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3. A Legítima Defesa

3.4. Positividade

Dada a importância que a legítima defesa assume no sistema social, enquanto meio jurídico de defesa particular contra agressões ilícitas, a sua base encontra lugar na lei fundamental, consagrando o artigo 21º da CRP que “Todos têm o direito de resistir a

qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública”.

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Neste sentido e referindo-se ao princípio da autoproteção individual, onde escreve Taipa de Carvalho,

“para nós é a defesa do bem jurídico concreto (i.e., tendo em conta a situação concreta) que justifica o direito de defesa, o direito individual de reagir contra a agressão, impedindo-a ou impedindo a sua concretização”, cf.

CARVALHO, Américo A. Taipa de - Direito Penal - Parte Geral, Questões Fundamentais/Teoria Geral do Crime. 2ª ed. [S.L.]: Coimbra Editora, 2008. 594 p. ISBN 978-972-32-1618-9. P.355; Também Manuel Cavaleiro de Ferreira partilha desta fundamentação, afirmando que “a legítima defesa não é, na sua essência, um

poder delegado pelo Estado e o seu exercício não constitui o exercício pelos particulares de uma função pública” porem acrescenta que “isso não obsta a que a legítima defesa, além de um direito de defesa contra a agressão a bens jurídicos, deva coincidir com a finalidade de conservação da ordem jurídica” cf. FERREIRA,

Manuel Cavaleiro de - Lições de Direito Penal - Parte Geral I, A lei penal e a teoria do crime no Código Penal de 1982. 4ª ed. Lisboa: Editorial Verbo, 1992. 569 p. ISBN: 9789722201384. P. 172.

62 CORREIA, Eduardo - Direito criminal, II, p.36 apud. SILVA, Germano Marques da - Direito Penal

Português – Parte Geral II, Teoria do Crime – Vol. II. 1ª ed. Lisboa/São Paulo: Editorial Verbo, 1998. 354p.

ISBN:9789722219020. P.90: “a legítima defesa realiza sempre” … “a defesa da ordem jurídica”. Então pergunta-se a quem defende esta fundamentação, o porque de defende-la se uma vez que, para estes, o fim da legítima defesa é a defesa da ordem jurídica, porquê existir uma legítima defesa que lesa essa mesma ordem jurídica com a ação defendida? A esta pergunta responde o mesmo autor, Eduardo Correia, “porque? Por se

entender que, em principio, o uso do meio exigido ou necessário para a defesa ou prevenção de uma agressão actual e ilícita do agente ou terceiros corresponde á prevalência do justo contra o injusto, à defesa do direito contra a agressão, ao principio de que a ordem jurídica não quer ceder perante a sua agressão” cf. COSTA,

Faria - O Perigo em Direito Penal. P.393. apud. GARCIA, M. Miguez - O Risco de Comer uma Sopa e

Outros Casos de Direito Penal: Elementos da Parte Geral, I. 2.ª ed. Coimbra: Almedina, 2012. 814 p. ISBN:

9789724048529. P. 361.

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Cf. SILVA, Germano Marques da - Direito Penal Português – Parte Geral II, Teoria do Crime – Vol. II. 1ª ed. Lisboa/São Paulo: Editorial Verbo, 1998. 354p. ISBN:9789722219020. Pp.89-90. Este autor anota porém que “a sua função primordial não é a defesa da ordem jurídica, mas a proteção individual, e que só

através desta protecção de direitos individuais se defende também a ordem jurídica, isto é, protegendo os direitos de cada um é que se protegem os direitos de todos e a própria ordem jurídica”; Também Figueiredo

Dias refere que “À defesa de um bem jurídico acresce sempre o propósito da preservação do Direito na esfera

da liberdade pessoal do agredido, tanto mais quanto a ameaça resulta de um comportamento ilícito de outrem”,

cf. DIAS, Jorge de Figueiredo - Direito Penal - Parte Geral - Questões Fundamentais - Tomo I, A Doutrina Geral do Crime. 2.ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. 1108 p. ISBN 978-972-32-1523-6. P.405.

