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Modelos teóricos sobre o cometimento de agressões sexuais

Apesar de a maioria dos modelos teóricos explicativos do cometimento de violência sexual tenderem a incluir a exposição à pornografia como um dos fatores importantes a ter em consideração, a verdade é que o consumo de pornografia, por si só, não é suficiente para conduzir um sujeito a agir agressões sexuais. De um modo geral, as investigações têm demonstrado que o consumo de conteúdos pornográficos não produz efeitos lineares e determinísticos nas atitudes ou nos comportamentos dos indivíduos, sendo estes mediados por

fatores pessoais e desenvolvimentais (Huessman, 2007). A relação entre as representações violentas nos media e as atitudes ou comportamentos violentos é recíproca, dado que os espectadores que já possuem tendências agressivas manifestam um maior interesse por esse tipo de materiais, estabelecendo-se assim uma complexa interação bidirecional.

A literatura sugere que a personalidade e os seus traços podem desempenhar um papel na sexualidade desviante, tanto como preditores, como mediadores (Williams, Cooper, Howell, Yuille & Paulhus, 2009). No modelo teórico de Malamuth, Addison e Koss (2000) – Hierarchical-Mediational Confluence (HMC) – os autores distinguem os fatores de risco, distais e proximais, que levam ao cometimento de agressões sexuais. Os fatores distais (e.g., personalidade) são simplesmente disposicionais, podendo predispor os indivíduos para uma variedade de comportamentos antissociais. Os fatores proximais estão especificamente associados à agressão sexual, constituindo exemplos a excitação sexual orientada para a dominância e a utilização da pornografia. De acordo com este modelo, os fatores distais e proximais articulam-se de forma interativa na predição do comportamento sexualmente agressivo (Malamuth et al., 2000).

Complementarmente, outras formulações teóricas (Laws & Marshall, 1990; Marshall & Barbaree, 1990) e dados empíricos (Beauregard, Lussier & Proulx, 2004), apontam como possíveis fatores ligados à excitação sexual face à violação uma dinâmica familiar sexualmente inapropriada, bem como uma infância e adolescência marcadas pela utilização de pornografia, fantasias sexualmente desviantes e um estilo de vida antissocial/impulsivo. No entanto, é possível que estes indicadores sejam mediados por outras variáveis, que incluem: aspetos biológicos (Marshall & Barbaree, 1990) e atitudes facilitadoras da agressão, designadamente, hostilidade para com as mulheres e desejo de dominar (Malamuth, 1986b). Marshall e Marshall (2000), na sua teoria explicativa sobre os fundamentos da agressão sexual, sugerem que muitos ofensores sexuais vivenciaram infâncias marcadas pelo abuso, negligência ou rejeição, tendo essas experiências originado uma tonalidade de vulnerabilidade. Esta, é caracterizada por baixa autoestima, fracas competências sociais e desejo de afetos, aumentando o risco de serem vítimas de abuso sexual abusados e a tendência para utilizarem o sexo (inicialmente, a masturbação) como forma de se sentirem recompensados. Com o passar do tempo, esta conduta pode condicionar a adoção do sexo, nas suas variadas formas, como uma estratégia de coping. Paralelamente, a repetida associação das fantasias com a excitação sexual, pode originar processos de condicionamento, que conduzem a um aumento progressivo da atração pelos conteúdos sexuais dessas fantasias. Alguns destes jovens vulneráveis podem incorporar nas suas fantasias componentes como o

