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Toda fotografia tem sua origem a partir do desejo de um indivíduo que se viu motivado a congelar em imagem um aspecto dado do real, em determinado lugar e época. [...] O homem, o tema e a técnica específica são em essência os componentes fundamentais de todos os processos destinados à produção de imagens de qualquer espécie (KOSSOY, 2001, p.36).

Sabe-se que a produção de imagens em geral, e a fotografia especificamente, são mediações entre o sujeito – seja ele o criador da imagem ou seu receptor – e o mundo. Esta mediação é exclusivamente humana não podendo existir fora da linguagem e seu propósito é dar significado ao contexto social no qual se está inserido. A fotografia, por exemplo, possui uma linguagem própria: eminentemente visual. Este tipo de linguagem não é nem evidente, nem universal, fazendo-se necessário ter um contato mínimo com os códigos próprios da fotografia que são compartilhados social e culturalmente. Assim, é dentro de um contexto cultural específico que ela alcança seu sentido último. Como afirma Dufrenne (2008, p.131) da mesma maneira que ―é necessário aprender o léxico e a gramática para compreender uma língua, é preciso ter alguma ideia do código próprio de cada arte para aguçar a percepção‖. Cabe salientar que este fato serve não só para a percepção, mas também para a produção de imagens.

Os sentidos e significações da fotografia são construídos e usufruídos por meio da estética. Do lado do criador da imagem é a estética que permite que ele agregue técnica e sensibilidade na construção da imagem e comunique suas intenções ao público. Do lado dos observadores é por meio da estética que estes conseguem fruir a imagem, pois são os elementos formais que se apresentam primeiramente; agregando-se a esses as próprias emoções de cada observador. Assim, à estética fotográfica estão ligados os significados da imagem e as emoções particulares dos sujeitos. Como foi visto no primeiro capítulo, é por meio da estética que as imagens influenciam a nossa maneira de ver e sentir o mundo, transformando nosso olhar, transmitindo informações e permitindo a construção de conhecimento. O instante decisivo mais do que uma ferramenta de produção de imagens é uma estética fotográfica associada a captura de um momento exato de uma cena e traz embutido algumas características que merecem destaque. A seguir traremos detalhadamente algumas destas características da estética própria do instante decisivo e como estas se relacionam com a fotografia de forma geral.

4.1 O instante decisivo como uma “fábula”

Assim como todos os outros campos artísticos a fotografia é uma construção, o que significa que a mesma não é neutra, ao contrário vem sempre carregada de aspectos subjetivos. A partir disso, o fotógrafo não só pode, como deve construir uma estética própria de trabalho, buscando uma identidade. Algumas vezes esta lhe é tão peculiar que os observadores identificam rapidamente o produtor daquela imagem e sua estética acaba por virar referência e influenciar o seu campo artístico de forma geral, como aconteceu no caso de Cartier-Bresson, que apesar de possuir imagens sob outras perspectivas como imagens de paisagens e surrealistas, ficou conhecido principalmente pelas imagens realizadas sob a perspectiva do instante decisivo.

Cabe salientar que o instante decisivo constitui-se primeiramente como um discurso fotográfico criado por Cartier-Bresson em torno de sua produção. Cunhado no início do século XX, época em que a estética fotográfica ligava-se a fatores técnicos, apresentou- se, como já mencionado, como uma quebra de paradigma ao priorizar a emoção, o espontâneo e a criatividade do fotógrafo. Soulages (2010) descreve este conceito como uma ―fábula‖ não no sentido de ser uma mentira, mas como uma narrativa própria construída em torno da produção de imagens e que, como toda narrativa, possui seus limites, mas também revela um ponto de vista particular. A autora (2010, p. 39) explica:

Tal fábula pode ter ares teóricos, e até teoristas; isso, afinal de contas, não é o que predomina. Ela é, em primeiro lugar, palavra ligada, diretamente ou não, conscientemente ou não, ao imaginário, ao simbólico e ao inconsciente. É esse alimento meta-artístico que autoriza, fecunda e racionaliza a prática específica e particular de um artista. Sem essa palavra o que ele diz a si mesmo e nos diz, o artista não poderia produzir sua obra da maneira como a produz. Reconhecer essa fábula em sua especificidade não tem por consequência uma redução da obra, mas nos obriga a compreender que o artista é também habitado pelo quimérico, pelo fictício, pelo imaginário, pelo irreal, em resumo, pelo romanesco – isto em sua obra, em seu dizer e em seu ser.

