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3. As Doutrinas do Positivismo Jurídico Exclusivo e do Positivismo Jurídico

3.2 Positivismo Jurídico Inclusivo

Publicada no mesmo ano do Pós-escrito de Hart, Inclusive Legal Positivism reúne e aprimora diversos artigos publicados por Wilfrid Waluchow ao longo dos anos 80 e 90.

251 ROSSI, Amélia do Carmo Sampaio. Neoconstitucionalismo e a Superação da Perspectiva Positivista do

Direito. pp. 107-108. Disponível em: <http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/handle/1884/25864/amelia _final-2.pdf?sequence=1>. Acesso em: 25 jun. 2013.

252 Para uma explicação amiúde das três teses sustentadas por Hart, consultar a indicação de HART, H. L. A. El

Nuevo Desafio del Positivismo Jurídico. Sistema, n. 36, pp. 3-19, mayo 1990, trazida por DUARTE, Écio Oto Ramos; POZZOLO, Susanna. Neoconstitucionalismo e Positivismo Jurídico: As Faces da Teoria do Direito em Tempos de Interpretação Moral da Constituição. São Paulo: Landy, 2006, p. 33.

253 Conforme ARNUAD, André-Jean et. al. Dicionário Enciclopédico de Teoria e de Sociedade do Direito. Rio

Waluchow acolhe algumas sugestões da crítica de Dworkin para completar, explicitar e desenvolver melhor a teoria Hartiana.

O positivismo jurídico inclusivo surgiu como resposta à crítica, feita por Dworkin à teoria de Hart, que diz respeito à incompatibilidade da teoria clássica do positivismo com a realidade dos Estados Constitucionais contemporâneos, nos quais padrões morais plasmados na forma de princípios jurídicos assumem posição central na argumentação e raciocínio jurídico. Esse novo viés do positivismo, chamado de positivismo moderado, incorporacionista ou inclusivo254, defende uma releitura das teses do positivismo hartiano. As três teses centrais do positivismo jurídico são tradicionalmente expressas da seguinte forma255:

1. A Tese das Fontes Sociais: A existência e o conteúdo do direito numa determinada sociedade dependem de um conjunto de fatos sociais, ou seja, de práticas ou ações realizadas pelos membros dessa sociedade.

II. A Tese da Separação: A validade jurídica de uma norma (i.e. o fato de que tal norma pertence a um certo sistema jurídico) não requer sua validade moral, e, paralelamente, a validade moral de uma norma não se funda em sua validade jurídica.

III. A Tese da Discricionariedade: Normas jurídicas válidas não regulam claramente todos os comportamentos. Dessa forma, quando a lei aplicável a um caso é indeterminada, os juízes detêm um poder discricionário para criar a norma individual que regulará o caso concreto.

A interseção entre as duas correntes, exclusiva e inclusiva, aquilo que justifica colocá- las num mesmo balaio (o positivismo), é a crença de que a validade de uma norma jurídica deve ser vista em referência a fatos sociais, isto é, convenções e práticas humanas, (a chamada tese das fontes sociais do direito)256.

O que as distingue é a discordância quanto àquilo que pode ser estipulado pelas convenções da sociedade como critério de validade jurídica257. Para os defensores do

254 Cada um dos termos é preferido por diferentes autores, porém, conceitualmente são perfeitamente intercambiáveis.

O termo "positivismo moderado" (soft positivism) foi cunhado pelo precursor dos debates modernos, H. L. A. Hart. A designação "positivismo incorporacionista" (incorporatinism) é preferida por Jules Coleman. Por fim, positivismo inclusivo (inclusive legal positivism-ILP) é o termo usado por Wilfrid Waluchow e prevalece como o mais usual nos países de língua inglesa.

255 MORESO, José J. In Defense of Inclusive Legal Positivism. The Legal Ought. Turim: Giappichelli, 2001, pp.

37-64.

256 RAZ, Joseph. La Autoridad del Derecho: Ensayos sobre Derecho y Moral. Traducción de Tamayo y Salmorán,

Rolando. 2ª ed. México: UNAM, 1985, p. 55. “En términos muy generales la tesis social positivista es que lo

que es y lo que no es derecho es uma cuestión de hechos sociales (esto es, la variedad de las tesis sostenidas por los positivistas son diversos refinamientos y elaboraciones de esta gruesa formulación)”.