poder, o controlo, a expressão da agressão e a humilhação do seu parceiro imaginário. Como resultado, torna-se expectável que as suas fantasias se tornem progressivamente mais desviantes. Outros jovens, igualmente vulneráveis, podem desenvolver fantasias que envolvam crianças percecionadas como sexualmente provocadoras, ou até como disponíveis para atividades sexuais. Ao fantasiarem sobre estes conteúdos enquanto se masturbam, a hipótese de concretização do abuso sexual vai amadurecendo, surgindo como cada vez mais apetecível e aceitável. Tanto o desejo de abusar sexualmente, como a sua aceitação enquanto forma de satisfazer várias necessidades são, durante a masturbação, aumentadas pela imaginação de sucessivos detalhes. As distorções cognitivas, as alterações do estado de humor e o consumo de álcool, exercem um papel importante na ultrapassagem das inibições que possam existir, verificando-se que quando o sujeito tem a oportunidade para cometer agressão sexual, torna-se provável que a concretize. A partir do momento em que comete o primeiro crime, os processos de condicionamento vão enraizar esta disposição e o indivíduo tenderá a tornar-se um ofensor sexual persistente.

O Modelo Desinibitório da Agressão Sexual (Lussier, Beauregard, Proulx & Nicole, 2005; Lussier, Leclerc, Cale & Proulx, 2007) centra-se em três dimensões que, juntas, explicam a passagem ao ato: externalização (e.g., fatores situacionais), internalização (e.g., distorções cognitivas), e sexualização. O constructo da externalização envolve quatro tipos de manifestações comportamentais que tendem a ocorrer em simultâneo: comportamentos conflituosos com as figuras de autoridade; comportamentos irresponsáveis, como o consumo de substâncias; comportamentos dissimulados ou desonestos para com os outros; e comportamentos agressivos ou violentos face a objetos ou pessoas. Malamuth e Briere (1986) defendem que os homens agressivos são mais propensos a serem influenciados pela pornografia quando estão presentes fatores situacionais desinibidores, como por exemplo o álcool. A internalização refere-se à combinação de emoções negativas (e.g., ansiedade, depressão) e introversão. Por último, a sexualização diz respeito a um amplo conjunto de práticas sexualmente desviantes, que incluem: sexo impessoal, preocupações excessivas com a sexualidade, dependência da pornografia, compulsividade sexual e comportamentos parafílicos.

Finalmente, Chan, Heide e Beauregard (2011) integraram as teorias da aprendizagem social e das atividades rotineiras num modelo teórico que procura explicar o processo criminal associado às agressões sexuais, focando-se nas características do ofensor e nas componentes ambientais. Potenciais agressores sexuais que manifestem atitudes e comportamentos sexualmente desadequados, ficam progressivamente motivados para cometer ofensas sexuais

contra as suas vítimas através de três possíveis linhas de influência. Uma das principais vias de desenvolvimento desse padrão comportamental negativo, ocorre em resultado da exposição regular, desde a infância e durante um longo período de tempo, a comportamentos violentos e a outras atitudes e condutas desajustadas, especialmente se provenientes dos progenitores ou tutores legais. Outro aspeto que pode modelar as suas atitudes e comportamentos, é a interação com amigos ou outros indivíduos significativos que sejam sexualmente violentos, passível de despoletar a replicação de comportamentos sexualmente desviantes. Uma terceira forma, pode verificar-se através da imitação direta de personagens presentes em materiais pornográficos de conteúdo sádico. É importante salientar que, enquanto as consequências desses atos desviantes forem reforçadas, estes ofensores sexuais tendem a continuar a aproveitar as oportunidades para exercerem comportamentos abusivos.

Sustentados nos modelos acima mencionados, compreende-se, portanto, que a exposição à pornografia irá interagir com outros fatores que os indivíduos apresentem, como por exemplo características antissociais da personalidade ou fantasias sexualmente desviantes. Esta conjugação propicia a possibilidade de um indivíduo cometer uma agressão sexual, tanto mais se estiverem presentes os já referidos elementos desinibidores e/ou possuir crenças legitimadoras da violência.

