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Pontos limitantes e fortes para a sustentabilidade da comunidade Mamangal Grande, Igarapé-Miri

maior efetividade durante a avaliação, tal qual, confere coerência no entendimento de sustentabilidade das pessoas interessadas na avaliação (DEPONTI et al., 2002). Também servirá de orientação ao longo do trabalho, já que estará entre outros aspectos, orientada para a realidade local, e incluirá a participação dos sujeitos locais.

3.2 Pontos limitantes e fortes para a sustentabilidade da comunidade Mamangal Grande,

Apesar de ser uma limitação que tem origem externa, fatores climáticos como a mudança de temperatura têm influenciado na produção, principalmente, na qualidade do açaí, podendo se agravar à medida que são eliminadas outras espécies dentro do agroecossistema. De acordo com os moradores, algumas situações são recorrentes e observadas durante a safra do açaí e que tem relação com essas mudanças de temperatura.

A respeito dessas situações, observa-se que a produção da entressafra depende muito da frequência das chuvas, durante os meses da safra do açaí, logo, quando as chuvas são poucas ou quase nada, a chamada “boneca” (inflorescências revertidas por duas brácteas) seca e caí.

Do mesmo modo, também se observa que, quando o fruto está em processo de formação e há uma mudança de temperatura drástica (clima muito quente e em seguida chuva intensa), ocorre a perda do fruto.

Em pesquisa desenvolvida por Almeida et al. (2017) a respeito da percepção das populações de várzea do estuário amazônico, sobre as mudanças climáticas e o impacto que a variação tem causado sobre suas produções, estes evidenciaram que essa população tem sentido os impactos externos, principalmente, as altas temperaturas por estar afetando a produção do açaí, e estimaram que, em um ano mais quente que o normal, a mesma pode ser reduzida em até 45%, pois, os frutos, ao sentirem as altas temperaturas, secam na árvore ou mesmo caem.

Na dimensão social, a alta dependência financeira dos ribeirinhos quanto ao açaí, e a fragilidade na renda durante a entressafra, têm sido os principais problemas que a comunidade vem enfrentando. Por esse motivo, muitas famílias sofrem com dificuldades de manterem-se durante o período de menor produção, o que tem afetado a qualidade de vida. Para Veiga et al.

(2001) uma alternativa estratégica para o mudar essa realidade, seria reduzir o que eles chamam de especialização da economia familiar, por meio da diversificação das atividades produtivas.

É através da diversificação que se tem maior autonomia nas tomadas de decisões, assim como, uma flexibilidade na base econômica, tornando os sujeitos menos dependentes das oscilações de um único mercado.

Essa dependência e fragilidade podem ser explicadas por dois fatores, o primeiro diz respeito ao açaí a valorização do açaí como única garantia de obtenção de renda. O segundo ponto refere-se a insegurança em se dedicar a outras espécies, já que as mesmas, na visão local, não possuem garantia de mercado, e sem capacidade de obter uma boa renda, o que poderia gerar apenas custos e trabalho em excesso.

Por conta dessa alta dependência, outra situação tem sido recorrente, e muitos ribeirinhos acabam por se endividar no período de baixa produção do açaí, comprometendo sua produção futura. O que acontece, é que, durante a entressafra, o mesmo se vê em uma situação

de vulnerabilidade econômica, recorrendo a empréstimos locais, comprometendo, parte dos rendimentos produzidos na safra seguinte.

Ao realizar um estudo das populações do baixo rio Meruú, em Igarapé-Miri, a respeito do impacto da valorização e aumento da demanda do açaí para a população local, Lima (2015) descreve que, devido o açaí ser a principal fonte de renda dos ribeirinhos, durante a entressafra, tem-se observado uma espécie de círculo vicioso, onde estes, têm feito o comprometimento prévio dos seus rendimentos futuros, sobre a extração do açaí, com comerciantes locais, e que se agrava, para aqueles que não possuem outras possibilidades de geração de renda, mesmo que mínima, durante esse período.

A respeito da dificuldade na comercialização de outros produtos e o baixo grau de organização da comunidade, é notado que existe um interesse por parte de alguns ribeirinhos, em manejar outras espécies, tanto nativas quanto cultivadas, para fins de comercialização, mesmo que mínima. Contudo, muitas vezes, o valor obtido pelo produto não compensa o trabalho. Assim, mesmo possuindo uma diversidade de espécies, preferem dedicar-se apenas a produção do açaí. Nesse contexto, essas limitações convergem entre si, transmitindo uma incapacidade da maioria da comunidade, em olhar para outras espécies, não a considerando como uma alternativa viável de geração de renda.

Sobre essa dificuldade na comercialização, principalmente, dos obtidos da extração dos PFNMs, Pereira et al. (2016), afirmam que a principal dificuldade desses produtos acessarem os diversos mercados, está na forma como os sujeitos se organizam, o que demonstra limitação quanto a busca por políticas de incentivo. Assim, compreende-se que é preciso fortalecer as organizações para que sejam construídas estratégias de diversificação da comercialização de outros produtos.

