• Nenhum resultado encontrado

O PONTO DE VISTA DOS PROFESSORES

C. Mamífero com tecido de pelúcido para representar a pele arara com penas para

4.3 O PONTO DE VISTA DOS PROFESSORES

Para coletar as informações dos professores foi aplicado um questionário. A primeira pergunta era se o professor já havia tido contato com um deficiente visual na sala de aula antes. As três professoras responderam que não, esses são os primeiros alunos. Ao questionar se encontravam dificuldades em ensinar Ciências para esses alunos, uma respondeu que não, outras duas responderam que a dificuldade era a falta de material.

Quando se tratou dos materiais oferecidos pelo Município ou Estado, todas responderam que não são suficientes para uma boa aula, uma ainda complementou que o que é cedido são apenas cadernos com letras ampliadas. Batemos novamente na tecla de que a existência de várias leis sobre a igualdade de aprendizagem e condições não são suficientes se não forem tiradas do papel. Vimos no decorrer do trabalho que o Ensino de Ciências não consegue ser eficaz se utilizado apenas um método, há várias maneiras de se ensinar essa disciplina, porém observa-se a grande precariedade na disponibilidade de materiais advinda por parte do governo.

Das três professoras apenas uma respondeu ter formação em Educação Especial, sendo está uma pós-graduação à distância. A falta de formação dos professores também é o grande motivo para o fracasso da inclusão escolar, observa- se que apenas uma professora possui uma capacitação, e esta ainda é a distância, o que pode ter dificultado o contato com a prática e realidade.

Essa questão levanta discussões sobre a formação dos professores nas Universidades, eles saem apenas com uma bagagem de conteúdos científicos, para Nardi (2009) não estão preparados para lhe dar com as diferenças dentro da sala de aula. Ao questionar sobre o processo de inclusão, todas relatam que a escola faz o possível, mas o Estado não oferece subsídios. Outra questão indagava sobre a discriminação, apenas uma falou que observava acontecendo com seu aluno, o restante relatou um bom convívio com os colegas.

Infelizmente não é o que se observa e o motivo de os alunos não estarem concretamente inclusos não se deve apenas ao fato de a escola não ser acessível, apesar de este fator também ser um grande responsável, mas também da falta de iniciativa da equipe pedagógica em realizar cursos e palestras, bem como trabalho com os alunos visando combater a discriminação e o preconceito.

A escola esquece de buscar subsídio na mais importante Lei da Educação- A Lei de Diretrizes e Bases da Educação n° 9394/96, a qual enfatiza que o dever da escola é promover uma educação de valores a fim de formar para a cidadania, destruindo qualquer forma de preconceito ou discriminação. Somente a partir da formação de valores, é possível formar alunos com respeito mútuo as diferenças, possibilitando o convívio e a socialização, desenvolvendo um local harmonioso.

Duas professoras responderam que a escola possui adaptações necessárias para seus alunos, apenas uma relatou que a escola precisa melhorar muito. Em relação aos critérios de avaliação, duas professoras relataram fazer oralmente, a outra faz igual ao restante da turma, segundo ela o aluno consegue acompanhar bem.

Perrenoud (2002) nos traz que, um dos principais motivos do insucesso escolar é devido a escola ser indiferente ás diferenças, ou seja, tratam todos os alunos como iguais, mesmo sabendo que todos possuem grandes desigualdades. O processo de avaliação é o recurso que permite ao professor verificar o desenvolvimento do aluno em relação aos conteúdos trabalhados.

Para isso pode utilizar inúmeras metodologias, mas sempre levando em consideração as especificidades de cada aluno, visando proporcionar meios para que

todos consigam realizar a avaliação de acordo com suas limitações. Aplicar apenas avaliações teóricas para o aluno com deficiência visual acaba por incapacitá-lo na frente dos demais colegas, pois muitas das situações não se pode verificar se ele realmente aprendeu o conteúdo, ou apenas decorou.

A última questão indagava sobre o uso do material didático, todas concordam sobre sua importância, porém com argumentos distintos em relação ao cotidiano. A primeira professora relatou que o Estado não fornece, a segunda relatou não sobrar tempo durante as aulas para trabalhar o material apenas com o aluno deficiente visual, a terceira resposta é a falta de materiais para desenvolver esses modelos.

Vamos retornar aqui a discussão anteriormente feita sobre as funções de um professor, infelizmente sabemos que o sistema educacional público é defasado, não oferece condições necessárias para o aprendizado, e não recebe subsídios e investimentos suficientes.

