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A revisão de 2013 do CPP no que se reporta às declarações do arguido prestadas antes de audiência de julgamento suscitou como tivemos oportunidade de constatar divisões doutrinárias, para além de estar alicerçada em razões incongruentes.

Até à entrada em vigor da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro a leitura em audiência de declarações do arguido prestadas antes da audiência de julgamento apenas se podia realizar em duas situações, ou seja, o arguido voluntariamente decidia-se a fazê- lo para esclarecimento, ou, o arguido (tendo as declarações sido prestadas perante juiz) quebrava o silêncio em audiência de julgamento e entrava em contradição com o que havia proferido.

Por conseguinte, a Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro veio trazer para a fase de investigação e nomeadamente nos interrogatórios por autoridade judiciária o ambiente vivido na audiência de julgamento.

Incumbe sublinhar como demonstra o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01/02/2015, proc. n.º 212/11.1GACLB.C1 que para se respeitem os arts. 355.º CPP e 357.º CPP e por consequência se salvaguardem os princípios estruturantes do processo penal as declarações anteriormente prestadas na fase de inquérito têm de ser lidas em audiência de julgamento, sendo que isto acontece quando o arguido confessou o crime na fase de inquérito e em audiência de julgamento se remeteu ao silêncio.

Porém, mais do que a leitura de declarações do arguido, o registo audiovisual constitui um meio mais fidedigno que permite ao juiz de julgamento ter acesso ao momento em que o arguido prestou declarações.

Deste modo cumpre-se o princípio da livre apreciação da prova, em que as declarações são avaliadas através de uma gravação que permite ao juiz de julgamento avaliar as expressões verbais e corporais do arguido tendo um acesso credível e fiável aos incidentes da fase de inquérito.

Nesta perspetiva, são inquestionáveis os ganhos em termos de descoberta da verdade material, através do exame em audiência de declarações anteriores do arguido que se encontrem gravadas em registo audiovisual, visto que deixam de existir perdas que resultavam da não valoração das declarações do arguido, visto que se dá sempre conhecimento a este de que pode exercer o direito ao silêncio e é informado de forma expressa que as suas declarações anteriores à fase de audiência de julgamento podem ser utilizadas apesar de estar ausente ou, estando presente, opte pelo silêncio.

Desta forma, o registo audiovisual é um meio de comunicação mais fidedigno de transmissão dos factos do que o registo escrito e ulterior leitura em audiência de julgamento.

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Por isso parece-nos que a difusão das declarações do arguido em audiência de julgamento deve-se fazer através do registo audiovisual de modo a assegurar os princípios da imediação, oralidade, concentração e contraditório, pelo que se podem levantar dúvidas quanto à leitura em audiência de declarações do arguido respeite os princípios estruturantes do processo penal, visto que não permite uma transmissão transparente e assertiva dos incidentes e factos ocorridos no interrogatório ao arguido.

Por tudo isto, parece-nos que na alteração do art. 357.º n.º 1 alínea b) CPP se deve distinguir se as declarações anteriores do arguido ficaram registadas em suporte escrito ou em suporte audiovisual.

Quanto ao registo escrito, a ulterior leitura de declarações do arguido prestadas em condições anteriormente descritas pode levantar dúvidas de que se respeitem os princípios estruturantes do processo penal, pelo que como vimos no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, a não leitura em audiência de julgamento levou à absolvição do arguido.

No que toca ao registo audiovisual por ser um meio mais fidedigno e transparente de transmissão das declarações do arguido na fase de inquérito confere uma maior segurança aos sujeitos processuais e dá uma maior confiança ao sistema jurídico de que o princípio da não autoincriminação e os direitos de defesa do arguido são assegurados.

Porém pode considerar-se que os ganhos para a descoberta da verdade material são inquestionáveis com a lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, mas que esses ganhos se podem fazer à custa dos princípios estruturantes do direito processual penal e do direito ao silêncio, pelo que nunca se deve olvidar a diferença quanto à verosimilhança do depoimento registado através de meio escrito ou de meio audiovisual.

Assim, deve-se meditar se o quadro do sistema processual penal inverteu os valores de proteção do arguido perante o Estado, havendo atualmente uma maior procura pela descoberta de factos que possam incriminar os arguidos, pelo que se deve ponderar se na realidade a alteração preconizada promoveu a proteção do interesse coletivo e uma justiça mais célere e eficaz ou apenas visou responder a sentimentos da sociedade que confundem arguido com “culpado” e merecedor de uma “punição”.

Por tudo isto, na nossa opinião, no âmbito da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro deve-se considerar que apenas o registo audiovisual de declarações do arguido permite a valoração de declarações anteriormente prestadas pelo arguido desde que perante autoridade judiciária, com admoestação e na presença de defensor, se mostram cruciais para a descoberta da verdade material e para a desejável fundamentação da sentença.

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