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ADOLESCENTES E DE SUAS

FAMÍLIAS NOS ARTIGOS N %

Voz

presença da opinião/voz de crianças e

adolescentes trabalhadores 17 70,8%

Posição das crianças e adolescentes

trabalhadores frente ao TIJ*

favorável com restrição 7 43,7%

mista 4 25,0%

Concepção predominante de

família*

avaliada negativamente 12 63,1%

Posição dos pais/parentes frente ao

TIJ*

favorável sem restrição 16 84,2%

Apesar de muitos autores terem ouvido crianças e adolescentes trabalhadores, o que à primeira vista poderia ser tido como indicação de que o lugar da criança e do adolescente estaria passando por mudanças visíveis no discurso acadêmico da Psicologia, é necessário considerar o tratamento dado nos artigos à voz das crianças e adolescentes. Na maior parte dos artigos, apesar de os trabalhadores infanto-juvenis serem ouvidos, sua “opinião”, quando não corrobora com a posição defendida no texto, é tida como “ideológica”, equivocada etc. Referindo-se aos resultados de sua pesquisa sobre o trabalho infanto-juvenil na mídia, Freitas (2004) afirma que “a argumentação discursiva das UI, ao dar a voz para os trabalhadores infanto-juvenis, procurou destacar que em certa medida esses filhos já estavam ‘contaminados’ pela visão ‘tradicional’ de seus pais” (p. 181). Como pode ser observado nas afirmações abaixo, a mesma afirmação pode ser feita em relação ao tratamento do TIJ em artigos do corpus.

Os sentimentos em relação ao trabalho na lavoura são ambivalentes: meninos e

meninas parecem relutar em admitir que este interfira em algum aspecto de sua vida, avaliando-o como necessário e importante para a sua formação.

Pode-se pensar que existe um sentimento de lealdade às famílias, que são quem os introduzem no trabalho: pais, e, ao mesmo tempo, patrões. O componente da obrigação, do dever, aparece claramente nas falas das crianças, somando-se a um conformismo com a sua condição de trabalhadores(as) (HILLESHEIM, 2001, p. 112, grifos nossos).

Constatou a autora que criança/adolescente não demonstra amargura ou revolta pelo fato de precisar trabalhar. Ao contrário, parece sentir-se importante por ser capaz de contribuir com a limitada receita da família.

Percebe-se uma inversão dos fatos: as crianças/os adolescentes sentem-se

importantes, graças ao trabalho que realizam para a sociedade, família, amigos e vizinhos. Entretanto essa “importância” que eles conquistam os impede, na prática, de atingir, por meio da escolarização, um nível mais elevado e mais digno de emprego e de vida. Gouveia (1983) assinala ainda que essas crianças e adolescentes não percebem a situação lamentável de vida que levam (SOUSA, 1999, p. 133, grifos nossos).

Em um outro artigo (ALVES et al., 2001), foram entrevistadas 20 crianças com idade média de 10 anos, entre as quais, 15 trabalhavam. Os pesquisadores solicitaram que as crianças completassem frases como: “trabalhar para mim é...”; “quando eu trabalho, eu me sinto...”; “quando eu trabalho, eu penso em...”; “eu trabalho porque...”; “entre trabalhar e brincar, eu prefiro...” (p. 56). O texto afirma que “quando o tema trabalho foi abordado, as crianças associaram esta tarefa ao prazer de realizá-la” (p. 59). O retorno financeiro e o “bem- estar de executar algo socialmente valorizado” foram as justificativas mais frequentemente dadas pelas crianças para o seu trabalho, conforme o texto. Mais uma vez, as crianças foram ouvidas, mas suas respostas pouco consideradas, como pode ser percebido na seguinte conclusão do artigo:

[...] o que se encontra subliminar a estas, e às demais respostas, são as crenças, os valores e as expectativas vinculadas a sua situação. Mesmo porque, como apontado por Souza (1994, p.154) “existe uma ideologia de valorização do trabalho da criança mais do que a real participação desta na renda familiar. O que se observa é que o trabalho prematuro contribui mesmo é para a formação de uma mão-de-obra desqualificada, despreparada e que se restringirá à prestação de serviços no subemprego [...]”. (ALVES et al., 2001, p. 67)

Outro exemplo vem da conclusão do artigo de Silva (2001) sobre os relatos de duas meninas, com idades entre 10 e 12 anos. O texto transcreve a fala das entrevistadas:

...acordo de manhã e meus pais já foram pra roça...nas férias vou junto quando dá...em tempo de colégio fico em casa e tomo conta da minha irmã de 5 anos...ela não incomoda; fica brincando enquanto tiro leite da vaca e faço nosso café...quando

arrumo a casa ela fica olhando a Angélica, ela gosta...e na hora de fazer o almoço, ela ajuda a arrumar a mesa... (p. 104).

em casa, faço o pão que minha avó me ensinou... ela já morreu, mas sei fazer o pão dela melhor que minha mãe... ela diz que vou conseguir casamento melhor que ela desse jeito (p. 104).

E, então, o texto conclui: “[...] verifica-se a identidade feminina sendo formada à base do cuidar e do limpar, ficando, portanto, uma identidade circunscrita ao ambiente doméstico. Estas crianças não aspiram a um mundo novo, com possibilidade de maior conhecimento” (SILVA, 2001, p. 104).

Rosemberg e Freitas (2002), em artigo não pertencente ao corpus desta pesquisa, observando outros estudos que, como estes, buscaram “desmistificar” o discurso de crianças e adolescentes que dizem gostar de trabalhar, afirmam que “as razões subjetivas das crianças são descartadas em nome das ‘razões concretas e objetivas’ do analista adulto que não consegue integrá-las a seu quadro interpretativo” (p. 96).

