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A organização do conhecimento humano é orientada por estudos que, em geral divididos, isolados, dificilmente se comunicam. Os problemas da vida real, do cotidiano, são cada vez mais polidisciplinares nas palavras de Edgar Morin (2010), e para equacioná-los, seria necessário religar os saberes que as diferentes culturas acumularam. Todavia, em se tratando de processar conhecimentos, o ser humano ainda não conseguiu uma equação que ofereça caminhos para superar problemas sérios como a fome, as guerras e a exploração humana.

A separação dos saberes humanos não contribuem para a solução dos obstáculos que a humanidade encontra em sua jornada por este planeta, como também por seu bairro. Retalhar a realidade, como aponta Morin, torna mais difícil compreender o que é tecido junto, aquilo que se conecta, pertence e interage; somos todos parte deste todo e sendo parte, também representamos o todo. O contato cada vez mais frequente e profundo com a experiência fílmica ajudaria alunos a perceber cada vez mais esta relação parte-todo, o quanto e como cada pessoa pertence à vida.

A ciência, de modo geral, é exploratória, investigativa por natureza, para seu desenvolvimento, precisa de pessoas com a cabeça aberta, com a visão ampliada e com interesse para aprofundarem-se nas questões em que se debruçam. O que percebe-se como consequência dessa demanda é a superespecialização que impede o especialista de ver o quanto do conhecimento no qual é especializado pertence e se relaciona com o todo. É preciso que aqueles que se dedicam à construção do conhecimento, os intelectuais de toda sorte, sejam cada vez mais polivalentes, ter a dimensão ampla dos problemas que buscam responder. Serem capazes de refletir sobre cultura de modo profundo e de lidar com as incertezas destes tempos. Esta é uma demanda necessária para a vida de todos neste planeta.

No pensamento de Edgar Morin, a educação não aparece como transmissão de saberes, mas sim como instigação, provocação para ajudar a viver de modo orgânico com o planeta. A reforma do pensamento, apontada por Edgar Morin (2010), trata de um “ensino educativo”, que para o autor busca reformar o pensamento, para então transformar o ensino. Em prefácio do livro A sala de aula em filmes, a pesquisadora Cleide Rita Silvério de Almeida coloca que

[...] para fundamentar a dinâmica do ensino educativo que não pretende apenas ministrar matéria ou empilhar conhecimento, mas desenvolver uma estratégia que pensa a formação dos alunos e busca compreender a condição humana. Vale lembrar que desenvolver estratégias implica atenção ao contexto e ao cenário onde a ação acontece, enquanto o programa está mais preocupado com seu cumprimento do que em fazer modificações diante do imprevisto. (SANCHES, 2014, p. 15).

Neste sentido, a relação com o conhecimento, para o qual a escola oferece tratamento, permite experimentar o caminho de sua construção de modo a tornar este contato uma experiência de compreensão humana. Não só educação, não só ensino, esta expressão configura o norte de uma educação preocupada em ensinar a viver, pautada em um pensamento livre.

Na vida cotidiana as experiências humanas não separam os conhecimentos, eles se relacionam, se estabelecem. As construções sociais que configuram (ou desconfiguram) as culturas são separadas por diferentes motivos e na escola sua apresentação não precisa se dar desta maneira. Filmes oferecem um modo de quebrar as barreiras criadas pelas próprias ciências do conhecimento.

Na epopeia da evolução humana, o cenário da educação precisa se apoiar em formas de experimentar a construção do conhecimento que lhes impactem para toda a vida. Filmes, assim como as diferentes formas de arte, permitem trazer uma “cultura planetária” (MORIN, 2018, p. 154) para a escola, por meio de símbolos, conhecimentos e a projeção de valores comuns. É certo que há diferentes vieses ideológicos, que nem sempre trazem valores que humanizam, mas resistir a eles também é uma forma de se humanizar.

Edgar Morin (2010, p. 15), defende que o conhecimento progride, “não por seu grau de sofisticação, mas por sua capacidade de interação” iluminando deste modo o cenário educacional. Esta luz permite que vislumbremos caminhos mais pertinentes, como nos filmes, em que o poder de contextualização inerente, associado a sua capacidade de englobar diferentes realidades, por meio de processos de identificação e relativização, conduzem o pensamento a um prisma que revela muitas possibilidades de reflexão.

