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A PONTUAÇÃO E OS TIPOS DE fRASE

No documento Organização de Rui Torres (páginas 101-103)

em um burAco nA bocA Análise de umA AmostrA

3. DELIMITAÇÃO DA AMOSTRA 1 CRITÉRIOS PARA A ANÁLISE

3.2. A PONTUAÇÃO E OS TIPOS DE fRASE

Como ficou explicitado na definição de “frase”

supra (cf. Houaiss, 2001), no método tradicional,

reconhecem-se as frases através da maiúscula inicial e do ponto (ou de um sinal equivalente no fim). É sabido que a unidade frásica não aceita a translineação do parágrafo, visto que parte dela não pode finalizar um parágrafo e a outra par- te começar o seguinte. Contudo, em Um buraco

na boca, isso não será assim porque muitas das

orientações padronizadas foram subvertidas. No texto de António Aragão, o início frásico será com minúscula, em vez de maiúscula. Além dis- so, uma frase pode começar no fim de um pará- grafo e terminar no início do seguinte, sem que o corte do parágrafo quebre a unidade da frase. A passagem de uma frase de uma linha para a outra acontece na poesia em verso (“enjambe- ment”) e seria impensável na prosa, mas este processo não é impeditivo para António Aragão, que parece apreciar “fragmentar” a frase do texto narrativo. Todavia, segue um padrão, visto que esta fragmentação se faz, quase sempre, após o elemento de ligação discursiva e sem qualquer pontuação a assinalar o corte.

Gráfico 2. Sinais de pontuação por página

Relativamente à pontuação, de todos os sinais, o ponto é amplamente usado pelo escritor expe- rimentalista (cf. GRÁFICO 2) e considera-se que, embora o empregue abundantemente no discur-

so, este sinal não substitui a vírgula, inexistente por opção estilística de António Aragão. Porém, por vezes, poderá parecer ser o caso (cf. “depois o sexo e a nacionalidade escritos um pouco abai- xo. sobretudo essa espécie de vácuo que ficava disso tudo junto e posto de seguida.” p. 5), mas não se interpretou como tal porque o escritor ti- nha, para a pausa, outros sinais à sua disposição (dois pontos ou ponto e vírgula) e preferiu, na maioria das vezes, o ponto. Portanto, defende- -se que, ao aboli-la, não empregou o ponto no seu lugar. Logo, na sintaxe de António Aragão, pelo menos na obra em estudo, o ponto indicará que uma frase termina para que outra comece, continuando, por isso, o ponto a cumprir a fun- ção tradicionalmente estabelecida. Deste modo, quando o autor coloca um ponto em detrimento de outro sinal qualquer, deduz-se que marca o fim da frase. É assim que se interpreta o uso deste sinal no presente texto. Como é sabido, apenas o ponto final (o último de um texto) indica não haver sequencialidade discursiva e o texto cessa com a derradeira frase, assinalada pelo último ponto (o final). É o caso também aqui. Pelo ele- vado número registado na amostra (cf. GRÁFICO 2), o sinal mais importante do texto escrito por António Aragão é, incontestavelmente, o ponto. Este processo não é original porque é indicador do texto narrativo, marcadamente declarativo. Quanto aos restantes sinais, para as pausas de menor dimensão, o autor emprega os dois pon- tos (:) ou o ponto e vírgula (;). Porém, na amostra, revelam resultados insignificantes e inferiores ao ponto de interrogação (cf. GRÁFICO 2). O ponto de exclamação e as reticências não se contabili- zaram na amostra, o que não deixa de ser intri- gante porque permitiriam realçar as emoções e os sentimentos do sujeito (narrador e perso- nagem). Deixar o discurso em aberto e a excla- mação parecem não ser inclinação de António Aragão, que tem uma preferência pelo ponto e pelo ponto de interrogação. Entre os dois é, toda- via, o ponto que prevalece e isso repercute-se na tipologia das frases.

