planalto. A principal auto- ridade portuguesa na região, dependente do governador da capitania com assento na ilha de Moçambique, era o capitão-mor dos Rios, cargo geral- mente atribuído ao capitão-mor de Sena, ao qual se sobrepôs, na conturbada conjuntura de finais de Seiscentos, um tenente-general e governador dos Rios de Sena.

A expansão territorial e comercial fizera-se em aliança ou confronto com os principais poderes da região. Toda a zona do planalto era dominada por linhagens karangas, cujo poder se estendera ao vale do Zambeze pouco 2 Ver, por exemplo, Eric AXELSON, Portuguese in South-East Africa 1600-1700, Johannesburg,

Witwatersrand University Press, 1969; Maria Benedita de ARAÚJO, O giro moçambicano. Subsídio para a História de Moçambique (1498-1752), Coimbra, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, 1992, pp. 127 segs; Manuel LOBATO, «Os regimes de comércio externo em Moçambique

antes de os próprios portugueses avassalarem o território e que tinham estado na origem da construção de vários Estados. As principais feiras aurí- feras frequentadas pelos mercadores dos Rios de Sena localizavam-se na Mukaranga, o mítico império do Monomotapa, governado pelos mutapa; em Manica, onde o poder era exercido pelos chikanga: e, por fim, no Quiteve, administrado pelos sachiteve. O Barue, onde as jazidas de ouro eram exíguas, situava-se no caminho entre os estabelecimentos portugueses do vale do Zambeze e as feiras, pelo que as relações com os seus chefes, os makombe, adquiriam também relevância.

Até ao final de Seiscentos, a política da Coroa portuguesa em relação aos Estados africanos desta parte do império orientara-se em torno do reconhe- cimento das conquistas promovidas pelos funcionários régios ou pelos mora- dores, com os seus exércitos de escravos, e, conjunturalmente, pela organi- zação de planos de colonização régia destinados a explorar directamente as minas de ouro e, mormente, de prata. Importa destacar aqui as relações com os mutapa, que sempre foram vistos pelos portugueses como os senhores do grande império do Monomotapa, com tutela sobre os outros Estados karan- gas. Tendo passado de inimigos a aliados da Coroa de Portugal, os termos do tratado de 1629, imposto na sequência do auxílio militar prestado ao mutapa Mhavura, tinham-nos reduzido a meros vassalos. A tutela dos portugueses sobre os mutapa variou em função das conjunturas e faltam testemunhos do efectivo pagamento do tributo estabelecido por esse tratado. Assim, o prin- cipal símbolo político dessa tutela foi o presídio mantido pela administração portuguesa no zimbabwe, a corte dos mutapa. De reduzido poder militar, esta guarnição de 24 homens era justificada pela necessidade de proteger os mutapa dos que lhe disputavam o poder, num sistema político que tinha como norma prescritiva a sucessão dentro da adelfia, mas no qual a ocupa- ção do zimbabwe implicava contendas duradouras. Saliente-se, contudo, que a permanência desse presídio era encarada pelos funcionários da Coroa por- tuguesa como a melhor forma de manter a sua influência junto dos mutapa e de a evidenciar perante os outros poderes africanos. Além do presídio, a Coroa portuguesa instalou uma freguesia no zimbabwe e o baptismo passou a integrar os rituais de entronização dos mutapa3.

3 Alexandre LOBATO, Evolução administrativa e económica de Moçambique. 1752-1763,

Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1957; Alexandre LOBATO, Colonização senhorial da Zambézia

e outros estudos, Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, 1962; E. AXELSON, Portuguese in South-East…; David BEACH, The Shona and the Zimbabwe 900-1850, London, Heineman; New

York, Africana; Gwelo, Mambo Press, 1980; David BEACH, The Shona and their Neighbours,

Oxford UK / Cambridge USA, Blackwell Publishers, 1994; S. I. G. MUDENGE, A political history of Munhumutapa c. 1400-1902, Harare, Zimbabwe Publishing House, 1988; Allen ISAACMAN,