Efeitos nas atitudes e crenças

Tem sido documentado que a pornografia tem a capacidade de alterar os atributos mentais, emocionais e sociais do consumidor, dado que o seu consumo frequente, em especial o de conteúdos violentos, está associado à aceitação de atitudes e crenças que legitimam a violência contra as mulheres, incluindo mitos sobre a violação, sendo isto resultante de um processo de dessensibilização perante esse tipo de violência e para com as suas vítimas (e.g., Malamuth & Briere, 1986). Os mitos da violação constituem um conjunto de crenças formatadas em torno da ideia de que as mulheres são responsáveis pela violação, apreciam e querem ser violadas, sofrendo deste modo consequências diminutas. Para além disso, este tipo de crenças pode afetar negativamente a apresentação de queixas face a crimes de violação, a condenação dos violadores e o apoio prestado às vítimas (Corne, Briere & Esses, 1992). Uma meta-análise de 46 estudos publicados (Oddone-Paolucci, Genuis & Violato, 2000), com uma amostra total de 12,323 indivíduos, sobre os efeitos da pornografia nas atitudes e na violência sexual, constatou que a exposição a material pornográfico aumentava em 22% o risco dos indivíduos cometerem agressões sexuais, em 20% de se confrontarem com dificuldades nas suas relações íntimas, e em 31% de aceitarem os mitos sobre a violação.

Em geral, os estudos experimentais têm demonstrado um efeito muito mais forte da exposição à pornografia no que concerne à aceitação de mitos da violação do que os estudos não- experimentais (Allen, Emmers, Gebhardt & Giery, 1995). Apesar disso, uma meta-análise recente de trabalhos não-experimentais, também encontrou uma associação positiva significativa entre o consumo de pornografia e as atitudes que suportam a violência contra as mulheres (Hald, Malamuth, & Yuen, 2010).

Malamuth (1986a) sugere que existem vários processos através dos quais a violência sexual no material pornográfico pode contribuir para o surgimento de atitudes que favoreçam a aceitação da violência sexual, nomeadamente: rotulando a violência sexual como sendo um ato mais sexual do que violento; favorecendo o desenvolvimento de perceções de que a agressão sexual é algo normativo e culturalmente aceitável; alterando as atribuições de responsabilidade, ou seja, culpabilizando preponderantemente as vítimas; elevando o valor positivo da agressão sexual, ao associá-la ao prazer sexual e ao sentido de conquista; e, finalmente, reduzindo as reações emocionais negativas face aos atos sexualmente agressivos. Um dos aspectos da pornografia que parece evidenciar uma forte influência nas atitudes e crenças, tanto nos homens como nas mulheres que a consumam, é a resposta da personagem feminina na representação sexual agressiva. Na pornografia violenta, as mulheres são tipicamente caracterizadas como alvos/vítimas e os homens como os perpetradores, sendo que as primeiras tendem a encenar demonstrações de prazer ou a comportarem-se de forma neutra perante as práticas sexuais violentas (Bridges, Wosnitzer, Scharrer, Sun & Liberman, 2010). Malamuth, Heim e Feshbach (1980) demonstraram que, tanto a excitação sexual dos homens como das mulheres, face a esse tipo de conteúdos pornográficos, aumenta quando a personagem feminina responde de forma positiva, em comparação com o que ocorre quando as suas reacções são negativas. Numa outra investigação (Malamuth & Check, 1985), realizada com estudantes que tinham sido expostos a representações pornográficas de violações em que as mulheres eram retratadas como estando sexualmente excitadas com a violência sexual, verificou-se que os sujeitos avaliados consideravam as cenas pouco traumáticas, acreditando que as personagens femininas tinham gostado e que, na verdade, as mulheres em geral apreciavam ser forçadas a terem atos sexuais.

De igual forma, num estudo com uma amostra feminina (Norris, Davis, George, Martell, & Heiman, 2004), foi reportada maior excitação sexual, durante a leitura de uma representação erotizada de uma violação em que a vítima reagiu com prazer, ao invés de repulsa. Essas mulheres que sentiram maior excitabilidade sexual, por sua vez, percecionaram a personagem violada como típica e admitiram ser provável terem uma reação idêntica, numa situação

semelhante aquela que ouviram. Estes resultados parecem indiciar que as mulheres que se excitam sexualmente quando expostas a pornografia violenta, posteriormente normalizam a situação observada e são capazes de se imaginarem elas próprias como sendo mais propensas a ter atitudes e comportamentos que deem acolhimento aos mitos da violação.