A insegurança na comunidade é um problema social que preocupa os moradores locais, observado, principalmente, durante o período de maior produção do açaí, por conta da maior circulação de dinheiro. O aumento de assaltos tem afetado a vida dos moradores, deixando-os em uma situação de total vulnerabilidade. Em trabalho desenvolvido nas ilhas de Abaetetuba, Tagore (2017) observou que, o aumento da demanda do açaí, tem causado alterações ambientais, econômicas, mas principalmente, sociais para as famílias, dos quais, a insegurança no deslocamento da produção, tem repercutido em modificações na rotina local, de transporte e comercialização do produto.

Sob a perspectiva da dimensão técnico-econômica, apesar de existir, de modo geral, uma dinâmica de manejo mais consciente a respeito da permanência de outras espécies dentro do agroecossistema, alguns ribeirinhos, ainda priorizam durante o manejo apenas a cultura do

açaizeiro, diversificando-o com poucas espécies florestais, apenas para garantir melhores rendimentos na produção do açaí, uma vez que, já se tem observado baixo resultado quando produzido, totalmente em sistema de monocultivo. De certo modo, esse ponto também afeta diretamente o aspecto social, já que a priorização do açaizeiro durante o manejo, enfraquece a autonomia financeira das famílias, como já foi discutido anteriormente.

Um fato que está relacionado tanto com o aspecto técnico-econômico quanto social é o tamanho das áreas e estrutura familiar, já que envolve a mão-de-obra e rendimento da produção. Os custos com o manejo, a colheita do açaí, e as respectivas sobras variam conforme a estrutura familiar. Por exemplo, uma família constituída somente por mulheres, crianças pequenas ou idosos, teoricamente, possuem maiores gastos, isso porque, para fazer o manejo da área e coletar o fruto, é necessário pagar pela mão-de-obra externa, o que reflete no valor total que permanece com a família.

Correlacionado a esse fato, o tamanho das áreas, relativamente pequenas, também afetam a dinâmica familiar. Por exemplo, como forma de independência e manutenção do novo núcleo familiar, os pais dividem suas áreas com os filhos, reduzindo-as em áreas cada vez menores, chegando ao ponto de não ser possível sua divisão, sendo outra opção, principalmente para os filhos homens, trabalhar como “peconheiro”, para outros ribeirinhos que possuem áreas maiores.

A presença do atravessador é uma fragilidade identificada, que pode afetar a relação dos cooperados com a cooperativa, enfraquecendo o movimento, visto que muitas vezes, é deixado de repassar o produto para a mesma, vendendo-o diretamente para a figura do atravessador. O envolvimento deste sujeito no processo de comercialização, reduz a chance de boas estratégias de negociações quanto ao melhor valor, além de encarecer o valor do produto fina (RESQUE, 2017).

Em relação aos pontos fortes, foram levantados os fatores favoráveis a sustentabilidade dos agroecossistemas familiares (Quadro 2). Do ponto de vista ambiental, destaca-se a existência de manejo mais consciente, com práticas conservacionista, que contribuem para a manutenção da biodiversidade, já que optaram pela permanência de uma diversidade de espécies. Além disso, entendem a importância das espécies para o sistema, fundamentais para a incorporação de matéria orgânica. De acordo com Cruz (2015) A associação MUTIRÃO é uma das responsáveis por essa conscientização, iniciando um processo de disseminação do conhecimento agroecológico na região, através de ações de diversificação da produção.

Além deste incentivo, geralmente, as experiências vividas, também repercutem na compreensão da importância de se realizar o manejo consorciado com outras espécies, visto

que, a ausência da vegetação afeta tanto a produção do açaí quanto a qualidade de vida, pois, são reduzidos possíveis recursos a serem usados pelas famílias.

Quadro 2- Pontos fortes discutido junto à comunidade Mamangal Grande, Igarapé-Miri-PA.

Dimensão Pontos fortalecedores

Ambiental

Existência de manejo mais consciente Diversidade de espécies

Fertilidade natural dos solos

Social Capacidade de acesso a recursos e informações Troca de conhecimento entre os moradores

Técnico-econômico

Produtos florestais não madeireiros (PFNM) com potencial de mercado para outras espécies

Inciativas para diversificação da renda Presença de Sistemas Agroflorestais

Fonte: Pesquisa de campo (2019)

A diversidade de espécies é um ponto que não se limita apenas a dinâmica ambiental, porém, relaciona-se também com o social e técnico-econômico, já que afeta tanto a qualidade de vida quanto o trabalho dentro do sistema. A diversificação de espécies dentro do agroecossistema, desempenha serviços ambientais e produtivos ao sistema, com a capacidade de melhorar a produção do açaí, pois, proporcionam proteção do solo, matéria orgânica e sombreamento, o que acaba por reduzir gastos com atividades de manutenção, como a roçagem, ao longo do ano. Quanto a riqueza das espécies encontradas na área, Silva A. (2018) acrescenta que existe uma variação a quantidade, e que está relacionada, na maioria dos casos, com finalidade de uso das espécies para os ribeirinhos extrativistas.