Percebe-se que o instante decisivo enquanto uma fábula, uma narrativa possui uma função prático estética, ou seja, é um discurso elaborado para fomentar a prática fotográfica; constituindo-se, portanto, em uma metodologia de trabalho. Essa narrativa possui uma coerência interna que se tornou cada vez maior ao longo do tempo e tornou possível sua prática na medida em que o cerne desta fábula ou desta narrativa é exatamente captar um acontecimento característico de uma situação, ou o Acontecimento

característico. Assim, esta fábula representa a ideia que Cartier-Bresson tem da fotografia, da estrutura da imagem e do tempo. Ressalta-se aqui a ambiguidade em relação ao tempo: é ele que permite e sustenta o instante decisivo já que é a captura de um momento exato, um ―tempo‖ específico, mas concomitantemente a isso Cartier-Bresson afirma que o tempo é um dos principais adversários do fotógrafo, o tempo que passa, transforma, destrói, leva à perda. Assim, é necessário ―lutar‖ contra o tempo e simultaneamente extrair o instante expressivo e decisivo desse fluxo temporal, ou seja, apoderar-se desse mesmo instante.

Acrescenta-se que esta narrativa contribui para dar legitimidade a obra de Cartier- Bresson ao se popularizar e servir de inspiração para outros fotógrafos até hoje. Soulages (2010, p.45) afirma que somente aqueles que querem imobilizar esta narrativa e segui-la mecanicamente não pode entendê-la em sua própria natureza: ―eles confundem fábula e teoria‖. Outra característica desta fábula é ser idealista, ao tentar captar a ―essência‖ de um fato, como veremos a seguir.

4.2 Do “objeto-essência” e do “objeto-realidade”

O conceito de instante cria uma estética essencialista e uma nova forma de relação com os objetos retratados: o ―objeto essência" e como corolário, o ―objeto-realidade‖. Isso porque Cartier-Bresson procurava captar o acontecimento característico de uma situação, ou seja, a sua essência, como podemos perceber nos seguintes depoimentos: ―tinha sobretudo o desejo de capturar numa só imagem o essencial de uma cena que surgisse‖; ―antes de tudo, gostaria de apreender, no quadro de uma só foto, a essência mesma de uma situação cujo processo se desenvolvesse diante de meus olhos‖ ou ―meu problema é estar dentro da vida. Captar o instante em sua plenitude‖. Essas afirmações deixam transparecer a crença do fotógrafo na total objetividade da imagem, ou seja, a imagem fotográfica enquanto ―espelho do real‖, enquanto instrumento de captura fiel do real e na possível captura da verdade do objeto fotografado.

O conceito de instante decisivo de Cartier-Bresson distancia-se de uma visão eminentemente técnica da fotografia e cria uma maneira particular de fazer e pensar a fotografia, que se quer provocadora de emoções. No entanto, ao querer capturar a essência de uma situação Cartier-Bresson revela uma visão platônica da fotografia.

Assim, fazendo um paralelo ao mito da caverna do filósofo grego, o fotógrafo parece ser o único ser passível de capturar "a essência, que como o prisioneiro da caverna, o homem comum não percebe" (SOULAGES, 2010, p.40). Assim, parece que a fotografia também nos instala como prisioneiros da caverna, vitima da ilusão ao tomar os fenômenos pelo real e as fotos pelos objetos a serem fotografados. No entanto, se levarmos em consideração que a imagem fotográfica é uma construção temporal veremos que a noção de essência não é totalmente aplicável ao campo imagético, como observa Soulages (2010, p46-47): ―ao se acreditar fotografar um objeto-essência, capta-se apenas uma imagem de um fenômeno temporal e temporário. Atingir o objeto-essência é fotograficamente impossível‖. Por ser uma interpretação e uma releitura do mundo a partir da subjetividade de cada sujeito, a fotografia não permite a captura do que seria a 'verdade absoluta' do momento ou cena retratada, mas sim um ponto de vista possível. Portanto, a fotografia não seria capaz de capturar a essência de um fato em razão da contraposição existente entre a essência eterna e a imagem temporal. Da mesma maneira não seria capaz de captar o real literal, mas seria uma forma de interpretação desse mesmo real, como veremos a seguir.

