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Outra maneira de capturar o camarão é através da mocooca, uma espécie de dique construído temporariamente nos igarapés e nos lagos, na margem da ilha com intuito de retirar a água – para gapuiá- de seu interior. O dique tem a função de impedir que água do interior do lago seja depositada para o seu exterior sem que retorne e permita que o local seja totalmente seco (H. Azevedo, 2014). Após a secagem, feita com balde e cuia, os camarões são recolhidos.

A pesca do peixe é realizada pelas famílias em Lariandeua principalmente para o autoconsumo. Alguns instrumentos são elaborados localmente ou comprados. Utilizam o termo mariscar [pescar] para dizer da busca de peixes nos igarapés, nas margens dos rios e no

poção146. Pescam com caniço147, rede de lancear148 e a mocooca, a malhadeira, o caniço e o matapi. Apenas dois homens dizem pescar peixe mais distante da ilha entre os meses de junho

146 E um lugar (como se diz por aqui) Encantado

147 Composto por linhas e anzóis nas extremidades ligadas a uma vara retirada de plantas locais. 148 De malha fina presa nas extremidades por duas varas.

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e julho. Existe a norma de não pescar no período do defeso que se estende do mês de novembro a fevereiro quando recebem o seguro defeso149.

Algumas pessoas com quem conversei têm percebido a redução do estoque de camarão e do peixe, nos últimos anos. As significações do tempo presente revelam o aumento da população. Associam ao aumento ao número de pessoas, o que significa um aumento da quantidade de matapis e pressão para aumentar a produção – o que pode colocar em risco a conservação das matas e de implicações para o desenvolvimento dos sistemas de produção das famílias. Outro aspecto ressaltado diz respeito aos orifícios dos matapis, cuja abertura está cada vez mais estreita, impossibilitando a saída dos camarões menores. Ao lado disso, os moradores percebem a mudança do tempo na produção do açaí: Antigamente, julho era verão,

o açaí estava preto. Já estamos em agosto, e não tem açaí. Isso faz que a gente perceba o quanto a natureza está mudando...

A safra do açaí implica diretamente na renda das famílias. Acontece entre os meses de janeiro e junho a entressafra. Assim, diversas são as formas utilizadas por eles para a manutenção das despesas da casa, complementada com outras fontes de renda. Além, daqueles serviços mencionados anteriormente, entre as pessoas com quem conversei, apenas duas recorrem ao trabalho oleiro na própria localidade ou em Santa Maria. Porém, o setor oleiro-cerâmico apresenta também certa sazonalidade de acordo com o período do ano. No período de maior ocorrência das chuvas, a produção diminui consideravelmente em relação ao período de estiagem (verão), devido ao aumento da umidade no ar que influencia no tempo de secagem do produto. Segundo Lira (1998) é no inverno que a demanda aumenta e quando consegue melhores preços.

Na entressafra do açaí, as pessoas também se voltam para a coleta do fruto do miriti entre os meses de janeiro e março. O fruto é consumido principalmente em forma in natura ou de mingau, podendo acontecer a venda e, quando necessário, é ofertado como moeda de troca para aquisição de produtos como gasolina e gelo, comercializados por freteiros que realizam transporte até à cidade. Uma vez presenciei troca pelo gelo e também entre os vizinhos. Às

149 Benefício dado pelo governo federal com o pagamento aos Pescadores, através da Colônia de Pescadores Z-

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vezes, a retribuição pode ser combinada com um pouco de açaí quando este “começa falhar” ou pela retribuição pela utilização da máquina despolpadeira, dentre outras coisas:

[...] Quando [es] tamo[s] com alguma necessidade.. porque aqui o nosso alimento é o açaí. A gente vive do mato. Eu tenho cupuaçu, coqueiro, cacau, limoeiro, “a[rvore]ve de pimenta” é difícil eu juntar miriti. Minha vizinha me manda fruto ou um mingau tão gostoso que ela faz...Faltam as coisas, cada um dá um pouquinho e graça a Deus a gente sempre teve [...].