Segundo Woodhead (1999), ouvir o ponto de vista das crianças trabalhadoras oferece um antídoto para os discursos universalistas sobre normalidade, saúde e desenvolvimento. Observando os usos citados, acrescentamos que seria necessário proceder-se a uma exegese sobre os sentidos atribuídos ao termo ideologia em alguns dos textos do corpus: aparentemente a concepção de falsa consciência predomina. A verdadeira consciência proviria da interpretação oferecida nos artigos. A nosso ver, trata-se de ponto relevante e que necessitaria maior aprofundamento, talvez mesmo objeto de estudo específico: qual o uso que

pesquisadores da Psicologia temos feito da fala de crianças, adolescentes e seus familiares, particularmente quando escutamos pessoas das camadas populares? Que recursos teóricos e éticos podem-nos auxiliar para investigar com respeito às pessoas e adequação acadêmica?

Alguns artigos, porém, fazem outro uso da fala de crianças ou adolescentes trabalhadores, por exemplo, o artigo de Stengel e colaboradoras (2002) e Martinez (2001).

No que se refere à posição dos pais e familiares frente ao trabalho das crianças e dos adolescentes, a maioria dos artigos que apresentam considerações sobre suas opiniões, as considera exclusivamente favorável (84,2%) (Tabela 9). Para o restante, ou ela é indefinida ou favorável com restrições. Considerando que a posição defendida nos artigos é, em sua maioria, abolicionista ou desfavorável ao TIJ, podemos afirmar que, no corpus, pais e familiares de crianças e adolescentes trabalhadores são tidos como inadequados para o cuidado de seus filhos. Eles são apresentados como apoiadores do trabalho infanto-juvenil, ainda que este envolva prejuízos para as crianças, como pode ser observado nas afirmações abaixo:

[...] observa-se que tanto as famílias quanto outros setores da sociedade atrelam às justificativas de teor econômico razões de caráter subjetivo para estimular, encorajar as crianças a, cedo, ingressarem em alguma atividade produtiva. Ao tratar-se de certa parcela dos adolescentes, então, observa-se a defesa

intransigente do direito e da importância do trabalho produtivo, na maior parte das vezes em detrimento de atividades esportivas, estudantis etc., ainda que o trabalho desenvolvido represente sério dano físico ou mental (CAMPOS

Assim, o contexto de pobreza em que estão inseridas as famílias forja um discurso de justificação da inserção precoce no trabalho, naturalizando-o, discurso que tanto serve para negar os evidentes prejuízos às crianças quanto afirmar a importância do emprego delas pelos capitalistas (CAMPOS e FRANCISCHINI, 2003, p. 122).

A miséria e a necessidade de sobrevivência levam os pais à conivência. Chega a ser assustador, como os próprios pais exploram os filhos, permitindo que trabalhem em situações perigosas insalubres e penosas. Há pais que, pelo fato de não

conseguirem trabalhar outros valores com os filhos, ficam também vulneráveis ao forte apelo da mídia; insistem em uma vaga em qualquer oficina, padaria, farmácia etc. para suprirem os desejos consumistas dos filhos (COSENDEY,

2002, p. 25, grifos nossos).

[...] entendemos que em nenhum momento houve uma reflexão entre as mães a respeito, por exemplo, de como o trabalho precoce é um forte reprodutor da pobreza (FEITOSA e DIMENSTEIN, 2004b, p. 68).

Como pode ser percebido nos seguintes fragmentos dos artigos analisados, no contexto da interpretação do “ciclo vicioso” do trabalho infanto-juvenil, a família é tida como responsável pela manutenção do ciclo.

Parte-se da suposição de que certas práticas, crenças e valores construídos em nossa sociedade em relação ao trabalho infantil estão arraigados nesses processos e instituições [socialização, família e escola]. Esses, por sua vez, vêm transmitindo e reforçando historicamente tais práticas e crenças (FEITOSA e DIMENSTEIN, 2004b, p. 288).

Os próprios pais, muitas vezes, defendem que o trabalho da criança é necessário para a família, reproduzindo a lógica do sistema (MARQUES, 1998, p. 150).

[...] constatamos ser o trabalho infantil uma estratégia transgeracional de preservação das famílias, transmitida por, pelo menos, três gerações consecutivas (MARQUES, 2001, p. 117).

Outro aspecto identificado no corpus sobre as famílias das crianças e dos adolescentes trabalhadores foi a concepção de que crianças e adolescentes trabalham como uma imposição de suas famílias, pressupondo-os como passivamente submetidos à hierarquia familiar e de idade. Assim como encontrado por Freitas (2004) em relação ao discurso midiático, aqui também “a argumentação ignora o protagonismo desse segmento etário que, embora por vezes realize tarefas por exigências de seus pais, o faz a seu modo [...]” (p. 177).

Há uma distância enorme entre o que é pensado e o que é decidido em termos de políticas e as realidades vividas pelas famílias, que não só apóiam, mas muitas vezes, impõem a entrada das crianças no trabalho (FEITOSA e DIMENSTEIN, 2004b, p. 294).

Mas, como a criança pode confrontar o Outro se este é um pai ou uma mãe desesperada pela fome e a obriga a desempenhar tarefas de um adulto? Eis o desafio que se coloca (MARQUES, 1998, p. 152).

Geralmente são as famílias que agenciam o trabalho das crianças, ficando com o controle do que recebem pelo trabalho realizado (SOUSA, 1999, p. 129).

Na construção argumentativa relacionada à imposição dos pais para que seus filhos trabalhem, encontramos a interpretação de que o trabalho infanto-juvenil seria moeda de troca para a obtenção do amor dos pais.

O brincar vai perdendo sua importância e o trabalho é a maneira de ter o reconhecimento e o amor dos pais. É bastante comum ouvir: “Os filhos são o único

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