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3. O nascimento da imprensa no Brasil

3.3. Marcas de oralidade nos jornais oitocentistas

3.3.3 Pontuação e recursos gráficos convencionais

No começo do jornalismo impresso no Brasil, escrever era, em grande parte, registrar as interações como elas ocorriam na oralidade. Em uma época na qual a ortografia do português brasileiro ainda engatinhava, pontos, vírgulas, travessões, aspas e parênteses foram empregados, muitas vezes, de forma irregular e não convencional para expressar um tom mais firme ou acrescentar um comentário. Os sinais ortográficos, embora usados de forma gratuita, interferindo na articulação textual, exerceram um papel fundamental, principalmente nos artigos que refletiam o discurso panfletário e dialético da época. Seu uso favorecia a cadência textual e envolvia o leitor com o claro objetivo de provocar impacto.

O trecho a seguir revela a tendência rítmica da pontuação no início da imprensa, cuja entoação e cadência do texto são fornecidas mais pelo ato da leitura (em voz alta ou baixa) e menos pelas pistas dadas pelos sinais de pontuação.

Pelo que temos expendido sobre princípios de direito natural e a vista do nosso mesmo exemplo, ficaõ aniquiladas as matracadas luciferinas do monótono Cruzeiro, com que nos aturde diariamente, pondo todo o beneficio da parte do Imperante, e toda a obrigaçaõ da parte da Naçaõ; confundindo as palavras offerecer, e outorgar = S.M.I. do Brazil offereceo; e a Portugas outorgou: Sr. Cruzeiro nisto á grande differença; naõ confunda ideas, destruindo dest‟arte o equilíbrio, e garantias da Constituiçaõ (Tit. 3º art, 9) Fica confundida a rinchada do seu Correspondente = Amigo de Todos = quando disse, que S.M.I. era Chefe dos Brazileiros ainda antes da sua Independência: se o Brazil fazia então parte da Monarchia Portugueza, se obedecia a El Rei D. João 6º, como podia ter outro Chefe alem d‟Elle?. A Legitimidade começa no Brazil na Pessoa do Sr. D. Pedro Iº para sua Decendencia Legitima (const. Tit. Iº art. 4.: Cap. 4 art. 117) Dice Sr. Cruzeiro,

Sr. amigo-taes cabeças taes sentenças. (Diario de Pernambuco nº 127, 15/06/1829)

Neste fragmento, percebe-se um emprego arbitrário dos sinais de pontuação, que caracterizou de forma mais intensa os editoriais das décadas de 20, 30 e 40 do século XIX. A vírgula é o sinal mais usado, inclusive em contextos em que era permitida pelas regras gramaticais da época, mas que foram abolidas das gramáticas atuais, como antes da conjunção e na separação de apenas dois termos enumerativos: “confundindo as palavras offerecer, e outorgar”. Outro exemplo de abuso ortográfico se encontra no uso da vírgula antes do início de uma oração, considerado incorreto para os padrões gramaticais vigentes no período: “quando disse, que Sua majestade Imperial era Chefe dos Brazileiros”.

Segundo Gomes, o ponto final, também nos editoriais, é o que apresenta menor ocorrência. Sua presença mais expressiva é no fechamento dos parágrafos, exercendo a função de pontoparágrafo. Neste sentido, em determinadas passagens nas quais o emprego do ponto era esperado, ele é substituído por outros sinais de pontuação, como o ponto e vírgula: “e toda obrigação da parte da Nação; confundindo as palavras offecer, e outorgar = Sua Majestade Imperial ao Brazil offereceo”. Gomes indica que uma provável explicação seria a de que o ponto final poderia representar, segundo as normas da época, uma pausa maior, estritamente ligada a uma mudança de assunto.

Não foi apenas o ponto que teve seu uso modificado, tal como se conhece hoje. No mesmo trecho, verifica-se a presença do sinal de igualdade, que cumpre o papel do travessão que, segundo Bechara, “pode substituir vírgulas, parênteses, colchetes, para assinalar uma expressão intercalada” (BECHARA, 1999, p. 612).

Alguns redatores de jornais oitocentistas também fizeram empréstimos de construções do espanhol que não tiveram sucesso no português brasileiro, como o uso de sinais invertidos no início das orações para marcar frases interrogativas e exclamativas.

¿He possivel que homens de letras, que Juris-|consultos abalizados assim vão de encontro aos prin-|cipios mais triviaes do direito cosntitucional, e que |

ignorem que a única garantia para a Liberdade poli-|tica consiste no equilibrio e harmonia dos Poderes | politicos? (Diario de Pernambuco nº 113, 01/07/1835)

Outros sinais de pontuação, como as aspas, os parênteses e os colchetes não se limitaram à ornamentação textual dos jornais oitocentistas, mas permitiram estabelecer uma maior aproximação entre o autor e o leitor.

Não | pode haver huma conversação política, que | fraternise todos os homens (dizemos nós, | e parece-nos que com alguma exacção) quando existem constitucionalmente tantas ensanchas ao crime! (Diario de Pernambuco nº 1, 02/01/1838)

Itálico, negrito, caixa alta ou versal, também eram utilizados pelos redatores do século XIX por conta dos poucos recursos tecnológicos a que tinham acesso. Essas representações gráficas sugeriam informações relevantes, sinalizavam um acento mais forte ou indicavam uma entonação diferente. O trecho em itálico a seguir foi colocado ao final do texto pelo jornalista com o intuito de resumir sua idéia central.

Só a Lei he a authoridade, e a Liberdade; fora da Lei não se acha, se naõ a usurpaçaõ, e a revolta. (Pagès, Droit Politique) (Da Aurora Fluminense) (Diario de Pernambuco nº 60, 16/03/1829)

Segundo Gomes7, há outras funções do itálico, também exercidas pelo negrito e pelo versal, como:

- inserir citações e destacar trechos em língua estrangeira:

Já Dante havia dito: Ai regi qui son | molti e buon son rari, são muitos os | reis e raros são os bons. (A provincia nº 26, 03/12/1872)

- sublinhar títulos (função também exercida pelo negrito e o versal5)

Louca obstinação dos sectarios do poder absoluto (Diario de Pernambuco nº 148, 14/07/1829)

- ressaltar o nome do jornal juntamente com o título (negrito e versal):

O CAPIBARIBE PERFIDIA DAS PERFIDIAS (O Capibaribe nº 52, 16/12/1848)

7

Disponível em: http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/cd/Port/130.pdf. Acessado em novembro de 2008.

3.3.4 Interjeição

A presença de interjeições nos editoriais oitocentistas reafirma a forte relação entre a oralidade e a palavra escrita nesta época. Segundo o lingüista brasileiro Luiz Antônio Marcuschi, “a interjeição é o único fenômeno lingüístico exclusivo da língua falada. Assim mesmo quando ocorre na escrita, geralmente em contexto de diálogo, representa uma situação de fala” (MARCUSHI, 1993, p. 221). Segundo ele, a localização da interjeição é no início de um sintagma ou oração e raramente no interior, podendo ocorrer, às vezes, no final, como no exemplo a seguir: “Ó meus filhos, deixai de fazer-vos tão funesta guerra: cessai de lacerar as entranhas da vossa Pátria, e de empregar as vossas forças em a destruir. (Diario de Pernambuco nº 167, 07/09/1835)”. Neste trecho, o uso da função fática é fundamentado pelo caráter emotivo do texto, que favorece o envolvimento do leitor.