Outra forma é oferecer de presente ou em momentos de dificuldades (viuvez), constatado na entrevista que fiz com uma viúva - Dona Aldora- por ocasião da morte do marido, seguida meses depois do filho. O filho mais velho e os vizinhos levam algum tipo de produto. Outra situação foi de uma família que teve a casa incendiada, perdendo praticamente todos os utensílios e vestuário. Tendo com isso a solidariedade de algumas pessoas e parentes mais próximos no dia a dia, com a oferta de açaí, miriti in natura e na forma de mingau. Além do mutirão realizado para construção de uma nova casa e doação de roupas. Ouvi por várias as pessoas me dizer que hoje não há mais solidariedade como antes. “As pessoas olham só

para o seu umbigo” Eu acho que aqui há uma maior desunião. Aqui são contadas as pessoas que me ajudam”. Tomei conhecimento de situações delicadas que se deram na vida de algumas pessoas com as quais conversei ou de alguém conhecida delas. São desentendimentos entre vizinhos por conta de terras, discriminação, ciúmes, preconceitos que fazem parte também da vida desse lugar.

Há moradores que têm conseguido obter açaí fora da época normal, principalmente, daqueles açaizeiros da primeira safra e conseguido vender com o preço melhor. Em estudo realizado por Homma et al (2006), ele também identificou tal situação em Igarapé-Miri. Há correspondência da utilização do manejo de acordo com as estratégias dos agricultores desenvolvidas na produção do açaí. Embora não tenha me detido nesse tipo de informação, pude auferir em algumas entrevistas que, de modo geral realizam basicamente a roçagem do açaizal.

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5.2 “O barco chefe agora pra gente é o açaí”

A frase acima integra o dialogo comigo e Lauro, quando conversava sobre as atividades produtivas da ilha. Ele é uma espécie de marreteiro (assim se auto identificou) e me conta das gerações anteriores, da produção do açaí sempre frequente no lugar, principalmente utilizada para o bébe (consumo) da família consumido na forma de vinho (suco) misturado à farinha de mandioca. Como se sabe, as áreas de várzea apresentam condições favoráveis para o desenvolvimento dessa palmeira e nesses últimos anos têm despertado o interesse de várias pessoas, em graus variáveis de envolvimento com o mercado:

[...] O povo sempre sobrevive do açaí, do camarão, da manga, do miriti. Meus

avós, todos apanhavam açaí, mas não era como é hoje. Aqui o pessoal se preocupa com a colheita do açaí. Uns tiram só pro consumo mesmo, mas outros tiram pra vender... e vendem!(...) A venda é facilitada porque você já vê o povo com seu motor, combina com freteiro... porque sempre tem alguém pra comprar pode ser lá no beiradão tem também os atravessadores daqui mesmo espalho as rasas. Eu mesmo sou uma espécie de marreteiro, eu compro e levo para Abaeté depois eles levam para as fábricas que ficam em Castanhal. Levo duas ou três vezes toda

semana pra Abaeté. No verão tem mais produção e varia o preço. O inverno o preço

melhor [...]

Com a chegada do verão amplia o nível de expectativa, entre os moradores, de conseguir melhorar o cardápio da mesa e para aqueles que destinam parte de sua produção para a venda com a safra do açaí150, entre julho e dezembro, tendo o seu pico (agosto/setembro) e depois até dezembro, não com a mesma quantidade, pois a produção

começa falhar. Durante minha estada no verão de 2014 e de 2015, pude observar a dinâmica bastante diferente vivenciada no inverno quanto às despesas das casas.

É o período em que durante as refeições - almoço e no jantar tem açaí do grosso - o açaí se apresenta com melhor quantidade e qualidade; além de outros produtos alimentícios adquiridos da cidade para o consumo e de maior envolvimento dos membros da família no processo da coleta. Realidade similar observada por Homma et al (2006), Brondízio e Neves (1997), Azevedo, 2014; Gusmão, 2013; Nascimento (2013) em Abaetetuba.

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5.3 “No verão tem mais divertimento”

A chegada do verão movimenta a comunidade, especialmente os jovens e crianças Esporte e lazer, expressos em jogos de futebol e brincadeiras que as crianças e jovens mobilizam em momentos de sociabilidade formal, materializados em torneios, disputas em campeonatos, ou no cotidiano. Normalmente, entre julho-agosto de cada ano é realizado, em Lariandeua, o torneio da “União dos Rios” que envolve clubes de futebol das comunidades circunvizinhas e movimenta o comércio local aos finais de semana. Um pequeno bar/lanchonete é bastante freqüentado durante o período com venda de gênero alimentício e bebidas alcoólicas. Além da época do torneio, os jovens e adultos reservam, à tarde, jogos de futebol durante a semana, até sexta-feira pagando ao responsável pelo aluguel do campo por R$2,00.