Mozambique: the africanization of a european institution. The Zambezi Prazos 1750-1902, Madison, The University of Wisconsin Press, 1972; M. D. D. NEWITT, Portuguese settlement on the

Zambesi, London, Longman, 1973; Malyn NEWITT, A history of Mozambique, London, Hurst & Company, 1995; José CAPELA, Donas, Senhores e Escravos, Porto, Afrontamento, 1995; Eugénia

RODRIGUES, Portugueses e Africanos nos Rios de Sena. Os prazos da Coroa nos séculos XVII e

Nas últimas décadas do século XVII, a ascensão da dinastia dos changa- mira em Butua, no sul do planalto, conduziu a um conjunto de mudanças na arquitectura política da região a sul do Zambeze. Essa dinastia surgira associada aos rozvi, denominação dada pelos portugueses aos seus soldados, mas que, na verdade, correspondia a um conjunto de diferentes linhagens seguidoras daqueles chefes. Butua era conhecida dos portugueses como a «Mãe de Ouro», de onde era extraído o metal do melhor quilate. O poder dos changamira fora construído em confronto, a norte e a leste, com os mutapa e os portugueses e, a sul, com os torwa. Ao longo dos anos de 1670, os portugueses enfrentaram dificuldades crescentes nas trocas comerciais com Butua e, no início da década seguinte, o changamira dominava já as terras a leste de Manica, aproximando-se das feiras da Mukaranga. Em 1693, apa- rentemente aliado ao mutapa Nyakunembire, atacou a feira de Dambarare, a mais importante do planalto, eliminando parte dos seus moradores e provo- cando a fuga dos restantes, aliás, como dos que habitavam noutras feiras4. Os ataques repetiram-se em 1695, desta vez à feira de Manica, e em 1702, à Mukaranga, onde alguns mercadores haviam regressado, provocando novas debandadas. Na viragem para o século XVIII, os portugueses perdiam, assim, o domínio das feiras do planalto e os mutapa viam ser-lhes amputada grande parte do território5.

A perda do controlo sobre as feiras localizadas na Mukaranga e em Manica, tal como as intensas movimentações militares na região, afectara dramaticamente as actividades económicas dos mercadores dos Rios de Sena. Algum comércio continuava a processar-se, embora com elevado risco e com um volume reduzido, mas a mineração do ouro levada a cabo pelos escravos dos mercadores nos territórios circunvizinhos das feiras estava definitivamente comprometida. Os mercadores acabariam por refluir para junto da margem sul do Zambeze, tentando obter aí um ouro de menor qualidade e oportunidades de negócio mais reduzidas. Além disso, reorien- taram a sua actividade para a região a norte do rio Zambeze, o país dos maraves, onde passaram a explorar minas com um ouro de menor marca e menos abundante6.

4 Às principais feiras das primeiras décadas do XVII, Massapa, Luanze e Bocuto, junta-

ram-se, a partir da década de 1630, Dambarare, Chipiriviri, Urupande e Matapfunya e, já no final do século, surgiram Ongoé e Maramuca. Para além destas, funcionavam as feiras de Manica, em Chipangura ou Macequece, Matuca e Vumba, e outras menos importantes no Quiteve.

5 D. BEACH, The Shona and the Zimbabwe…, pp. 220 segs.; D. BEACH, The Shona and their

Neighbours, pp. 119 segs.; E. AXELSON, Portuguese in South-East…, pp. 182 segs; S. I. G. MUDENGE,

A political history…, pp. 288 segs. E. RODRIGUES, Portugueses e Africanos…, pp. 178 segs.