Filmes aparecem para a escola de modo a reestabelecer a relação natural entre o que sabemos enquanto espécie e o que precisamos conhecer. Aos diferentes enredos fílmicos cabem projetar experiências humanas e lhes dar significado

Edgar Morin (2010) aponta que a ideia de divisão do conhecimento em disciplinas está ligada a história da criação das universidades e que a tendência à especialização vem de uma necessidade de, à época, protegê-los, no sentido de manutenção da autoridade que eles

proporcionavam e proporcionam até hoje. Repetindo essa tradição histórica de isolamento para preservação, na escola, como um espaço burocratizado, um conhecimento específico não dialoga com os demais conhecimentos presentes neste espaço, nem se relaciona com o que alunos trazem para a escola. O conhecimento na escola fecha-se em redomas intransponíveis, realidade que reflete não só o isolamento e a separação das ciências, como também a incompreensão humana de maneira geral.

A separação das disciplinas escolares permite o desenvolvimento de uma disciplina científica de modo mais profundo, o que certamente traz vantagens, entretanto, na mesma medida, essa superespecialização traz consigo, nas palavras de Morin (2010, p. 14) a “ignorância pela segregação do conhecimento”. Na tentativa de reduzir o que é complexo ao simples, “separa-se o que está ligado ao invés de reconhecer as inter-relações”. Em contrapartida a estes aspectos, filmes trazem uma reunião de saberes rica em diversidade, assim como proporciona a interação de variados conhecimentos, permitindo uma espécie de visão panorâmica, através de uma lente dotada de zoom que permitem enquadramentos, que só ali seriam possíveis.

Na procura de equacionar o ensino e a compartimentalização dos saberes, filmes, assim como o romance, o ensaio, a crônica, dentre outros, são “alimentos” para o que Morin (2010) trata como “inteligência geral”, que seriam saberes genéricos que circulam nas narrativas literárias: objeto de ensaios ou de discussões filosóficas (solidariedade, compreensão, morte, por exemplo). A presença fílmica, portanto, deve ser a ponte que auxiliará o diálogo entre estes saberes, cada vez mais isolados no caminho de construção do conhecimento, além de servirem para combater a visão de que a arte de modo geral é um “ornamento do saber” (MORIN, 2010, p. 18-19). Combater também a ideia de que o conhecimento especializado é acessível para poucos, somente para especialistas. Segundo o autor, o saber torna-se, em certa medida, esotérico, enfraquecendo a solidariedade entre o próprio conhecimento humano, pois, nesta relação fragmentada, tende-se a perder a visão de pertencimento, de totalidade.

A escola é um lugar marcado por incertezas. O imprevisto, o novo são elementos que permeiam este espaço, devido às múltiplas realidades humanas que o compõe. Em grande medida, o caráter improvisacional a que está sujeita a educação escolar liga-se fortemente a esta variedade de questões sociais que envolvem a vida dos alunos. Tragédias humanas e familiares, dramas sociais, descasos e abandono do poder público são cada vez mais comuns e influenciam negativamente os processos de mediação da construção do conhecimento e a

prazerosa relação com o aprender, especialmente em uma educação que está refém de metas internacionais.

Morin (2010, p. 57) destaca que “Há tempos não disfrutamos a assertiva de que a vida se orienta pela linearidade de começo, meio e fim”. A configuração das sociedades é caótica, em uma visão totalizante a vida humana é desprovida de lógica. Não se consegue entender quais são os sentidos de certas ações políticas, além de estarem sujeitas às oscilações eleitorais, estão sujeitas ao que nos é naturalizado pelos meios de comunicação. A velocidade das mutações tecnológicas e o impacto que imprimem sobre a vida cotidiana indica que a educação precisa viver estas transformações.

O ritmo desenfreado que estas tecnologias de comunicação permitem faz com que o ser humano não consiga se preocupar com o futuro, mal olha o passado para certificar-se do presente. Surgem com isso, um universo de problemas para os quais a escola procura saídas ou alternativas. Libertar-se de amarras ideológicas, promover emancipação social, para que alunos consigam vislumbrar seu futuro, numa perspectiva social melhor, é a preocupação da escola. E para tanto, filmes ajudam a exercitar o olhar para as incertezas, reinventando o presente, considerando o passado vislumbrando o futuro. Oferece caminhos que a escola pode explorar no sentido de tornar nossa vida neste planeta possível.

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