257 No mesmo sentido ver: COLEMAN, Jules L. The Practice of Principle: In Defense of a Pragmatist Approach

to Legal Theory. New York: Oxford University Press, 2001, p. 107. “If what unites exclusive and inclusive

legal positivism is a commitment to the conventionality of the criteria of legalitty, what distinguishes them is a difference over what can count as a criterion of legality. The exclusive legal positivist claims that all

positivismo inclusivo a moralidade de uma norma pode, mas não necessariamente deve, ser condição de sua validade. Isso dependerá das práticas de reconhecimento do direito vigentes em determinada sociedade. Já os positivistas excludentes, como visto anteriormente, alegam que mesmo quando são estabelecidos critérios de mérito moral como teste de validade das normas jurídicas, o que ocorre é a delegação para uma autoridade do poder de estabelecer por si própria a validade da norma. A validade, nessa perspectiva, não advém da satisfação ao teste moral, mas do fato de que a autoridade simplesmente considerou a norma válida258.

Se observarmos detidamente a divergência, podemos concluir que ela corresponde a uma filigrana interpretativa quanto ao alcance da tese da separação. Na verdade, a tese defendida por positivistas moderados pode ser melhor denominada de tese da

separabilidade259 entre o direito e a moral, a ser assim descrita: A validade de uma norma jurídica não depende necessariamente de considerações sobre sua validade moral.

Assim, considerar critérios morais para resolver problemas de validade jurídica não é uma necessidade mas sim uma contingência histórica, essa vinculação é considerada possível e não necessária. Nas palavras de Rodrigo de Souza Tavares:

“A sutil reformulação proposta pelo positivismo inclusivo reside nessa afirmação: A consideração de critérios morais para resolver problemas de validade jurídica é uma contingência histórica, não uma necessidade. Isso faz com que o positivismo incorporacionista aceite uma vinculação entre o direito e a moral sem endossar nenhuma tese de Direito Natural. Essa vinculação é considerada apenas possível e não necessária, como crêem os jusnaturalistas. Sendo assim, a autonomia conceitual do positivismo pode ser mantida, mesmo diante do fato de que os ordenamentos jurídicos contemporâneos, através de suas práticas de reconhecimento do direito, incluem entre seus critérios de validade jurídica padrões de natureza moral. Pode haver, aqui e hoje, pautas substanciais como critério de validade jurídica, mas, para os positivistas inclusivos, nada impede que as coisas ocorram de forma contrária em outro tempo e lugar”260.

criteria of legality must satate social sources. The inclusive legal positivist denies that, and allows that sometimes the morality of a norm can be a condition of its legality. Inclusive. (...) The grounds of the criteria must be a social fact (a convention among oficials), but the criteria themselves need not state social facts”.

258 STRUCHINER, Noel. Algumas "Proposições Fulcrais" Acerca do Direito: O Debate Jusnaturalismo vs.

Juspositivismo. In: CITTADINO, G. (org.); MAIA, A. C. (org.); MELO, C. C. (org.); POGREBINSCHI, T. (org.). Perspectivas Atuais da Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 410.

259 Ver: RODÉNAS, Ángeles. Qué Queda del Positivismo Juridico? Doxa: Cuadernos de Filosofía del Derecho,

n. 26, p. 447, 2003. Disponível em: http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/3469840432129275 2632457/015793.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2013: “Desde um ponto de vista puramente conceptual, el

positivismo se há caracterizado por mantener que no hay uma relación necesaria entre el derecho y la moral, o entre el derecho que es y el que debe ser. Dicho en otros términos, el Derecho y la moral pueden ser independientemente identificados y analizados em sus propios términos, sin dependencias recíprocas. Naturalmente, esta tesis de la separabilidad puede interpretarse de diferente formas, y según el grado de rigidez com que se haga nos encontraremos ante dos versiones diferentes Del positivismo jurídico: el llamado "positivismo excluyente" o "duro" y el "positivismo incluyente" o "blando"”. Ver também MORESO, José J. In defense of Inclusive Legal Positivism. The Legal Ought. Turim: Giappichelli, 2001, p. 40.

260 TAVARES, Rodrigo de Souza. Neoconstitucionalismo e Positivismo Inclusivo - Uma Análise sobre a Reformulação

da Teoria do Positivismo Jurídico Hartiano. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9897/neoconstitu cionalismo-e-positivismo-inclusivo>. Acesso em: 25 jun. 2013.