4.3 Do espontâneo à encenação

No contexto de discussão empreendido a partir do conceito de instante decisivo outro fator que pode ser posto em questão refere-se ao fato de Cartier-Bresson priorizar o espontâneo: o carregar de quadros ou garrafas, o pular uma poça, o beijo do casal enamorado, etc; chegando a aconselhar ao fotógrafo ―nunca encenar, senão não se trata mais de fotografia, mas de teatro‖. Nesse contexto, pode-se considerar duas formas distintas quanto ao modo de construção da imagem: uma refere-se a uma realidade pré- existente, o cotidiano social, a rua; a outra refere-se a manipular a composição presente na imagem, encenando-a. O que diferencia uma postura da outra – a espontaneidade da encenação – talvez seja o trabalho conceitual antes da materialização da imagem, isso porque ao sair caminhando pela rua nunca se sabe o que pode encontrar e cabe unicamente ao fotógrafo estar atento ao seu entorno para descobrir uma cena banal que possa ser transformada em imagem. No segundo caso há todo um trabalho de pré- produção da composição da foto, com cada elemento pensado detalhadamente e ainda, a direção com o posar e o encenar dos possíveis personagens presentes na imagem.

No entanto, se formos pensar algumas áreas específicas da fotografia contemporânea perceberemos que essa dicotomia se faz presente ainda hoje. Por exemplo, esse preceito da encenação no caso das áreas ligadas ao fotojornalismo e à documentação fotográfica interfere diretamente na validade da informação, isso porque ainda hoje a fotografia como representação fiel da realidade é uma perspectiva geralmente aceita de modo acrítico por uma parcela do público e da própria comunidade jornalística e faz parte da estrutura do fotojornalismo. Já no caso da fotografia publicitária, a encenação é parte integrante de sua constituição já que tudo é preparado ao pormenor: as cores, o enquadramento, o cenário, o ator publicitário, a luz, os reflexos, entre outros14. Esta é uma das grandes diferenças que existe entre o fotojornalista e o fotógrafo publicitário: enquanto o segundo pode escolher e estudar os melhores planos, enquadramentos e montar cenários e estúdios para trabalhar; o fotojornalista ou capta a situação no momento certo, e único, ou então perde a oportunidade. Assim, o fotojornalismo vive do instante, do acaso, da capacidade intuitiva do fotógrafo de conseguir captar o momento marcante daquilo que presenciou. Como Georges Péninou (s/d) defende, o fotojornalista capta uma cena cujo sentido intuiu, mas essa mesma cena pré existe ao sentido. Por seu turno, o fotógrafo publicitário constrói uma cena à volta de um sentido, ou seja, neste caso, o sentido pré existe à cena.

Esse fato pode revelar em certa medida a evolução na forma de encarar o realismo da imagem fotográfica já que o ―isto existiu‖ de Barthes (1990), postura que predominou por muito tempo deu lugar a um ―isto foi encenado‖ de Soulages (2010). E é exatamente em contraposição à teoria proposta por Barthes que Soulages apresenta a encenação como possibilidade estética de representação. Essa discussão não se aplica somente levando em consideração a fotografia contemporânea, visto que a encenação ou a pose sempre estiveram presente na fotografia, como por exemplo, nos retratos de família no século XIX. O ―isto existiu‖ de Barthes surgiu juntamente com a invenção da fotografia como a primeira forma de encarar o realismo na imagem fotográfica e se perpetuou por décadas. Nesta acepção, o principal argumento é que a fotografia possui efeito de real. Ao contrário da pintura, que poderia reproduzir um objeto ou personagem sem estar diante dele efetivamente, a fotografia, confirma, impõe, atesta sua presença. Contrariamente a esta visão, Soulages (2010) afirma que a imagem seria construída a