6 «Resposta dada pelo Rev.mo administrador episcopal de Mossambique e Rios, o mestre

Fr. Manoel de Santo Thomas», 19 de Junho de 1723, in O Chronista de Tissuary, n.º 39, 1869, p. 62; «Relaçao das Missoens da Provincia de Goa da Companhia de Jesus, in George McCall THEAL, Records of South-Eastern Africa collected in various libraries and archive departments in Europe, Cape Town, 1964, vol. V, pp. 210 segs.; Relação de Fr. Francisco de Santa Catarina (1744), in C. R. BOXER, «A dominican account of Zambezia in 1744» in Boletim da Sociedade de

As notícias sobre a expulsão dos portugueses das feiras da Mukaranga e de Manica chegaram a Lisboa, logo seguidas das da descoberta de novas jazidas de prata na zona da Chicova, em 1696, e foram encaradas com natu- ral apreensão. O vice-rei António Luís Gonçalves da Câmara Coutinho (1698- -1701), de partida para a Índia, foi incumbido de obter mais informações e de tomar medidas para povoar os Rios. Nesse sentido, e dada a alta mortali- dade dos europeus, foi expressamente revogada qualquer anterior proibição de os goeses se deslocarem para a região. Além disso, a Coroa decidiu robus- tecer militarmente o sertão, ordenando a remessa para os Rios dos já aclima- tados homens da fortaleza de Moçambique, a serem substituídos por novos reforços idos do reino7. O vice-rei deteve-se em Moçambique, onde se con- venceu da premência de salvar os Rios e explorar a prata. Pediu 200 solda- dos do reino para enfrentar o changamira já que o terror infundido pelo seu nome junto dos africanos inibia qualquer ofensiva militar dos exércitos dos moradores dos Rios8.

No início do reinado joanino, as prioridades de Lisboa e de Goa em relação à África Oriental centravam-se na retoma do comércio, através da reabertura das feiras do planalto, e na averiguação das possibilidades de explorar as minas de prata da Chicova. Associado a estes objectivos econó- micos, estava o desiderato político de recuperar a hegemonia portuguesa no território a sul do Zambeze e, juntamente, o prestígio da Coroa junto dos poderes africanos. Imperativos políticos e económicos obrigavam a agir, particularmente, junto dos dois principais poderes da região: o mutapa e o changamira.

2. Os portugueses e os mutapa

A permanente instabilidade política, frequentemente assumindo a forma de guerra aberta, iria afectar profundamente o comércio e o domínio terri- torial dos portugueses na região a sul do Zambeze, empurrando-os cada vez mais para o vale, na zona de Tete9. A administração portuguesa do Estado da Índia tentara levar os funcionários e os moradores a reassumirem o con- trolo das feiras do planalto, das quais o comércio dos portos indianos estava muito dependente. O vice-rei Caetano de Melo e Castro (1702-1707), persis- tindo na orientação para fortificar as posições portuguesas na região, optara por uma estratégia ofensiva, tal como fizera quando governara a região,

7 Carta régia para o vice-rei, 28 de Fevereiro de 1698, Biblioteca da Ajuda (doravante BA),

51-VII-34, fl. 35. Ordem idêntica seguiu em 1700. Carta régia para o vice-rei, 11 de Março de 1700, in G. M. THEAL, Records…, vol. V, p. 1.

8 Carta do vice-rei para o rei, 12 de Dezembro de 1698, BA, 51-VII-34, fls. 35-36; Instrução

ao tenente-general e governador de Moçambique e Rios de Sena Jacome Morais Sarmento, 15 de Janeiro de 1699, BA, 51-VII-34, fls. 101-104.

entre 1683 e 1686. Em 1704, o novo capitão-general, D. João Fernandes de Almeida, chegou aos Rios com o engenheiro Francisco Pereira Valentão para fortificar as povoações do vale do Zambeze e as feiras da Mukaranga e Manica. Levava também ordens inflexíveis quanto à política a seguir face aos Estados karangas. O mutapa Samutumbu, colocado no poder pelo changa- mira, deveria ser combatido e substituído, excepto se confirmasse a aliança com os portugueses. Em qualquer dos casos, o vice-rei considerava impe- riosa a rápida reposição do presídio do zimbabwe para recuperar a fama portuguesa no processo de escolha dos mutapa. Porém, por volta de 1706, a investida do governador contra Samutumbu, em aliança com o seu competi- dor Gende, saldou-se numa pesada derrota e num acréscimo de descrédito para as armas portuguesas10. E, apesar de terem sido construídos fortes em Sena e Tete, o governador não conseguiu chegar às feiras do planalto. Os acontecimentos subsequentes continuaram a desestabilizar a situação política na Mukaranga. Samutumbu faleceu pouco depois, sucedendo-se durante os anos seguintes lutas pelo poder, mormente entre as linhagens de Boroma e Nyamhandu11.