É nessa realidade que entra aquele professor criativo, que busca a melhor forma para ensinar seu aluno e dar a ele condições igualitárias, que utiliza materiais acessíveis e faz deles grandes modelos didáticos, que explora várias maneiras de dar aulas mesmo sem a escola oferecer condições necessárias. Que se responsabiliza pelo ensino de forma efetiva planejando suas aulas de acordo com as especificidades dos alunos. No entanto, não pode-se desconsiderar que há outros fatores que também interferem nesse processo dificultando que a inclusão de fato aconteça.

4.4 ‘‘FATOS QUE NÃO SE VÊ’’

Para tentar compreender a opinião dos alunos foi realizada uma entrevista, onde eles puderam relatar um pouco da sua vivência na escola. A primeira pergunta era o que lhe deixa feliz na escola. Essas foram as respostas:

‘‘Brincar de carrinho e pecinha’’ (DAVI 2018). ‘‘Montar pecinha me deixa feliz’’ (JOÃO 2018).

‘‘Quando a professora de Ciências falta, e também gosto de jogar no computador’’ (GABRIEL 2018).

Compreender que os dois primeiros alunos ficam felizes com brinquedos manuseados e que podem sentir é fácil se tratando de que a escola também deve oferecer momentos de prazer e fantasia para o desenvolvimento afetivo da criança.

Ao ouvir o relato do aluno Gabriel, no entanto é um pouco desagradável, pois observa- se que o vínculo e a relação com a professora não vai nada bem. As condições de aprendizagem dependem da relação de confiança e afetividade do professor e aluno. Para os autores Ribeiro; Jutras (2005), quando se oferece um ambiente afetivo e seguro os alunos constroem uma imagem positiva de si, e isso facilita o alcance dos objetivos da aula, porém, no oposto, o aluno tende a rejeitar o professor e a disciplina, contribuindo para seu fracasso escolar.

A segunda pergunta era sobre tempo durante o intervalo. Davi diz que durante o intervalo passa todo tempo com sua mãe, ela lhe dá um lanche e depois o leva lavar as mãos. Gabriel fica conversando com um grupo de sete a oito amigos e caminhando pela escola. João gosta de brincar com seus colegas:

‘‘Fico passeando, brinco de rosa cheirosa e morto e vivo. ’’ (JOÃO 2018).

A próxima pergunta falava sobre a relação com os colegas, Davi falou que gostava e que se dá bem com todos. João diz:

‘‘Gosto de todos, mas nem todos brincam comigo, as vezes só três, hoje brincou só um’’ (JOÃO 20018).

Gabriel por sua vez, relatou que só gosta de alguns, pois os outros lhe chamavam de vesgo:

‘‘Quase a sala inteira faz brincadeiras de mau gosto de comigo’’ (GABRIEL,2018).

É possível refletir sobre como a discriminação e preconceito está de certa forma presente em todos os ambientes educacionais, mas especialmente no Ensino Fundamental II, onde o aluno Gabriel relatou sofrer discriminação dos colegas, mas nada se fazia a respeito. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) “ [...] o preconceito é contrário a um valor fundamental: o da dignidade humana. ’’ Ou seja, toda e qualquer pessoa é digna de merecer respeito, independente do sexo, idade, cultura, raça, religião, classe social, seu grau de instrução, já que nenhum destes citados é capaz de aumentar a dignidade de uma pessoa.

Na turma de João e Davi não se observa tanto o preconceito, mas isso não significa que ele não exista, se tratam de crianças que não veem maldade ou

problemas em ter um aluno diferente em sua sala, porém ao avançar da idade, principalmente na adolescência o preconceito começa a parecer com piadinhas de mau gosto e ofensivas.

Muitas escolas ignoram essa questão sem levar em consideração os sentimentos de seus alunos, e os constrangimentos que brincadeiras de mau gosto podem ocasionar na vida de uma pessoa. Não se observou nenhum programa dentro da escola e nem acompanhamento pedagógico para minimizar essa questão. Os alunos também se sentem menosprezados por não conseguirem acessar todos os locais da escola ou participar das mesmas atividades, por exemplo, a de recortar citada por Davi.

Da quarta a sétima pergunta tratou-se sobre o Ensino de Ciências. Davi gosta de Ciências pois, diz ser uma disciplina legal, porém prefere matemática, segundo ele a professora sempre passa textos e lê para ele, em seguida ele cópia em seu caderno ‘‘adaptado’’, o mesmo ainda relatou não sentir dificuldades em Ciências, somente em expressão numérica em matemática.

João diz que gosta de Ciências, pois aprende sobre plantas e animais, e adora os dinossauros. Fala que não tem dificuldades em Ciências, diz que a professora escreve para ele para que sua mãe possa ler em casa. Ainda relatou que o único dia diferente foi quando a professora lhe trouxe dinossauros de brinquedos para ele sentir com o tato

‘‘ A professora lê para mim, eu só escuto e guardo na minha cabecinha para quando ela me perguntar’’ (JOÃO,2018).