Para os teóricos do positivismo jurídico inclusivo, a rejeição da tese da conexão entre direito e moral é de ordem analítica, ou conceitual, mas nada impede que, em uma contingência histórica, critérios morais sejam incorporados a um ordenamento jurídico específico, de maneira que o estabelecimento do direito válido e a realização de sua interpretação passem a depender não apenas de elementos formais de validade, como também de parâmetros substanciais de justiça.

Desse modo, é acertado dizer que o positivismo jurídico inclusivo, como qualquer teoria positivista, pressupõe a tese da separabilidade conceitual entre direito e moral, mas admite a conexão eventual entre direito e moral, a depender de questões de natureza fática, diferenciando-se, por conseguinte, do positivismo jurídico exclusivo, que, conforme anteriormente salientado, não admite qualquer papel desempenhado por normas morais no exame da validade jurídica das normas de um dado ordenamento jurídico.

O pressuposto do assim chamado soft positivism entende que a moral pode desempenhar um papel importante no reconhecimento e na validade das normas jurídicas. Nesse sentido, pretende defender e esclarecer que a regra de reconhecimento da teoria hartiana pode, mas não necessariamente deve, possuir conteúdo moral. Ou seja, é possível que existam também sistemas jurídicos em que a identificação e validez das normas jurídicas passem à margem de qualquer referência à moral. Com isso, a tese da separação entre direito e moral, própria do positivismo, continuaria intacta visto que as relações entre o direito e a moral podem se estabelecer, mas de maneira contingencial e não necessária.

Jules Coleman oferece uma teoria do direito bastante representativa do juspositivismo inclusivo, ao desenvolver a tese da prática social convencional (conventional social practice). Como positivista, Jules Coleman não abre mão da tese do fato social e da separação conceitual entre direito e moral. Influenciado por Hart261, procura reafirmar a doutrina da regra de reconhecimento, que é alvo de pesadas críticas levantadas por Ronald Dworkin262. Diferencia-se do juspositivismo exclusivo de Raz, ao admitir a possibilidade de que princípios morais sejam incorporados ao ordenamento jurídico, de modo a serem juridicamente vinculantes, razão pela qual sua visão teórica, o juspositivismo inclusivo, também pode ser chamada de incorporacionismo.

261 HART, Herbert L. A. O Conceito de Direito. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012, p. 129 e ss. 262 DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge, Massachusetts: Harvard, 1978, p. 14 e ss.

Verifica-se, assim, que a teoria do direito formulada por Coleman está situada em uma posição intermediária entre o interpretativismo de Ronald Dworkin e a doutrina do positivismo jurídico exclusivo de Joseph Raz263.

A tese da convenção social de Coleman é construída na tentativa de fornecer uma resposta adequada para uma das questões mais importantes da filosofia do direito, que é a de saber em que se baseia a autoridade do direito.

A proposta do juspositivismo inclusivo se diferencia das vertentes jusnaturalistas, ao rejeitar a subordinação do direito positivo a normas morais naturais. Extrema-se do positivismo jurídico exclusivo, ao não reduzir a autoridade do direito à mera correspondência de fatos sociais. O elemento distintivo do incorporacionismo jurídico se encontra na inclusão de critérios de moralidade como fundamentos circunstanciais da normatividade do direito positivo.

Dessa maneira, mediante a exploração do conceito prática social convencional264, Coleman esclarece que parâmetros morais podem ser reconhecidos na perspectiva interna do direito, precisamente daqueles que se encarregam de interpretar e aplicar o direito institucionalmente, como integrantes da regra de reconhecimento.

Com isso, seria possível a manutenção da tese do fato social, mas sem incorrer em uma versão por demais forte dessa tese, que culmina por excluir a importância de critérios morais para a identificação das normas jurídicas válidas, bem como para a interpretação do direito. Afinal, a autoridade do direito depende de fatos sociais, mas não somente de fatos sociais.

O Positivismo jurídico, assim como o Jusnaturalismo, não deixou de existir, entretanto, nas ultimas décadas, vive uma decadência teórico-científica, uma progressiva superação por uma nova doutrina, o pós-positivismo jurídico, paradigma pós-moderno do direito, que ascende aproximando Direito, Justiça e Moral.