Corne e colaboradores (1992) sugerem dois fatores que podem estar subjacentes à relação entre a exposição à pornografia durante a infância, por parte das mulheres, e a sua subsequente aceitação da violação. Primeiramente, o estímulo pornográfico pode modelar a agressão sexual ou a dominância nas relações entre os homens e as mulheres, designadamente, ensinando às raparigas que a submissão constitui o papel sexual apropriado e correto da mulher. Em segundo lugar, a pornografia pode sustentar fantasias sobre a violação, ao encorajar a erotização da violência através do romance. Neste sentido, a representação das mulheres como desejando, secretamente, serem violadas e, eventualmente, sentirem prazer sexual com esta prática (Malamuth, 1984) pode criar confusão entre a gratificação e a submissão à agressão sexual para algumas mulheres – especialmente se essas representações, numa etapa inicial, gerarem excitação sexual.

Efeitos na agressão sexual

As atitudes que legitimam a violência conduzem a uma maior probabilidade de perpetração da mesma (Layden, 2010). Uma meta-análise (Allen, D'Alessio & Rezgel, 1995) examinou 30 estudos diferentes, com um total de 2,040 participantes, tendo concluído que a exposição à pornografia aumentava os comportamentos agressivos. Apesar de existirem vários fatores que influenciam este efeito (por exemplo, o conteúdo da pornografia visualizada), os investigadores concluíram que existe uma ligação entre a exposição à pornografia e a consequente agressão comportamental. Num outro estudo (Crossman, 1995), sobre a relação entre os diferentes graus de agressão sexual e as características individuais, verificou-se que a utilização de pornografia foi o correlato mais forte da agressão sexual. Os resultados deste trabalho, sugeriram que quanto mais frequente for a utilização da pornografia e quanto mais violento for o seu conteúdo, maior é a probabilidade de envolvimento em sexo coercivo. Numa outra meta-análise, Malamuth e colaboradores (2000) analisaram uma amostra representativa da população universitária masculina (n=2972), concluindo que o consumo frequente de pornografia estava associado a comportamentos sexualmente agressivos, especialmente entre aqueles que recorriam a materiais violentos, assim como entre os que manifestavam um risco mais elevado na predisposição para cometer agressão sexual,

apresentando níveis de agressividade quatro vezes superiores aos daqueles que não consumiam pornografia frequentemente.

Segundo Carter, Prentky, Knight, Vanderveer e Boucher (1987), as investigações com ofensores sexuais têm demonstrado que, numa proporção substancial destes indivíduos, a pornografia pode ser implicada em todos os estágios da agressão sexual: na predisposição para as práticas abusivas, na iniciação e perpetração deste tipo de crimes, na redução de inibições internas e externas, na legitimação e normalização destes comportamentos, e no desenvolvimento e reforço de sistemas de falsas crenças sobre as vítimas de abuso.

Ao avaliarem a relação entre o consumo de pornografia, o comportamento agressivo e o risco de reincidência, em 341 abusadores sexuais adultos, Kingston, Fedoroff, Firestone, Curry e Bradford (2008) constataram que a utilização de materiais pornográficos era um preditor de violência quando marcava presença em conjunto com outros fatores de risco de cometimento de agressões sexuais (e.g., masculinidade hostil e sexo impessoal). Concretamente, observaram que entre os abusadores sexuais infantis que pontuaram de forma elevada nos fatores de risco, o consumo frequente de pornografia aumentava a probabilidade de serem sexualmente agressivos, bem como de reincidência. Para além disso, os resultados também indicaram que os indivíduos que consumiam pornografia desviante (i.e., com teor parafílico), apresentavam maior risco de reincidirem, quando comparados com os que não visualizavam este tipo de pornografia, tendo esta diferença sido consistente em todos os níveis de risco. Saliente-se que esta relação entre a pornografia e a violência sexual foi também encontrada nos jovens agressores sexuais, verificando-se que aqueles que consumiam conteúdos pornográficos tinham maior probabilidade de cometerem agressões sexuais, face aos que não recorriam a pornografia (Alexy, Burgess & Prentky, 2009).

