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Possibilidade de herança nos casos de multiparentalidade 62 

4 DA VIABILIDADE DE DUAS HERANÇAS QUANDO DO CONVÍVIO EM

4.2 Possibilidade de herança nos casos de multiparentalidade 62 

Em se tratando de um tema recente, há poucas demandas acerca deste assunto. É possível notar, entretanto, que a matéria ainda vai gerar muita discussão nos Tribunais, tendo em vista as peculiaridades no que tange à sucessão e ao direito registral.

Exercendo o acompanhamento midiático da viabilidade de receber herança do pai biológico e do socioafetivo, encontra-se um episódio de grande repercussão na sociedade, que é o caso do fundador da joalheria H. Stern, dono de uma verdadeira fortuna, caso esse que abordaremos em tópico mais à frente.

A grande repercussão que tem causado a herança em casos de multiparentalidade se dá em razão de que algumas demandas demonstram interesse de cunho meramente patrimonial, visando reconhecer o vínculo simplesmente para se beneficiar financeiramente.

Nesse diapasão, iremos perceber diversas demandas de filhos que nunca conviveram com seus pais e pleitearão a herança, buscando o reconhecimento da multiparentalidade unicamente para receber a herança, amparado pela lei, mas indo contra a ética e os bons costumes.

Diferente é o caso em que a criança ou o adolescente sempre conviveu com ambos, considerando os dois como seus pais, tendo toda a atenção dos dois.

Seguindo a mesma linha, quando é configurada a multiparentalidade nas relações entre pais e filho, DIAS nos ensina “[...] todos os pais devem assumir os encargos decorrentes do poder familiar, sendo que o filho desfruta de direitos com relação a todos. Não só no âmbito do direito das famílias, mas também em sede sucessória” (2010, p. 370).

Entretanto, nos alerta CASSETARI sobre a questão do filho receber a herança relativa aos dois pais, tendo o julgador que analisar caso a caso, a fim de rejeitar ações de cunho

como medida protetiva ao direito daquele que, nada obstante tenha emprestado à criança seus dados genéticos, contribuiu decisivamente para a consolidação dos laços afetivos supra-referidos.

(TJSC, Comarca de Ponte Serrada. Apelação Cível n. 2005.042066-1, Relator Desembargador Sérgio Izidoro Heil, jul. em 01/06/2006).

meramente patrimonial, que não condizem com a finalidade almejada, que é o reconhecimento do amor que há entre o pai e o filho. Assim, deve ser analisado o caso concreto para que não tenhamos ações de cunho meramente patrimonial, cometendo, assim, injustiças:

[...] Essa questão da coexistência de ambas as parentalidades é de suma importância, pois, senão, abriremos a porta para as injustiças e para as pessoas se aproveitarem da evolução doutrinária e jurisprudencial, que fez do Brasil um dos países mais avançados nesse assunto, para que ela seja usada de maneira equivocada. (2014, p. 168)

Acertadamente, nos orienta MADALENO a respeito do reconhecimento da paternidade socioafetiva por interesse meramente patrimonial, inclusive citando julgado do Tribunal do Rio Grande do Sul, Apelação Cível nº 7002711219259:

Razões éticas orientam para o afastamento judicial da vinculação parental, com efeito, exclusivamente material do elo genético de pai morto existindo pai registral e socioafetivo; a uma, porque o tardio vínculo biológico não deve prevalecer sobre a paternidade construída na convivência familiar, obra de intensa relação socioafetiva, erguida pelo afeto desenvolvido ao longo dos anos entre pai e filhos registrais; a duas, porque negar esse precioso e puro elo de vínculos originados do afeto apenas por dinheiro ou bens materiais seria desconsiderar a nova ordem jurídica da dignificação da pessoa justamente em detrimento da matéria; a três, porque o filho socioafetivo, ao investigar a sua ascendência genética depois da morte do pai biológico, geralmente está desconstituindo a sua ascendência registral e socioafetiva, por vezes de pai registral já falecido, habilitando-se então em duas heranças, de dois pais, o registral, socioafetivo e o biológico, de quem busca a compensação econômica; e a quatro, porque na ponderação dos valores deverá, e sempre, prevalecer como princípio do sistema jurídico brasileiro, o respeito constitucional à dignidade da pessoa humana e digno será preservar os vínculos nascidos do amor. Pelo mesmo caminho ético, mas no sentido inverso, a Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul concluiu ser juridicamente impossível pedido de reconhecimento de paternidade socioafetiva para efeitos meramente patrimoniais, especialmente quando o autor, embora alegue a existência da ascendência paterna socioafetiva, não pretende afastar o liame parental em relação ao pai biológico. (2013, p. 500)

Como ainda não há dispositivo legal que se posicione no que tange ao direito de participação da sucessão nos vínculos multiparentais, a doutrina acredita que isso não será possível, podendo somente em casos de disposições em testamento, conforme demonstra MADALENO:

59APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. EFEITOS

MERAMENTE PATRIMONIAIS. AUSÊNCIA DE INTERESSE DO AUTOR EM VER DESCONSTITUÍDA A PATERNIDADE REGISTRAL. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. Considerando que o autor, embora alegue a existência de paternidade socioafetiva, não pretende afastar o liame parental em relação ao pai biológico, o pedido configura-se juridicamente impossível, na medida em que ninguém poderá ser filho de dois pais. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO RECONHECIDA DE OFÍCIO. PROCESSO EXTINTO. RECURSO PREJUDICADO. (Apelação Cível Nº 70027112192, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 02/04/2009)

Também no campo do direito sucessório, entre pais e filhos afins nada foi regulamentado pelo atual Código Civil. Embora um padrasto possa ter criado o enteado como seu próprio filho durante toda a sua existência, mesmo diante dessa realidade fática, morto o padrasto, o enteado não será seu herdeiro, salvo se tivesse sido adotado pelo sucedido como beneficiado por testamento, sendo que a adoção do enteado é quase sempre inviável diante do vínculo formal de filiação com seu pai biológico. Evidentemente, o testamento seria uma opção dentro da previsibilidade do poder de disposição do autor da herança, mas não um efeito próprio e natural dos vínculos de afeto que se estabelecem entre o padrasto e seu enteado. (2013, p. 916)

Em conclusão, denota-se que é absolutamente aceitável que ocorra a dupla sucessão quando do convívio em multiparentalidade, desde que esta traduza efetivamente a realidade fática da família em questão, não sendo incluídas neste enquadramento as ações de cunho meramente patrimonial. Há que se prevalecer sempre o amor em detrimento do patrimônio, bem como a autonomia da vontade do pai socioafetivo que, conforme dito, poderá em testamento manifestar a inclusão de filho ao direito de herança, comprovando-se de forma inequívoca a posse de estado do filho, ou seja, a efetivação do exercício da socioafetividade entre ambos.

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