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Por que verdade (verdade/falsidade) e não validade (válido/não-válido)? A linguagem e

2. QUE É A “VERDADE”?

2.2. ANÁLISE SOBRE O CONCEITO DE “VERDADE” NO DIREITO

2.2.2. Por que verdade (verdade/falsidade) e não validade (válido/não-válido)? A linguagem e

141

Idem, p. 95

142 Art. 2º. O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado democrático de direito,

da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinado a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce.

Parágrafo único: São deveres do advogado:

Vislumbramos acima como é posto o dever de dizer a verdade no direito. Ocorre que há um problema em tentar conceituar a “verdade” para o processo quando analisamos o termo dentro do estudo da linguagem: a função da linguagem do direito positivo não coaduna com a função da linguagem que se revestem os valores “verdade/falsidade”. Daí a indagação: como continuar a afirmar que a “verdade” no processo deve ser buscada (leia-se: construída) quando sequer podemos falar em “verdade” dentro do direito positivo?

Calcado na premissa de que a “verdade” representa uma proposição linguística, construída pelo homem tal como o conhecimento, faz-se necessário elucubrar sobre as funções que a linguagem apresenta com o intuito de melhor nos situarmos nessa problemática.

Primeiramente, por sistema, apesar de ser um termo dotado de pluralidade de sentidos e difícil de estabelecer uma concepção uníssona para todos os contextos, entende-se como uma totalidade ordenada, um conjunto de organismos entre os quais existe uma ordem, ou, por outras palavras, um conjunto de elementos relacionados entre si e reunidos perante uma referência em comum, um princípio unificador.

Sobre língua, linguagem e fala, verifica-se que são noções indissociáveis, todavia devem ser diferenciadas para que fixemos um ponto de apoio, como ensina Paulo de Barros Carvalho: a)

linguagem é a palavra mais abrangente dos três vocábulos e se trata do sistema convencional

de signos que assume o caráter de uma autêntica instituição social, uma vez se mostrar resistente a tentativas de modificação por parte dos indivíduos de forma isolada; b) fala é, diferente de linguagem, um ato individual de seleção e de atualização da linguagem; c) e

língua se trata, a grosso modo, da linguagem sem a fala, consistente num conjunto

sistematizado de signos143.

Já por signo, conforme explica Paulo de Barros Carvalho144, compreende-se como a unidade de um sistema que possibilita a comunicação entre os homens, possuindo um caráter lógico de relação, na qual um suporte físico se associa a um significado e a uma significação.

143

CARVALHO, 1999, p. 10-12.

A linguagem pode ser estudada, conforme entendem Charles Peirce e Charles Morris145, em três planos: sintático, semântico e pragmático: Fala-se em estudar a linguagem: i) pelo plano

sintático quando se pesquisa as relações dos signos entre si (signo x signo). Um exemplo seria

a gramática de um determinado idioma; ii) no plano semântico, pesquisa-se a relação do signo com a realidade que ele quer exprimir (signo x suporte físico). Exemplificando: os dicionários cuidam de selecionar os signos de uma língua (enquanto idioma), tendo em vista a explanação de seu significado; iii) já no plano pragmático, o estudo foca na relação que o signo possui com os sujeitos da linguagem (signo x emissor/destinatário). Exemplos do plano pragmático não faltam. Podemos exemplificar com o caso que nos apresenta Paulo de Barros Carvalho, no qual um emissor de um elogio para uma terceira pessoa o transmite falando e com um sorriso irônico, podendo levar a entender que não se trata de um autêntico elogio.

Ainda para Carvalho146, existe o denominado triângulo semiótico, o qual é composto de três fenômenos linguísticos que estão intrinsecamente interligados: o suporte físico, o significado e a significação: a) suporte físico é uma palavra falada ou escrita; possui, assim, natureza física ou material, referindo-se a algo do mundo exterior ou interior, de existência concreta ou imaginária; b) significado, nesse sentido, é esse pedaço da existência concreta ou imaginária, atual ou passada, a que se refere o suporte físico, criando, por via de consequência, uma ideia ou conceito na mente do sujeito cognoscente; e c) seguindo nesse caminho, essa ideia ou conceito criados formam o que se chama de significação.

A partir dos ensinamentos de Roman Jakobson quanto ao processo constitutivo da interação comunicacional147, entende-se que o enunciado linguístico sempre apresentará uma forma e uma função. Porém, nenhum enunciado possuirá uma única função148, e, por isso mesmo, o melhor a se adotar para a classificação é o critério do efeito imediato ou função dominante, distinguindo estas as funções que a linguagem pode apresentar:

145 PEIRCE, MORRIS apud CARVALHO, 1999, p. 14-15. 146

Idem, p. 12-13.

