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Por uma História Ambiental do Maranhão setecentista

CAPÍTULO 3 – FICO CERTO NO QUE V EX A MEORDENA [ ] SOBRE A REMESSA

3.2 Coletar, preparar e remeter: as práticas científicas no Maranhão setecentista

3.2.2 Por uma História Ambiental do Maranhão setecentista

A História Ambiental nos permite atentar não só para a economia ou a política, mas também para a natureza, que, neste contexto, serviu de cenário para ambas. Uma natureza “travestida dos ideais de civilização e progresso por uma mentalidade herdada do movimento ilustrado luso-brasileiro”372.

Souza entende que “o esgotamento de determinado recurso natural, como o ouro, pode levar a uma [re]organização econômica, social e política e a uma [re]modelação do ambiente natural”373. Com isso, a necessidade dos recursos naturais para o alavancamento da ciência e

da economia de Portugal, é um claro exemplo do papel e do lugar da natureza na vida humana. Por outro lado, a destruição das matas e a imensa perda de “preciozas madeiras; que [...] se

367 OFÍCIO do governador e capitão-general do Maranhão e do Piauí, José Telesda Silva, para o secretário de estado da Marinha e Ultramar, Martinho deMelo e Castro, a enviar um caixote de tabaco. AHU, Maranhão, Cx. 61, d. 5584. (07/03/1784).

368 OFÍCIO do governador e capitão-general do Maranhão e Piauí, José Teles da Silva, para o secretário de estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, a remeter tabaco preparado como o da Virgínia. Anexo: 1 cópia, com respectivo conhecimento. AHU, Maranhão, Cx. 63, d. 5666. (13/09/1784).

369 Ibidem. 370 Ibidem.

371 OFÍCIO... AHU – MA, Cx. 100, d. 8078. 372 SOUZA, 2013, p 15.

queimão nos Rossadoz”374 mostram os impactos da vida humana sobre a natureza. Ou seja, nas

palavras de Souza, a interação entre natureza e sociedade é um processo histórico de via de mão dupla.

Como vimos, foi possível encontrar nas correspondências a descrição de lugares sem matas contínuas, bem como queixas das práticas dos lavradores que estabelecendo uma agricultura rudimentar e devastadora roçavam o mato, “e este estando Seco, Botar-lhe fogo […]375” levando a perda de preciosas madeiras. Contudo, se a análise das correspondências

podiam nos aproximar de uma devastação do ambiente, como resultado do uso e apropriação da natureza maranhense, o que de fato a documentação nos mostrou foi o processo de apropriação da natureza pelo homem, cujos efeitos da sua intervenção só serão perceptíveis na longa duração.

Entretanto, a esgotabilidade não era fator desconhecido dos agentes políticos. Nesse sentido, alguns naturalistas já travavam intensos debates acerca da devastação da natureza376.

Entretanto, Horta chama atenção para o risco de anacronismos ao “acreditar nesses sinais de cuidado com a natureza como uma “origem” do nosso ambientalismo contemporâneo”377.

Prestes acredita que o motivo destas preocupações “é a economia ameaçada pela escassez de um recurso natural, e não o ambiente em si mesmo”378.

Desse modo, não havia de fato uma preocupação ecológica neste período. Embora encontremos alguns homens da ciência preocupados com problemas ambientais que já se constituíam a seu tempo, como por exemplo, o corte indiscriminado de árvores ou as queimadas, isso não implica afirmar que esses homens sejam os precursores da ciência ecológica que só vai se desenvolver no século XIX. Entretanto, Franco acredita que “embora esta crítica da devastação da natureza produzida no Brasil dos séculos XVIII e XIX não deva ser vista como precursora do debate atual, as suas reflexões ganham relevância teórica e projeção histórica”379.

Ademais, concorde com a ideia de Drumond, que nega o fato de a experiência humana ter se desenvolvido sem a imposição de limites naturais, vimos que, essenciais nesse processo, o clima e o solo ditavam as épocas de plantio, assim como a produtividade agrícola. Essa ótica mostra-se particularmente interessante uma vez que as cartas nos mostram que o ambiente

374 OFÍCIO... AHU- MA, Cx. 67, d. 5902. 375 OFÍCIO... AHU- MA, Cx. 45, d. 4398. 376 SOUZA, 2011, p. 07

377 DUARTE, 2005, p. 72. 378 PRESTES, 1997, p. 127. 379 FRANCO, 2003, p. 394.

interferiu de maneira significativa na introdução das práticas científicas no Maranhão. Fato que fazia os naturalistas guardarem para o melhor tempo a remessa dos bichos e aves, assim como queixarem-se da experiência mal sucedida com a plantação do Cânhamo talvez “por effeito do [...] calor do clima”, ou “pelas muitas chuvas”380.

Vemos assim que o clima era fator determinante para a ambientação de vegetais. Do mesmo modo que o solo era essencial para o desenvolvimento da agricultura. Com isso, há uma ligação entre o ambiente geográfico e características físicas dos animais, vegetais e minerais. Desse modo, entendemos que as sociedades são forçadas a se adaptarem às condições geográficas locais, isto é, ao solo, clima e água.

Há uma relação dialética entre os seres humanos e a natureza, e o espaço geográfico vai além da dinâmica do espaço físico e, hoje, o grande desafio que se coloca é compreender a inter-relação entre sociedade e natureza381. Dessa forma, entendemos que o ambiente é um

misto entre o social e o físico. Trata-se de entende-lo não como palco dos acontecimentos mas como produto e produtor das relações sociais a partir das práticas de exploração.

Para Souza, “a intrínseca ligação entre política e negócios afetava diretamente a relação com a natureza”382. Assim, pensar as práticas de exploração da natureza neste momento

torna-se importante na medida em que podemos constatar aspectos do Estado e sociedade frente ao seu mundo natural.

Portanto, não encontramos indícios que nos permitam afirmar com precisão uma devastação no Maranhão setecentista. No entanto, tal como lembra Martinez “ao renovar a visão do passado, a História Ambiental pode ainda, descortinar uma visão crítica do presente”383.

Nesse sentido, tal discussão foi importante uma vez que nos permitiu atentar tanto para os impactos do homem sobre a natureza, quanto para o papel e o lugar do ambiente natural na vida humana.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

380 OFÍCIO do governador e capitão-general do Maranhão e Piauí, José Teles da Silva, para o secretário de estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, a informar o início da obra da comunicação da ilha de São Luís do Maranhão com o continente, e sobre a produção de anil, cânhamo e cochonilha. AHU, Maranhão, Cx. 63, d. 5645. (17/07/1784).

381 GIOMETTI, A. B. R; PITTON, S. E. C; ORTIGOZA, S. A. G. Leitura do espaço geográfico através das categorias: lugar, paisagem e território. Conteúdos e Didática de Geografia – Unesp, p. 34.

382 SOUZA, 2011, p. 07. 383 MARTINEZ, 2006, p. 26.

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