Apesar do consumo de pornografia estar mais conotado com o sexo masculino (Kernsmith & Kernsmith, 2009; Perrin et al., 2008; Romito & Beltramini, 2011), tem vindo a verificar-se um aumento da visualização por parte das mulheres, nas quais também tem sido encontrada uma relação entre o consumo de pornografia e a coerção sexual, não sendo, contudo, propensas ao cometimento de violência física (Kernsmith & Kernsmith, 2009).

Efeitos nas fantasias sexuais

Fantasias sexuais são pensamentos, sensações ou imagens, de cariz sexual (Kaufman, 1993; Williams et al., 2009), que podem surgir deliberadamente a partir de um estímulo interno ou externo, ou de forma involuntária (Williams et al., 2009).

O conteúdo das fantasias sexuais é grandemente influenciado por aquilo que cada pessoa observa, lê, ouve e vivencia de um modo direto, variando em função das suas referências, das experiências passadas, dos estilos cognitivos, da personalidade e da criatividade. É comum a presença de fantasias sexuais em ambos os sexos (Greendlinger & Byrne, 1987), verificando- se, no entanto, uma maior frequência nos homens (Leitenberg & Henning, 1995). Estes, tendem a manifestar mais fantasias de dominância e com múltiplos parceiros, enquanto que nas mulheres as fantasias de submissão e envolvendo apenas um parceiro, são as que revelam um maior protagonismo (Zurbriggen & Yost, 2004).

Uma forma comum de criar e ampliar fantasias sexuais é a exposição à pornografia (Williams et al., 2009). Presumivelmente, os efeitos são mais fortes quando o consumo é auto-iniciado (e.g., compra de revistas e vídeos, procura ativa na internet), ao invés de involuntário (e.g., através de spam, videoclipes que aparecem de forma automática).

A investigação sobre fantasias sexualmente desviantes (i.e., fantasias que envolvem atos sexuais que não são socialmente aceitáveis, por serem ilegais, não consensuais ou prejudiciais; Gee, Devilly, & Ward, 2004) em amostras de agressores, tem documentado uma elevada prevalência deste tipo de fantasias: 82% (Langevin, Lang & Curnoe, 1998), 86% (Prentky et al., 1989) e 92% (Gee et al., 2004). Compreensivelmente, essas taxas são mais altas entre agressores sexuais do que nos que não cometeram crimes sexuais (Curnoe & Langevin, 2002), sendo particularmente elevadas entre homicidas sexuais e agressores sexuais em série, por oposição aos que não matam as vítimas e aos que cometeram um único crime (Prentky et al., 1989). O conteúdo das fantasias dos ofensores sexuais tende a ser sobreponível aos seus crimes (Gee et al., 2004; Looman & Marshall, 2005), realçando-se que, em múltiplas ocasiões, os agressores alegam que as fantasias precipitaram os seus comportamentos de violência sexual (MacCulloch, Snowden, Wood & Mills, 1983). Este facto tem conduzido a um crescente interesse investigacional sobre o papel das fantasias sexuais no cometimento de agressões sexuais (Curnoe & Langevin, 2002; Gee et al., 2004; Langevin et al., 1998; Looman & Marshall, 2005; Williams et al., 2009).