Quantificando os dados para os tipos de frase, na amostra analisada, 83% são frases declarativas e 17% interrogativas (cf. GRÁFICO 3). Logo, o dis-

102 Helena Rebelo

Gráfico 4. Tipos de frase por página

As frases interrogativas (Fr. I) da amostra são directas parciais (DP) ou directas totais (DT). Veja-se a listagem da tabela infra (cf. TABELA 2). Nesta amostra, a maioria das Fr. I não surge num contexto de diálogo, o que faz com que elas, individualmente, não tenham resposta, embora também não correspondam àquilo que se costuma designar como pergunta retó- rica. Algumas são da responsabilidade de ou- tras entidades (O) que não o narrador (N), mas predominam as da sua autoria, já que num total de 28 Fr. I, apenas 5 são de O. Poderia pensar-se que o negrito (discurso reproduzido) coincide com as I que não são do N. Contudo, algumas das suas também se apresentam destacadas a negrito. Portanto, não se pode estabelecer esta relação. Na página 98, pelo vocativo “mãe”, depreende-se que o N se lhe dirige, podendo indiciar um diálogo, mas tal não sucede por- que a interlocutora não responde às sucessivas e constantes interrogações, sendo, apenas, in- vocada por N, discursivamente.

curso, embora com uma tendência interrogativa considerável, é marcadamente declarativo. Isso não deixa de corresponder ao que seria expec- tável, já que Um buraco na boca é um texto nar- rativo, em que é contada uma história familiar, relatada na primeira pessoa do singular. Olhando para a presença das frases interrogativas por pági- na, verifica-se que ocorrem em maior número nas 98 e 195. No entanto, é surpreendente constatar que estão permanentemente presentes. Todas as páginas da amostra apresentam frases interroga- tivas. Isto poderá significar que, a acompanhar o texto narrativo, predominantemente declarativo, surge o questionamento constante dos factos e dos acontecimentos, das vivências e das lembran- ças. O narrador questiona-se e reproduz pergun- tas de outros. A dúvida manifesta-se por querer compreender e revela que as certezas nem sem- pre predominam no relato do narrador, que é também personagem central.

Tabela 2. Classificação das Frases Interrogativas (Fr. I)

Pág

ina Frases interrogativas

(Fr. I) Classificação Emissor

5 • tem o seu bilhete de identidade em dia? IDT O

• Como? IDP N

6 • mais logo vais ao cinema? IDT O

6 • Tens dinheiro que me emprestes? IDT O • as santas virtudes para que serviam? IDP N

• para quê? IDP N

98 • como se repousa o olhar? IDP N

• em que lado descansa? IDP N

• é possível algum regresso? IDT N • alguma maneira de regressar? IDT N • e mesmo que houvesse por

onde se começava? IDP N

• pelo olhar? IDT N

• pelo esforço das mãos? IDT N

• por outro buraco na boca? IDT N

• compreendes? IDT N

• melhoraste de situação? IDT O

• aumentaram-te o ordenado? IDT O

195 • onde? IDP N

• onde há uma coisa feita por bem? IDP N

• para quê? IDP N

• o Manuel Pequeno para onde foi? IDP N • onde estava desde que a

Companhia lhe tomou a casa? IDP N

• luxo? IDT N

• desconcerto [sic] de aleijado? IDT N • para que havia de estar sempre à janela? IDP N • e a Companhia que tinha a ver com isso? IDP N 196 • mesmo morta e a espreitar que mal haveria? IDP N

• e podia fazer qualquer coisa

mesmo depois de morta? IDT N

Na amostra, há referências explícitas à atitude de interrogar. Afirma o narrador: “mas é sem- pre pior sobretudo quando se pergunta. muito pior. principalmente porque se pode comparar e descobrir. até parece que as vozes só denun- ciam a ruína.” (p. 98). A explicação é reveladora. A pergunta conduz à descoberta, sendo esta prejudicial e negativa. Então, por que persistem as interrogativas na amostra? Provavelmente, é porque, para o narrador (e autor), a necessidade de saber (descobrir) é maior do que a de ignorar. Contudo, a resposta não virá de fora (“as vozes”), mas de dentro do interrogador pela metodolo- gia da comparação, um meio para a descoberta. Do exterior, virá unicamente a denúncia negati- va. Assim sendo, as perguntas do texto serão um meio para o conhecimento.

3.3. ORAÇÕES E fRASES ELÍPTICAS

No documento Organização de Rui Torres (páginas 101-103)