Um ponto forte que o sistema de várzea garante para os agroecossistemas, principalmente, para a produção do açaí, é a alta carga de sedimentos que são depositados todos os dias, por intermédio do fluxo contínuo da maré, sendo um elemento essencial para a fertilidade natural dos solos. Os processos e padrões ecossistêmicos nas áreas alagáveis amazônicas, determinados pelos níveis das águas e pelas alternâncias de secas e cheias, permitem pela deposição dos sedimentos, a fertilidade natural destes solos (PIEDADE et al., 2013). Essa característica também proporciona ao sistema, a ausência de elementos externos, como os adubos químicos, que caso estivessem presentes no agroecossistema, limitariam a produção, pois, haveria maiores

gastos, além de trazer um desequilíbrio para o agroecossistema, com a contaminação de rios e igarapés.

Na dimensão social, a capacidade de acesso à informação, como celulares, internet, e cursos de capacitação, permite maiores chances de acesso às informações externas, criando condições favoráveis para à gestão dos agroecossistemas familiares, tais como: o aprimoramento de técnicas de diversificação da produção, pesquisas de mercado para outros produtos, identificação de programas governamentais, com incentivos à produção familiar.

Aqui também são ressaltadas as formações realizadas pela associação MUTIRÃO, em parceria com instituições de ensino, pesquisa e extensão, que permitem abrir espaço para novas discussões.

A Associação MUTIRÃO possibilitou a criação de um espaço para formações, experimentações e debates sobre os variados temas, que tem como foco o fortalecimento dos empreendimentos familiares. Uma das principais ações de formação está relacionada ao manejo dos açaizais nativos, que tem garantido a capacidade de manejá-los, com o aumento da produtividade, sem prejuízos ao meio ambiente (REIS et al., 2015). Uma das principais ações identificada, por ações da associação, é com relação ao incremento da diversificação de espécies, com foco em sistemas agroflorestais.

A troca de conhecimento entre os moradores confere um elemento forte para a sustentabilidade, pois, muitas experiências, bem ou mal sucedidas, tornaram pano de fundo para possíveis diálogos. Os aprendizados adquiridos no cotidiano sobre práticas de manejo são repassados por gerações ou mesmo por redes de troca de conhecimento, o que confere transformações no agroecossistema ou construção de novos sistemas de produção. Para Pereira e Diegues (2010) os povos tradicionais e a respectiva produção dos seus conhecimentos, desempenham papel fundamental na conservação dos recursos naturais, tal qual suas práticas são orientadas por um contexto permeado por diversos valores e regras, próprios da cultura pela qual são difundidos.

Quanto ao aspecto técnico-econômico, observa-se a existência de inúmeras espécies com potencial a ser utilizado pelos moradores. Os produtos florestais não madeireiros (PFNM) como andiroba (Carapa guianensis Aubl.), virola/ucuúba (Virola surinamensis (Rol.) Warb), miritizeiro (Mauritia flexuosa L.), por exemplo, são produtos que podem garantir uma alternativa na diversificação da renda. Quando manejados de maneira racional possibilita não apenas a geração de renda desses produtos, como também garante a conservação da biodiversidade, gerando segurança alimentar aos que habitam em seu entorno (SILVA et al., 2018). Para Pedrozo et al. (2011), embora sejam pouco significativos nos grandes nichos de

mercado nacional, estes podem fornecer o suficiente para promover meios de vida sustentável compatível com a realidade amazônica.

A presença de Sistemas Agroflorestais (SAFs), também contribuem significativamente na dinâmica familiar, pois, mostra-se como um recurso para obtenção de renda, bem como fonte para o autoconsumo. Sobre os sistemas agroflorestais, localizados em área de várzea, as espécies frutíferas estão localizadas em meio ao açaí e as espécies florestais nativas, cumprindo a função de complemento à dieta alimentar, assim como, transformam-se em produtos para a comercialização (LIMA, 2015; SILVA A., 2018). Pensados como estratégia para diversificação da produção e uso sustentável da terra, assim como o fortalecimento do autoconsumo, os SAFs implantados na comunidade, foram sistemas incentivados pelas organizações locais, mas que tiveram como base o conhecimento e as experiências locais.

A respeito dessa estratégia, Silva A. (2018) aponta que os SAFs da várzea miriense são experiências bem sucedidas que foram adotadas ao longo dos anos, e baseadas na diversidade florística arbórea, consorciada com a palmeira do açaí. Apresentam uma dinâmica diferente da realidade da terra firme, em decorrência das características das suas áreas, mas principalmente, das estratégias que cada família adota, ou seja, o quantitativo, a espécie deixada, os arranjos, espaçamentos e finalidade de uso, tendem a variar conforme os objetivos traçados, o que permite, ao final, distintos sistemas.

Como resultado dessas estratégias de fortalecimento, a comunidade constitui abertura para iniciativas de venda de outros produtos, como por exemplo, o cupuaçu, cacau, andiroba, e o palmito obtido do manejo, demonstrando um interesse em diversificar a produção, porém, é preciso fortalecer a organização social, já que muitos ainda comercializam de forma individual, o que certo modo, dificulta essa abertura de mercado.