Condensando a visão da administração portuguesa sobre a situação política na Mukaranga, nas duas primeiras décadas de Setecentos, um vice- -rei afirmava:

«Os emperadores de Manamotapa são hoje tão amoviveis do seu trono que não tem nelle mais segurança que a que lhe permitem outros muitos regulos, porque com qualquer leue ocazião se juntão, e lhe fazem tão viva guerra athè que o matão, e levantão outro em seu lugar»12.

Os moradores dos Rios de Sena, em particular de Tete, e os funcionários régios envolviam-se frequentemente nessas disputas, divergindo no auxílio aos vários competidores pelo zimbabwe. De facto, os poderosos moradores dos Rios de Sena agiam como qualquer outro chefe da região, procurando firmar o seu prestígio e encontrar alianças que lhes permitissem aumentar o seu poder e continuar a negociar. Frequentemente, ignoravam as ordens enviadas de Goa, onde as preocupações estavam mais associadas à forma de manter o prestígio da Coroa portuguesa e ao volume global do comércio entre a costa oriental africana e os portos da Índia. Entre os distintos pre- tendentes ao zimbabwe, Nyamhandu terá conseguido reunir maiores apoios 10 E. RODRIGUES, Portugueses e Africanos…, pp. 199 segs.; S. I. G. MUDENGE, A political

history…, pp. 297 segs.

11 D. BEACH, The Shona and the Zimbabwe…, p. 144; S. I. G. MUDENGE, A political history…,

p. 299.

12 Carta do vice-rei para o rei, 23 de Novembro de 1712, Biblioteca Nacional – Lisboa

(doravante, BN-L), Res., FG, cód. 8529, fl. 137. Ver, também, Carta do vice-rei para o rei, 7 de Janeiro de 1719, in Júlio Firmino Júdice BIKER, Collecção de Tratados e concertos de Pazes que o Estado da India Portugueza fez com os Reis, e senhores com quem teve relações nas partes da Asia e Africa Orientaldes de o principio da conquista até ao fim do século XVIII, Lisboa, Imprensa Nacional, 1887, vol. XII, p. 103.

entre os karangas, não logrando, contudo, ser reconhecido como mutapa13. Por volta de 1710, ocupou sem resistência os prazos da região de Tete para forçar os portugueses a fornecerem-lhe o presídio habitual. Para além de tentar aumentar a sua segurança, Nyamhandu visava, sem dúvida, obter um suporte exterior tendente a reforçar a sua legitimidade perante os karangas. Contudo, a maior parte dos moradores dos Rios de Sena, manifestamente descrentes das suas possibilidades de êxito, recusou-se a despachar o presí- dio, alegando que ele não se instalara na zona dos zimbabwe14. Pelo contrá- rio, o capitão-mor dos Rios, D. José da Costa, optou por o combater, enviando um exército comandado por um dos principais moradores, João Távora de Sampaio, com um príncipe, provavelmente Gende, que estava alo- jado nas suas terras. Essa medida não colheu a aprovação do tenente-gene- ral interino, Manuel Gonçalves Guião, um recém-chegado aos Rios, que, através do casamento com uma das principais viúvas da região, rapidamente se tornou um grande senhor de prazos e um rival de Távora de Sampaio. Guião ordenou que o exército se recolhesse e intimou Gende a sair das terras de Sampaio15. No ano seguinte, o novo tenente-general, Rafael Álvares da Silva (1710-1715), deslocou-se ele próprio a Tete para expulsar Nyamhandu das terras ocupadas, mas faltou-lhe o apoio dos senhores dos prazos16. Na verdade, tudo indica que os moradores dos Rios de Sena, cujos exércitos eram fundamentais para qualquer acção militar17, estariam muito divididos sobre a linhagem a apoiar e tentavam estabelecer alianças com distintos príncipes para negociar nas suas terras.

