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3. Multilateralismo e Regionalismo: Uma Relação Complexa

3.2. Os acordos mega-regionais e o multilateralismo

3.2.2. Possíveis efeitos negativos e como ultrapassá-los

No respeitante aos impactos considerados negativos dos acordos mega-regionais sobre o sistema multilateral de comércio da OMC, salienta-se a possibilidade do contínuo abrandamento das negociações de comércio no âmbito da OMC como órgão regulador multilateral, e a fragmentação do sistema multilateral de comércio (Baldwin, 2014; Elliot, 2016; Urata, 2016). Com o envolvimento das maiores potências económicas e comerciais nos diferentes acordos mega-regionais, a serem negociados ou já concluídos, é provável que estas potências considerem o sistema de comércio multilateral regulado pela OMC ultrapassado e desvantajoso (Elliot, 2016). De acordo com Urata (2016), os governos e a comunidade empresarial dá mais importância à negociação dos acordos mega-regionais do que àss negociações da OMC, debilitando desta forma a própria OMC como órgão regulador principal do comércio mundial. Tal facto pode ser demonstrado pela maior disponibilização de recursos humanos por parte dos governos para a negociação das questões comerciais no âmbito de acordos mega-regionais do que para as negociações na OMC, retardando, assim consideravelmente as negociações multilaterais. Desta forma, as preferências dos governos contribuem para a consequente fragmentação do sistema multilateral de comércio, o que tem impacto negativo na OMC.

Caso os acordos mega-regionais negociarem matérias inovadoras que estão fora do âmbito negocial da OMC de forma eficiente e demonstrando eficácia para os países envolvidos nos acordos e não só, a fragmentação do sistema multilateral de comércio poderá ser ultrapassada. Neste ponto, Messerlin (2014) propõe a ideia de "equivalência mútua" para chegar a um acordo global. Supondo o princípio proposto, dois países decidem, após uma avaliação conjunta por parte dos seus órgãos reguladores relevantes

permitida a produção do bem ou serviço de acordo com os regulamentos do seu próprio país e a venda aos consumidores de outro país sem qualquer outra formalidade, porque as normas são mutuamente reconhecidas.

Como referido anteriormente, a fusão de acordos mega-regionais com diferentes regras e regulamentos é muito complexa, sobretudo porque as principais economias emergentes (Brasil, China e Índia) não participam no TPP ou no TTIP (sendo estes os acordos mega- regionais com maior capacidade de influenciar o sistema multilateral de comércio). Uma vez que o RCEP está mais concentrado geograficamente e, para além disso, muitas das áreas políticas de interesse para as economias emergentes não estão a ser abordadas noutros acordos mega-regionais (como políticas de apoio agrícola), o incentivo à integração das economias emergentes nos acordos mega-regionais é menor. Neste sentido, a OMC continua a ser o fórum ideal para os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) negociarem a redução das barreiras de acesso ao mercado e as regras de política comercial com as grandes economias emergentes (Hoekman, 2014b). Na ótica de Akman (2016), a OMC é um sistema baseado em regras que fornece um "bem público" universal. Assim, apesar dos acordos mega- regionais poderem ser mais abrangentes, mais profundos e mais avançados do que um acordo no âmbito da OMC, não são e não devem tornar-se alternativas ao multilateralismo. Como tal, será preferível uma reforma da OMC para se adaptar aos novos padrões de comércio internacional negociados no âmbito dos acordos mega- regionais.

Por sua vez, os membros da OMC devem reconhecer que a “OMC do futuro” será necessariamente diferente da “OMC do passado”. Numa nova era de acordos mega- regionais, deve aceitar-se o facto de que o acesso aos mercados é mais facilmente efetuado através de RTA’s do que através de acordos multilaterais. Assim, a OMC virá dificultada a sua tentativa de liberalização do comércio nos termos em que se encontra e sem recorrer a uma reforma institucional por forma a incluir matérias nas suas negociações que à data não são incluídas e que são de relevo para as economias. Tendo em conta o desenvolvimento do comércio internacional ao longo das últimas duas décadas, caracterizado pela emergência de acordos mega-regionais e o abrandamento das negociações de comércio no âmbito da OMC, e dada a relevância de ambas as dinâmicas na liberalização do comércio mundial, é importante uma harmonização de regras entre

ambas (Stoler, 2013). Assim, de acordo com a International Chamber of Commerce (2016), para que os acordos de comércio mega-regionais promovam a liberalização do comércio e do investimento, devem ser conduzidos no quadro das regras do sistema de comércio multilateral. Nesse sentido será necessário, para além de adotar uma “arquitetura aberta” para o acesso de membros adicionais no momento de negociação de acordos mega-regionais, fortalecer as funções e supervisão da OMC relativamente aos RTA’s por forma a assegurar que tais acordos são transparentes e consistentes com os requisitos do artigo XXIV do GATT. Assim, cabe ao Secretariado da OMC o estudo da possibilidade da multilateralização de RTA’s, com vista a estender os benefícios de tais acordos na base da Cláusula da Nação Mais Favorecida.

Em suma, os acordos de comércio mega-regionais têm benefícios e custos, representando uma nova e potencial ameaça para o sistema de comércio multilateral da OMC. Por forma a contrariá-las, podem ser tomadas medidas para minimizar tais riscos. Nessas medidas incluem-se o tratamento de problemáticas e a formulação de regras que até agora não eram implementadas no sistema multilateral, a reformulação dos procedimentos de resolução de litígios da OMC para fortalecer e sustentar ainda mais o que talvez seja a sua função mais proeminente, e o apoio ao sistema de comércio multilateral por parte dos membros integrantes dos acordos mega-regionais (Bown, 2016).

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