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3. A IGREJA E RESIDÊNCIA DE REIS MAGOS

3.4. Portas e soleiras que dividem mundos

É importante salientar que os termos “interior” e “exterior” referidos por Norberg- Schulz são relativos à pessoa que os considera, a sua posição no ambiente e a escala considerada entre um lugar e outro. Aguilló compreende bem esta distinção, observando que o estar “dentro de casa, fora significa a cidade. [...] No país, fora significa o estrangeiro. Se trata de uma divisão [...] portanto, egocêntrica.” (AGUILLÓ, 1999, p. 270, tradução nossa). Egocêntrica no sentido de que o observador considera o mundo a partir de sua posição relativa a ele. No entanto, as considerações realizadas por Norberg-Schulz ao tratar da fenomenologia da arquitetura, “interior” e “exterior” referem-se basicamente aos espaços que relacionam o “dentro” e “fora” da edificação.

Norberg-Schulz e Aguilló concordam que a soleira da edificação torna-se elemento fundamental, pois é nela que o limite é concretizado: “uma soleira separa o exterior do interior” (NORBERG-SCHULZ, 1980, p. 9, tradução nossa). Neste sentido, a porta aparece como uma fronteira que, além de permeável a luz e ar como a janela, convida a ‘ultrapassar’ o limite exterior-interior, e vice-versa. Como limite entre duas polaridades, interno e externo, público e privado, natural e construído, a ‘soleira’ carrega um significado particularmente importante.

A relação interior-exterior é compreendida de maneira mais clara quando considerada sua situação em relação às portas das edificações. Aguilló evidencia que, ao contrário das janelas, as portas oferecem a possibilidade de ultrapassagem deste limite.

A porta permite segregar uma parte da infinidade do espaço em uma unidade particular [...]. Um fragmento do espaço se separa do resto do mundo porém, precisamente porque pode abrir-se a porta produz uma maior sensação de separação que o simples muro indiferenciado. É essencial para o homem em um sentido profundo, pois serve como limite, porém oferece sempre a liberdade de eliminá-lo, de superá-lo, indo mais além. (AGUILLÓ, 1999, p. 270-271, tradução nossa).

Esta distinção entre portas e janelas é fundamental para a compreensão de como a edificação se relaciona com o ambiente externo a ela. Além disso, Aguilló observa que a porta oferece a possibilidade de sair, existe uma relação ativa entre o observador e o meio externo.

3.4.1. Na Igreja e Residência de Reis Magos

Os acessos permitidos atualmente para o interior da Igreja e Residência de Reis Magos são voltados para a praça, com exceção apenas de uma porta lateral da igreja, que se encontra normalmente fechada quando não está sendo realizada alguma celebração religiosa.

O acesso principal à igreja se dá pela porta maior, mais destacada na fachada da edificação. Como um portal que divide dois mundos distintos, o sagrado e o profano, a porta se encontra emoldurada por um pórtico de pedra, diferentemente da entrada para a residência, de portada simplificada.

A porta de entrada da igreja não possui esta soleira destacada. Enquanto que a porta da residência é destacada pela soleira fortemente marcada, no piso; a porta de entrada da nave é destacada pelo portal em pedra, trabalhado principalmente na porção superior. Além disso, é interessante notar que a região em semicírculo calçada ao redor da porta da residência foi construída com técnica e materiais semelhantes ao que foi utilizado para a construção das fundações da antiga edificação anexa (ver figuras 35 e 36). Desta forma, podemos supor que a soleira apresentada provavelmente não foi construída recentemente e, sendo assim, há muito tempo já demarcava a entrada da residência dos padres inacianos.

Fig. 31. Fachada principal da Igreja e Residência

Fig. 33. Detalhe das janelas e óculo do coro.

Fonte: Foto da autora. Fig. 34. Detalhe da porta de entrada da Igreja. Fonte: Foto da autora, Embora menos rebuscada que a porta de entrada da igreja do complexo, a entrada da ala de residência é bem marcada. Uma pequena área calçada realça a diferença do ambiente interno e externo, separando-os. Se a porta aparece como acesso, a soleira destacada reafirma a transposição. Desta maneira, a soleira da edificação parece confirmar o que nos diz Norberg-Schulz a respeito do significado da mudança de ambientes que a soleira concretiza, possível através das portas de acesso a edificação, conforme relatado anteriormente.

Fig. 35. Detalhe da soleira da porta de entrada

da residência. Fonte: Foto da autora. Fig. 36. Fundações da antiga edificação construída no atual pátio posterior, descobertos em pesquisa arqueológica em 2001. Fonte: Foto da autora

Fig. 37. Porta de entrada da residência, vista

pelo lado externo. Fonte: Foto da autora. Fig. 38. Porta de entrada da residência, vista pelo lado interno. Fonte: Foto da autora. Logo após a entrada, o visitante se depara com um arco no saguão de entrada (figura 39), que dá acesso à varanda do pavimento inferior. O saguão encontrado logo na entrada parece acolher o visitante, enquanto que o portal que dá acesso ao centro da edificação sugere a separação de ambientes: além dele existe o espaço privado da antiga residência dos padres jesuítas.

O detalhe exposto do revestimento de piso remete às técnicas tradicionais de piso em tijolo. É bem possível que este revestimento tenha sido utilizado em todo o pavimento térreo da residência. No pavimento superior e na nave, o piso foi construído em madeira.

Fig. 39. Portal visto a partir da porta de entrada da

residência. Fonte: Foto da autora. Fig. 40. Detalhe do piso do saguão de entrada, em direção a sala de exposição arqueológica. Fonte: Foto da autora.