147 Jakobson descreve seis componentes dessa interação, a seguir grifados: “O remetente envia uma mensagem

ao destinatário. Para ser eficaz, a mensagem requer um contexto a que se refere (ou “referente”, em outra nomenclatura algo ambíguo), apreensível pelo destinatário, e que seja verbal suscetível de verbalização; um código total ou parcialmente comum ao remetente e ao destinatário (ou, em outras palavras, ao codificador e ao decodificador da mensagem); e, finalmente, um contacto, um canal físico e uma conexão psicológica entre o remetente e o destinatário, que os capacite a entrarem e permanecerem em comunicação” (JAKOBSON apud CARVALHO, 1999, p. 16).

148

Um exemplo é o enunciado do artigo 18, § 1º, da Constituição Federal de 1988: “Brasília é a Capital Federal”.

 descritiva;

 expressiva de situações subjetivas;  prescritiva de condutas;

 interrogativa (ou linguagem das perguntas ou dos pedidos);  operativa (ou performativa);

 fáctica;  propriamente persuasiva;  afásica;  fabuladora;  metalinguística149 .

Cabe esmiuçar as duas principais funções da linguagem para nós: a descritiva e a prescritiva.

Diz-se que uma linguagem é descritiva quando ela é informativa, declarativa; é aquela utilizada normalmente na transmissão de notícias para informar ao receptor algo que ocorreu no mundo existencial. Seus enunciados podem ter valores de verdade ou de falsidade, inerente à lógica do discurso descritivo: serão verdadeiros se os fatos relatados tiverem efetivamente acontecido no mundo real, ao passo que serão falsos caso não tenha sido verificado conforme descrito pelo emissor da linguagem.

Por outro lado, a linguagem será classificada como prescritiva de condutas quando possuem a função de emanar ordens, comandos, sendo importante para as organizações normativas para incidir no proceder humano, pois tratam-se de prescrições dirigidas ao comportamento dos indivíduos. Os enunciados não se submetem aos critérios de verdade e de falsidade, mas sim de validade ou não validade, inerente ao discurso prescritivo da lógica.

No entanto, como conceber o valor “verdade” dentro do processo judicial quando sabemos que o direito positivo é formado pela linguagem prescritiva, a qual se submete à lógica deôntica, e o termo “verdade” cinge-se à lógica clássica [também conhecida como lógica apofântica ou lógica alética (que vem de aletheia, termo que estudamos quando se designa a “verdade” em grego)]?

Fabiana Tomé bem explica a questão: enquanto que as normas jurídicas configuram enunciados prescritivos, sujeitando-se, desse modo, aos valores “válido e não-válido”, os comandos por elas expedidos, quer dizer, expedidos pelas normas gerais e concretas e pelas normas individuais e concretas, são formados por enunciados descritivos. Estes, por sua vez, submetem-se aos valores “verdade e falsidade”150.

Vale frisar que nenhuma linguagem exercerá uma única função. Ou seja, as funções da linguagem serão dadas por predominância, e não por exclusividade. E isso é o que ocorre com o fato jurídico previsto no antecedente normativo: a linguagem se mostra descritiva de um evento, porém prescritiva de efeitos jurídicos151.

Outro exemplo é quando se pensa na linguagem propriamente persuasiva, aquela animada pelo intuito imediato de convencer, persuadir, instigar. O caráter persuasivo se manifesta de forma ostensiva, onde a comunicação é expedida com a finalidade prioritária de convencer o interlocutor e induzi-lo a aceitar sua argumentação152. Ora, não é exatamente isso que se presencia na praxe forense? Na linguagem propriamente persuasiva, os valores lógicos não são exclusivamente os do discurso descritivo (verdade/falsidade) ou do discurso prescritivo (válido/não-válido), pois os sujeitos participantes do discurso estão orientados sobretudo em convencer o órgão judicial. Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho:

Com efeito, se atinarmos bem, veremos que o rigoroso apego à verdade dos enunciados, à precisão ao relatar os acontecimentos factuais, a adequada subfunção dos conceitos dos fatos ao conceito das normas, tudo isso, ainda que sirva de instrumento valioso para a configuração das peças judiciais, no contexto processual, cede lugar ao objetivo primeiro, ao fim último que os interessados almejam alcançar, qual seja o convencimento do órgão decisório. É certo que há expedientes dentro do processo, como os laudos periciais, por exemplo, cuja função preponderante da linguagem não é persuasiva, todavia tais manifestações longe estão de predominar, a ponto de exercer função caracterizadora do discurso judicial ou do campo mais amplo da linguagem que trata dos procedimentos decisórios153.

150 TOMÉ, 2011, p. 30-31. 151 Idem, p. 31-32. 152 Vide: CARVALHO, 1999, p. 23. 153 CARVALHO, 1999, p. 24-25.

2.2.3. Análise sobre o conceito de “verdade” entre os processualistas civis