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Dependendo se você gostou ou odiou “O Homem do Colorado” (acho que para muitos não haverá meio termo neste assunto, e tudo bem por mim), você tem meu amigo Scott para agradecer ou culpar. Ele me trouxe o recorte de jornal que inspirou a história.

Cada escritor de ficção teve alguém que lhe trouxesse um recorte de vez em quando, certo de que o sujeito fizesse uma história maravilhosa. “Você só tem que mudar um pouco,” o Portador de recorte diz com um sorriso otimista. Eu não sei como isso funciona com outros escritores, mas nunca funcionou comigo, e quando Scott me entregou um envelope com um recorte de um jornal do Maine dentro, eu esperei mais do mesmo. Mas minha mãe não criou ingratos, então eu agradeci, levei para casa, e atirei-o na minha mesa. Um ou dois dias depois, rasguei o envelope, li a história, e fiquei imediatamente galvanizado.

Eu perdi o recorte desde então, e pela primeira vez o Google, o salvador de idiotas do século 21, não me ajudou em nada, então tudo o que posso fazer é resumir a partir da minha memória, uma fonte de referência notoriamente não confiável. No entanto, neste caso, pouco importa, desde que a história foi apenas a faísca que acendeu o pequeno fogo que queimou por  estas páginas, e não o próprio fogo.

O que chamou minha atenção imediatamente após ver aquela matéria foi o desenho de uma vermelha e brilhante bolsa. A história era da jovem que era sua dona. Ela foi vista um dia, andando pela principal rua de uma comunidade em uma pequena ilha da costa do Maine, com a bolsa vermelha no braço. No dia seguinte ela foi encontrada morta em uma das praias da ilha, sem a bolsa ou identificação de qualquer tipo. Até a causa de sua morte era um mistério, e embora tenha sido, eventualmente, oficializado como afogamento, com o álcool talvez contribuindo para isso, o diagnóstico permanece experimental até hoje. A jovem acabou  por ser identificada, mas não até que seus restos houvessem passado um longo e solitário tempo em uma cripta continental. E eu fui deixado novamente com um sabor de mistério que as ilhas do Maine como Cranberry e Monhegan sempre deixam em mim—suas contrastantes,  porém estranhamente, corteses atmosferas da comunidade e da solidão. Existem poucos lugares na América, onde a linha entre o pequeno mundo interior e todo o grande mundo exterior é tão firme e profundamente estabelecida. Cidadãos de ilhas estão cheios de calor   para aqueles com quem se identificam, mas mantêm os seus segredos guardados para os que não. E como Agatha Christie mostra tão memoravelmente em “O Caso dos Dez Negrinhos”, não há sala trancada tão grande como uma ilha, mesmo em uma onde o continente parece a apenas um passo de distância em uma clara tarde de verão, não há lugar tão perfeitamente feito  para um mistério.

Mistério é o meu assunto aqui, e estou ciente de que muitos leitores se sentiram enganados, mesmo irritados, por minha incapacidade de oferecer uma solução ao tal colocado. Será que é porque eu não tive nenhuma solução para dar? A resposta é não. Se eu tivesse

 posto o meu juízo para trabalhar (como Richard Adams coloca em seu posfácio de “Shardik”), eu poderia provavelmente dar meia dúzia, três bons, dois ótimos, e um excelente como uma  pintura. Eu suspeito que muitos de vocês que leram o caso sabem quais são alguns ou todos eles. Mas, neste caso eu estou mais interessado no mistério do que na solução. Porque foi o mistério que me trouxe de volta a história, dia após dia.

Preocupei-me com aqueles dois velhotes, roendo incessantemente o caso durante seu tempo livre mesmo que os anos fossem passando e eles fossem ficando cada vez mais senis? Sim, eu me preocupei. Preocupei-me com Stephanie, que está passando por um tipo de teste, e sendo julgada por juízes gentis, mas duros na queda? Sim—eu queria que ela para passasse. Eu estava feliz com cada pequena descoberta, cada pequeno raio de luz lançado? Claro que sim. Mas na maior parte, o que me atraiu foi o pensamento do Homem do Colorado, sustentado contra uma lata de lixo e olhando para o oceano, uma anomalia que se estendia à mais flexível credulidade até o ponto de aderência absoluta. Talvez até um pouco além. No final, eu não me importei com como ele chegou lá, como um rouxinol vislumbrado no deserto, simplesmente me tirou o fôlego o fato de que ele estava lá.

E, claro, eu queria ver como meus personagens lidariam com o fato. Descobriu-se que se saíram-se muito bem. Eu estava orgulhoso deles. Agora vou aguardar meu correio, tanto o normal quanto o eletrônico, e do caracol de variedades, e ver como vocês lidaram com ele.

Eu não quero deturpar os pontos, mas antes de me despedir, quero que você considere o fato de que vivemos numa teia de mistérios, e simplesmente nos acostumamos tanto a riscar  uma palavra e a substituí-la por uma que achemos melhor, essa sendo “realidade”. De onde viemos? Onde estávamos antes de chegarmos aqui? Não sabemos. Para onde vamos? Não sabemos. Um monte de igrejas tem aquilo que nos garantem serem as respostas, mas a maioria de nós tem uma pequena suspeita de que tudo isso possa ser embromação para preencher os vazios. Enquanto isso, nos encontramos numa espécie de jogo compulsório de queimada enquanto estamos em queda livre do “sabe se lá onde” para o “não tenho idéia do que vem a seguir”. Algumas vezes as bombas explodem, algumas vezes os aviões aterrissam seguros e algumas vezes os testes sangüíneos dão “limpo” e algumas vezes as biópsias dão “positivas”.  Na maioria das vezes a ligação telefônica terrível não acontece no meio da noite, mas às vezes sim, e de qualquer forma, ficamos sabendo que vamos dirigir a toda velocidade rumo a algum eventual mistério.

É loucura ser capaz de viver com isso e manter a sanidade, mas também é bonito. Eu escrevo para saber o que eu penso e o que eu descobri escrevendo “O Homem do Colorado” foi que, talvez—só talvez—seja a beleza do mistério que nos permite viver sãos enquanto  pilotamos nossos corpos frágeis através deste mundo de demolição em massa. Queremos

sempre alcançar as luzes no céu, e nós sempre queremos saber de onde o Homem do Colorado (o mundo está cheio de Homens do Colorado) veio. Querer pode ser melhor do que saber. Eu não digo isso com certeza, eu apenas sugiro. Mas se você me disser que eu falhei no trabalho e não contei a todos a história que tinha que contar, eu digo que você está totalmente errado.

Stephen King,

No documento O Homem Do Colorado - Stephen King.pdf (páginas 99-101)

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