Gabriel tem a opinião diferente, ele não gosta de Ciências, para ele tanto as aulas quanto a professora são muito chatas:

‘‘ A professora sempre usa o livro normal, só uma vez ela levou o esqueleto, eu não tenho dificuldades, só não gosto da professora ’’ (GABRIEL,2018).

Vale ressaltar que Gabriel é o aluno que não possuía muita afinidade com a professora, voltando a citar os autores Ribeiro; Jutras (2005), as quais relatam que quando o professor não estabelece um vínculo com o aluno, esse tende a rejeitar a disciplina. Além do mais, na maior parte a afinidade e gosto pelas disciplinas vêm de como são trabalhadas. O ensino de Ciências não deve ser baseado apenas em leitura e interpretação de textos, vendo a Ciência como algo pronto e imutável.

Oposto disso, Carvalho (2004) argumenta a importância da participação dos alunos na construção de conteúdos conceituais, e não oferecer respostas prontas visando transmitir uma visão fechada de Ciências. Se o professor é capaz de buscar meios para tornar suas aulas mais atrativas provavelmente o aluno desenvolverá o gosto pela disciplina, e terá interesse em aprender e não apenas decorar para obter a nota necessária na avaliação para ser aprovado.

No universo da educação, a utilização de recursos didáticos e da tecnologia inovadora, somados a prática pedagógica adequada, busca despertar o interesse para o aprendizado, pois oferecem um conjunto de recursos importantes e ferramentas de comunicação e informações, tornando-se, assim, um componente essencial de pesquisa e um potente instrumento de ensino-aprendizagem (JUSTINO 2011, p. 73)

A oitava pergunta era em relação a acessibilidade na escola, Davi diz que não consegue se locomover sem a ajuda de sua mãe, ela relata que não deixa ele sozinho, pois ele possui um descolamento muito grande na retina e qualquer acidente pode vir causar sua cegueira total. João consegue ir a todos os lugares.

‘’Só não consigo ir na secretaria porque tem muitas curvas’’. (JOÃO,2018).

Gabriel diz não ter dificuldades, mas as escolas não têm adaptações nenhuma. Os relatos apenas confirmam as realidades observadas na escola, a lei de Acessibilidade, (Lei nº. 10.098, BRASIL,2000) infelizmente ainda está redigida apenas em papel, mas não garantida efetivamente.

A última pergunta é o que lhe deixa triste, Davi diz que ficou muito triste quando não pode mais ver os personagens da novela Chiquititas e não consegui mais ler livros normais. João fica triste durante os recreios na sala de recurso, diz que fica sozinho e ninguém brinca com ele, e também quando tem que ir ao médico tirar sangue. Gabriel fica muito triste quando é zombado pelos colegas·

Se comparar o discurso de João e Gabriel, entramos novamente na questão de preconceito e segregação nas escolas, onde os mesmos se sentem sozinhos, rejeitados pela sociedade, desprezados pelos colegas, com um sentimento de inferioridade.

A entrevista apenas confirma todo contexto desafiador citado anteriormente, apesar de frequentarem escolas bem diferentes e distantes, a metodologia utilizada

pelos professores é basicamente a mesma, leitura de textos e memorização de conteúdo.

Observa-se que o Ensino de Ciências está defasado no geral, não só para alunos com deficiência Visual, mas para os demais. Está restrito apenas a aulas expositivas perdendo todo o encanto que é proporcionado a partir do leque de atividades e metodologias diferenciadas que podem ser utilizadas. A desculpa de não utilizar uma didática diferenciada se dá muitas vezes pela falta do material, realmente nossas escolas, especialmente públicas são carentes de laboratórios, equipamentos, modelos didáticos, mas nada impede que simples experimentos e observações sejam realizadas.

Porém um dos motivos pelo qual a metodologia de se restringir apenas ao uso do quadro e livro didático pode ser explicado devido a indisciplina que ocorre, pois, o número de alunos em uma sala de aula é muito grande, o espaço muitas vezes é pequeno, e a carga horária da disciplina não é suficiente para desenvolver muitas atividades, se tornando um grande desafio para os professores.

Todos esses descasos com as necessidades destes alunos e provavelmente de tantos outros podem ser os grandes fatores que contribuem para o fracasso e evasão escolar. Afinal, ninguém gosta de frequentar um local onde não consegue ter acesso completo, sofre discriminação, tem um tratamento inferior aos demais, e ainda por cima, o aprendizado que deveria ser o grande estímulo para frequentar a escola, passa a ser algo subordinado, apenas se torna uma pressão de ter de ir à escola, pois a sociedade obriga, e não por um gosto de conhecer e explorar o mundo.

Documentos relacionados