Williams e colaboradores (2009) colocaram a seguinte hipótese: se a pornografia pode amplificar as fantasias (e, portanto, a excitação sexual), poderá igualmente incentivar os espetadores a reproduzir o comportamento fantasiado? No seu estudo, 95% dos entrevistados da população geral admitiram ter, pelo menos, uma fantasia sexualmente desviante (as mais comuns eram voyeurismo, frotteurismo e sadismo; as menos comuns, travestismo e pedofilia) e 74% reportaram envolvimento em, pelo menos, um comportamento sexualmente desviante. O consumo de pornografia encontrava-se associado a relatos mais frequentes de

comportamentos sexualmente desviantes, sendo esta associação parcialmente moderada pela relação entre a pornografia e as fantasias sexuais. Deste modo, a pornografia parece potencializar a tradução da fantasia sexual num comportamento equivalente.

O estudo de Williams e colaboradores (2009) investigou também a possibilidade de os traços da personalidade moderarem a relação entre a pornografia e os comportamentos sexuais desviantes. A associação entre os comportamentos e as fantasias foi apenas significativa nos sujeitos que apresentavam traços marcados de psicopatia. Paralelamente, a associação entre a utilização da pornografia e o comportamento sexualmente desviante, também só foi significativa entre os participantes com altos níveis de psicopatia. Em geral, as variáveis das diferenças individuais teoricamente relevantes (e.g., o neuroticismo, a psicopatia, entre outros) moderaram a relação entre as fantasias sexualmente desviantes e os comportamentos, e entre a utilização de pornografia e as práticas desviantes.

Efeitos na violência nas relações íntimas

A violência doméstica constitui outra forma de violência, maioritariamente exercida contra as mulheres e, tal como as outras, parece ser intensificada pela utilização de pornografia. A literatura indica que nos casos de violência doméstica em que os parceiros íntimos consumam pornografia, há uma maior probabilidade de ocorrer especificamente violência sexual, para além da física e psicológica, assim como mais comportamentos controladores (Cramer et al., 1998; Shope, 2004; Simmons, Lehmann & Collier-Tenison, 2008).

No estudo de Shope (2004), das mulheres que foram vítimas de violência no contexto das suas relações íntimas, 73% afirmou que o seu parceiro tinha utilizado pornografia, sendo que 40% especificou o recurso a pornografia violenta por parte dos parceiros. Entre as mulheres cujos parceiros acediam a conteúdos pornográficos, 53% reportou que lhes tinha sido pedido, ou tinham sido forçadas, a representar cenas semelhantes às observadas pelos companheiros. De igual forma, num inquérito a mulheres que se separaram dos seus parceiros íntimos abusivos, verificou-se que a 75% havia sido mostrada pornografia e solicitado ou forçado a replicarem práticas sexuais idênticas às das imagens visualizadas; a 64% tinha sido descrita pornografia, acompanhada do pedido ou de coação para reproduzirem os mesmos atos; a 31% tinha sido requerido para pousarem para fotografias pornográficas; e 81% tinham sido violadas (Cramer et al., 1998). Refira-se ainda que este estudo encontrou uma forte associação entre a utilização de pornografia violenta pelos homens e o abuso físico das mulheres.

Simmons e colaboradores (2008) entrevistaram uma amostra de mulheres vítimas de violência doméstica, tendo apurado que os agressores que consumiam pornografia eram mais propensos a recorrer a violência sexual, a violação conjugal e a stalking (i.e., assédio persistente), quando comparados com outros agressores. Paralelamente, as mulheres e as crianças que foram vítimas de abuso sexual, relataram que, regularmente, os perpetradores utilizavam materiais pornográficos violentos para legitimarem os seus comportamentos sexuais agressivos e humilhantes e para lhes “ensinar” o que tinham de fazer (Simmons et al., 2008). Numa perspetiva sintetizadora, e tendo por base entrevistas com consumidores de pornografia e ofensores sexuais, assim como os achados de outros trabalhos, Dines e Jensen (2004), concluíram que a pornografia pode constituir um fator importante na formação de uma visão de dominância masculina sobre a sexualidade; ser utilizada para iniciar as vítimas e eliminar a sua resistência face a atividades sexuais indesejadas; contribuir para dificultar a distinção entre a fantasia sexual e a realidade; e fornecer um “manual de treino” aos abusadores.

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