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O Estado que consagra no seu ordenamento jurídico este regime de defesa dotado de carácter constitucional (ainda que de forma abstrata, deixando para as leis civis e penais ordinárias a definição do conceito de legítima defesa e a determinação dos requisitos e pressupostos a que a ação e a defesa devem obedecer), confere aos intervenientes sociais a resolução de conflitos quando não se mostre possível o recurso à força pública, valorando assim a defesa das pessoas contra aquelas agressões, em detrimento de um completo monopólio do poder do Estado na defesa do Direito, apresentando-se então como um indício da autonomia da autoridade do Direito perante o poder da autoridade.64

A Convenção Europeia dos Direitos do Homem65 consagra a legítima defesa, podendo-se retirar da alínea a) do n.º 2 do seu artigo 2º, que o bem jurídico Vida pode ser lesado em legítima defesa, desde que esta lesão se mostre absolutamente necessária para assegurar a defesa de qualquer pessoa contra uma violência ilegal.66

De forma mais específica, a legítima defesa encontra-se prevista no já citado art.º 32º do Código Penal, mas também no artigo 337º do Código Civil. Quer isto dizer que existem dois regimes jurídicos da legítima defesa, concorrendo ambos no mesmo ordenamento jurídico, porém com diferente âmbito de aplicação67. Também Figueiredo Dias68 partilha desta autonomia da legítima defesa penal relativamente à legítima defesa civil69.

Ainda que não se tenham levantado dúvidas por parte do leitor, importa referir que a legítima defesa que teremos por base neste estudo é a enunciada na alínea a) do n.º 2 do artigo 31º do CP, e definida no artigo 32º do mesmo Código, onde “constitui legítima defesa o facto

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Cf. PALMA, Maria Fernanda – Legítima Defesa. In PALMA, Maria Fernanda; ALMEIDA, Carlota Pizarro de; VIALONGA, José Manuel - Casos e matérias de Direito Penal. 3ª ed. [S.L.]: Almedina, 2009. 496 p. ISBN: 9789724021300. p. 160.

65 Que têm aplicabilidade no nosso ordenamento jurídico por força do n.º 2 do art.º 8º da Constituição

da República Portuguesa, pois este contém uma cláusula geral que determina a aplicabilidade direta das normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vinculativas internacionalmente do Estado Português.

66 Dispõe o n.º 1 do referido artigo que “O direito de qualquer pessoa à vida é protegido por lei.

Ninguém pode ser intencionalmente privado da sua vida, salvo em execução de uma sentença capital pronunciada por um tribunal, no caso de o crime ser punido com esta pena pela lei”, porém o seu n.º 2 estatui

que “Não haverá violação do presente artigo quando a morte resulte do recurso à força, tornado absolutamente

necessário: a) Para efetuar a defesa de qualquer pessoa contra uma violência ilegal; b) Para efectuar uma detenção legal ou para impedir a evasão de pessoa detida legalmente; c) Para reprimir, em conformidade com a lei, uma revolta ou uma insurreição.”.

67 FERREIRA, Manuel Cavaleiro de - Lições de Direito Penal - Parte Geral I, A lei penal e a teoria

do crime no Código Penal de 1982. 4ª ed. Lisboa: Editorial Verbo, 1992. 569 p. ISBN: 9789722201384. P.173.

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DIAS, Jorge de Figueiredo - Direito Penal - Parte Geral - Questões Fundamentais - Tomo I, A Doutrina Geral do Crime. 2.ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. 1108 p. ISBN 978-972-32-1523-6. P.436.

69 Acerca desta temática especifica veja-se VALDÁGUA, Maria da Conceição Santana – Aspectos da

legítima defesa no Código Penal e no Código Civil, separata da revista da Faculdade de Direito. Lisboa:

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praticado como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro”.

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