14 Isso se deve as diferenças dos próprios princípios básicos da fotografia jornalística e da fotografia publicitária. Enquanto que a primeira mostra, revela, expõe, denuncia, opina e tem como principal objetivo informar o público; a segunda pretende, essencialmente, mostrar uma existência comercial e apresentar um produto.

partir de uma encenação, não se constituindo em prova do real. Assim, sempre há na construção da imagem fotográfica, uma encenação construída pelo fotógrafo, a partir de suas escolhas, seu olhar particular e singular, portanto, é uma produção humana que se manifesta por meio do estilo de seu autor que escolhe conscientemente a encenação:

Partindo, então, da afirmação de que a fotografia é da ordem do artificial e situando em primeiro plano o fotógrafo, visto como um encenador — ou como ele denomina o ―Deus de um instante‖ —, Soulages afirma que toda foto se constitui como encenação. Universaliza, assim, a tese do ―isto foi encenado‖ para a fotografia em geral. A fotografia se materializaria a partir do um ponto de vista de um sujeito que, com seu olhar ativo e graças ao seu imaginário, a investe de sentidos — e aqui estaria o argumento principal da tese de Soulages. A encenação para ele, envolveria jogo, invenção, composição, autoria. Seria processo criativo onde o fotógrafo decide e fabrica imagens experimentando variadas possibilidades, fazendo escolhas técnicas, artísticas, estéticas e ideológicas. Segundo o autor, fotógrafo não é um caçador de imagens, é homo faber, que as constrói, as recria em ato poético (REIS FILHO; MORAIS, 2014).

Levando em consideração as ideias de Soulages (2010) conclui-se que a fotografia sempre é uma encenação, mesmo no caso do instante decisivo de Cartier-Bresson. A partir deste conceito pode-se pensar que a espontaneidade, característica inerente a este, advém do momento e dos personagens retratados, que na maioria das vezes são fotografados sem perceberem a presença do fotógrafo e a encenação refere-se ao próprio ato fotográfico em si, ou seja, ao processo de produção da imagem. Assim, apesar da atitude de priorizar a espontaneidade do momento retratado, ainda existe uma encenação: a do próprio fotógrafo. Portanto, a encenação aconteceria não só nas fotos de pessoas que sabem que estão sendo fotografadas, mas também para as de pessoas anônimas tiradas às escondidas. A encenação seria, enfim, a relação do fotógrafo com o que está sendo retratado, sua forma única de fotografar. Por fim, a fotografia, não nos retrata o real, independente de ser espontânea ou encenada, esta sempre será um ponto de vista de quem a retrata. No entanto, mesmo com avanços conceituais no campo fotográfico em relação a questão do realismo da imagem, no caso específico do fotojornalismo, campo de atuação em que o instante decisivo foi mais influente, ainda hoje é válido e até necessário o poder de prova da fotografia, como será visto no próximo capítulo.

Outro ponto que merece destaque e que aparece intrinsecamente ligado ao espontâneo no instante decisivo é a possibilidade de se fotografar o imprevisto. Contrariamente ao que a maioria pensa, Cartier-Bresson acredita que o momento dado pelo acaso pode ser retratado como o instante máximo do acontecimento, como se pode

ver nas seguintes afirmações: ―É necessário ser sensível, tentar adivinhar, ser intuitivo, entregar-se ao ‗acaso objetivo‘ de que falava Breton. E a máquina fotográfica é um instrumento maravilhoso para captar esse acaso objetivo‖ ou ―[…] não podemos ficar esperando pela grande fotografia. Há muito o que descascar. É um presente que lhe é oferecido, mas é uma ação do acaso e é preciso tirar proveito dele… ele existe‖. Assim, seja ao andar descontraído pelas ruas da cidade como o flâneur ou ao esperar insistentemente algo acontecer tem-se aí a influência do instante sublime do acaso. Isso porque por mais que o fotógrafo espere nunca sabe de fato o que poderá aparecer ou acontecer. E é essa captura do acaso inserido no cotidiano que permite que o banal se sobressaia, como veremos a seguir.