13 De acordo com S. Mudenge, Nyamhandu seria um filho de Samutumbu. S.I.G. MUDENGE,

A political history…, p. 300. É certamente impossível averiguar todos os candidatos em disputa pelo poder. No início de 1710, o vice-rei agradecia ao capitão-mor Manuel da Costa ter obrigado o mutapa Semotane a habitar o verdadeiro zimbabwe, onde ele não queria residir com receio da rebelião dos seus súbditos. Carta do vice-rei para o capitão-mor Manuel da Costa, 17 de Janeiro de 1710, Historical Archives of Goa (doravante, HAG), cód. 784, fl. 55v. Mas em carta de 9 de Dezembro desse ano, já informava D. João V da sucessão de Gende. Carta régia para o vice-rei, 16 de Agosto de 1710, BN-L, Res., cód. 8529, fl. 137. D. Beach defende que neste período governaram Gende, Mupunzagutu, Gupo e Sakapio. Destes, apenas Gende é referido nas fontes portuguesas coevas. D. BEACH, The Shona and the Zimbabwe…, p. 144.

14 Carta do vice-rei para Manuel Gonçalves Guião, 18 de Novembro de 1710, HAG,

cód. 784, fl. 73-73v. O vice-rei, porém, considerava que se Nyamhandu tivesse apoios suficien- tes para se manter no poder, devia ser-lhe fornecido o presídio, não sendo justo introduzir novo mutapa. Carta do vice-rei para o tenente-general dos Rios Rafael Álvares da Silva, 13 de Novembro de 1710, HAG, cód. 784, fl. 69-69v.

15 Carta do vice-rei para Manuel Gonçalves Guião, 18 de Novembro de 1710, HAG, cód.

784, fl. 73-73v; Carta do vice-rei para o capitão-mor dos Rios D. José da Costa, 19 de Novembro de 1710, HAG, cód. 784, fl. 76v.

16 Carta régia para o vice-rei, 17 de Setembro de 1711, in G. M. THEAL, Records…, vol. V,

p. 32; Carta do vice-rei para o tenente-general Rafael Álvares da Silva, 3 de Novembro de 1711, HAG, cód. 784, fl. 89-89v.

17 Eugénia RODRIGUES, «A africanização da guerra nos Rios de Sena no Século XVIII» in

Actas do XXIV Congresso Internacional de História Militar. A Guerra e o Encontro de Civilizações a partir do Século XVI, Lisboa, CPHM, 1999, pp. 702 segs.

A posição do governo joanino quanto aos sucessos na África Oriental foi expressa apenas em 1709, quando as notícias sobre os desastres militares de Fernandes de Almeida chegaram a Lisboa. Envolvido na guerra no solo europeu, com os territórios atlânticos assediados pelos corsários franceses e, provavelmente, com parcas informações sobre a situação leste-africana, D. João V ordenou ao vice-rei a convocação do Conselho de Estado e a audi- ção dos antigos governantes de Sena para encontrar os instrumentos ade- quados à conservação dos Rios de Sena18. A relevância para a Coroa deste território no conjunto do império seria evidenciada nos anos seguintes. Embora o ouro do Brasil já começasse a afluir a Portugal, em 1710, o rei exigia relatórios anuais sobre a evolução dos acontecimentos na região aurí- fera da África Oriental, que destacava como «as terras mais ricas» dos seus domínios, donde o imperativo da sua conservação. Logo depois, deixando de evidenciar o primado da opulência dos Rios de Sena no império, o monarca passou a salientar a efectiva importância do comércio da África Oriental para o Estado da Índia. Os principais vectores da política régia para a região definiram-se em torno da conservação da integridade territorial e da segu- rança dos negócios com os karangas. Tendo em vista esses fins, declarou ser imperioso fortificar os Rios, aliás, segundo um plano delineado pelo cosmó- grafo-mor Manuel Pimentel, e conservar a aliança com os mutapa19.

No documento Anais de História de Além-Mar (páginas 139-167)