4.4 Do banal na fotografia

Apesar de reconhecer que Cartier-Bresson registrou acontecimentos decisivos que marcaram o século XX, como o fim da opressão imperialista na Índia, o funeral do líder pacifista Gandhi, os primeiros meses de Mao Tsé-Tung na China comunista, a libertação de Paris, entre outros; o conceito de instante decisivo e sua materialização colocam em destaque outro fato na construção da imagem. Em grande parte de suas fotografias outro elemento temático aparece recorrentemente, qual seja, o cotidiano, o banal. Sob influência de uma estética realista em relação a espontaneidade da representação, o fotógrafo escolhe temas da vida cotidiana, tomados de forma simples e transformados em poética na imagem. Sobre esse interesse em transformar o banal em uma imagem interessante e bela, nos informa Humberto (2000, p.56):

[A fotografia] É uma transcrição livre e fragmentária de uma realidade, a partir de uma deliberação extremamente pessoal, de um interesse que pode ser apenas momentâneo por uma coisa ou pessoa, algo singelo ou corriqueiro que, resgatado de sua banalidade, ganha uma nova significação e pode, eventualmente, tornar-se uma síntese indicativa de uma realidade muito mais complexa. Esse olhar sobre a realidade do dia-a-dia nos remete também à fotografia que aqui chamamos de doméstica ou afetiva.

Ao retratar trabalhadores parisienses numa tarde de lazer; um casal que se beija seja num café parisiense ou em um cemitério; o garoto que passeia orgulhosamente segurando duas garrafas; as crianças que correm na rua; o homem que salta uma poça ou passa de bicicleta; Cartier-Bresson oferece um caráter poético a cenas do dia a dia,

colocando em evidência momentos da vida do homem comum, chamando nossa atenção para coisas que, sem as imagens, nos escapariam completamente. Soulages (2010) define essa relação como uma ―estética do insignificante‖, ou seja, diante de fatos corriqueiros ou insignificantes, a fotografia faz nascer a poesia na foto e nos olhares do criador e do receptor da imagem. Além de poder ser percebido em suas imagens o fotógrafo reconhece a importância de transfigurar momentos banais em obra de arte ao afirmar: ―em fotografia, a menor das coisas pode ser um grande tema, o pequeno detalhe humano tornar-se um leitmotiv‖. Martins (2009) escreve sobre a relação entre fotografia e a vida cotidiana e afirma sobre a relação entre instante decisivo e o banal na fotografia:

A ideia de momento remete a fotografia para o inevitável de sua inserção na vida cotidiana e no banal, daquilo que fluíssem ficar. Mas a ideia de decisivo remete a fotografia para a sua dimensão propriamente estética, para aquilo que faz do que é passageiro o tema da fotografia que permanece, a chispa esperada e imaginada que reveste a fotografia de sentido porque a remete aos parâmetros da criação e da universalidade do humano (MARTINS, 2009, p.60).

Martins (2009) acrescenta que as fotografias de Cartier-Bresson mais do que um mero registro individual permitem ler a vida coletiva e afirma que é notória a intenção de Cartier-Bresson de incluir na composição de suas imagens elementos que a tornem não só o documento de um rosto ou de um corpo, mas também o documento de uma personalidade, de uma mentalidade e de um mundo. Assim, para o autor, o instante decisivo expõe a tensão entre o histórico e o vivencial (banal) para fazer do objeto de sua fotografia um documento da vida cotidiana social e historicamente situada. O elementar, o insignificante e o banal transfiguram-se então, como visto em citação anterior, numa realidade muito mais complexa. Sobre isso Rancière (2003) é elucidativo:

Na virada dos anos 1920/1930 principalmente, o destino da fotografia como arte ligou-se a sua vocação de registrar qualquer acontecimento insignificante, de conferir a aura da história ao comum da vida e imprimir a marca do cotidiano aos grandes acontecimentos históricos. A arte de Cartier-Bresson testemunha esse momento privilegiado em que a fotografia tirou partido dessa relação de conversibilidade mútua entre o cotidiano e o histórico. Ícones exemplares disso são as conhecidas imagens dos tranquilos primeiros dias de folga pagos, em 1936, à beira do rio Marne.

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