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POSSIBILIDADE DE INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO

No documento BÁRBARA DODORICO PEREIRA....pdf (658.6Kb) (páginas 82-86)

4. ÔNUS PROBATÓRIO NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

4.2 POSSIBILIDADE DE INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO

Muito se discute na doutrina e jurisprudência acerca da possibilidade de inversão do ônus probatório nas ações de improbidade administrativa, sendo este um dos pontos mais polêmicos e controvertidos que envolvem a Lei nº 8.429/1992. Parte da razão pela qual existem tantas opiniões conflitantes sobre a temática decorre justamente da ausência de previsão legal expressa a respeito.

Em julho 2009, sem sucesso, tentou-se alterar a Lei nº 8.429/1992 por meio do Projeto de Lei nº 5.581, de autoria do Deputado Fernando Chiarelli (PDT/SP), para incluir expressamente autorização para a inversão do ônus probatório nas hipóteses em que se constatassem indícios de enriquecimento ilícito por parte de autoridade, agente ou servidor público, a eles incumbindo o encargo de comprovar a origem lícita de seu patrimônio.61

Apesar de ter sido aprovado por unanimidade pela Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público em junho de 2010 e remetido à Comissão de Constituição e Justiça em seguida, o Projeto de Lei nº 5.581/2009 acabou sendo arquivado pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados em janeiro de 2011.

Com efeito, reitera-se que, até o momento, não há qualquer dispositivo legal que, autorizando ou vedando, trate da possibilidade de inversão do ônus probatório nas ações de improbidade administrativa. Naturalmente, diante desta lacuna legislativa, a doutrina divide-

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BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 5.581/2009. Altera a Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992, que "dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências", a fim de estabelecer a possibilidade de inversão do ônus da prova e tipificar ilícitos penais. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=441335>. Acesso em: 02 nov. 2016.

se, em síntese, entre autores que defendem a utilização da inversão do ônus da prova nas ações de improbidade administrativa e aqueles que, ao contrário, entendem pela sua inadmissibilidade.

Por exemplo, Dorival Moreira dos Santos sustenta ser legítima a inversão do ônus probatório para incumbir aos agentes públicos o encargo de comprovar nos autos o atendimento à lei e a moralidade em sua evolução patrimonial nas ações de improbidade administrativa, tendo em vista que é sua obrigação atender ao rol principiológico disposto no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988, agir em prol do interesse social e resguardar o patrimônio público.62

Para fundamentar seu posicionamento favorável à inversão do ônus probatório, o referido autor também se vale do entendimento de que o art. 21 da Lei nº 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), que determina a aplicação das normas processuais do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), dentre elas o art. 6º, inciso VIII, para defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, é aplicável ao chamado microssistema coletivo descodificado, composto pela Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7/347/1985), Lei Ação Popular (Lei nº 4.717/1965), Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) e Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992).63

Ainda, explicando seu ponto de vista, afirma o autor em comento que

Nas ações de improbidade administrativa, dois elementos são justificadores da inversão probatória: a melhor condição do sujeito passivo em comprovar a licitude de seus atos, pois tem em sua posse os documentos necessários e a hipossuficiência processual dos legitimados, que agem em nome da coletividade.64

Consequentemente, desde que haja verossimilhança das alegações ou hipossuficiência, Dorival Moreira dos Santos defende ser possível que juiz determine a inversão do ônus probatório, em prol da defesa da moralidade administrativa e da verdade dos fatos, incumbindo aos réus o encargo de desconstituir o direito do autor, com fundamento no art. 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) e do art. 21 da

62 LUCON, Paulo Henrique dos Santos; COSTA, Eduardo José da Fonseca; COSTA, Guilherme Recena (Coord.). Improbidade Administrativa: aspectos processuais da Lei n. 8429/92. 2ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015. p. 61/62.

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LUCON, Paulo Henrique dos Santos; COSTA, Eduardo José da Fonseca; COSTA, Guilherme Recena (Coord.). Improbidade Administrativa: aspectos processuais da Lei n. 8429/92. 2ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015. p. 61.

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LUCON, Paulo Henrique dos Santos; COSTA, Eduardo José da Fonseca; COSTA, Guilherme Recena (Coord.). Improbidade Administrativa: aspectos processuais da Lei n. 8429/92. 2ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015. p. 62.

Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985), desde que o faça em observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Inclusive, vale a pena mencionar que o autor retromencionado vai além da mera admissibilidade da inversão do ônus da prova; atribuindo-lhe característica de norma de julgamento, e não apenas de instrução processual, ele entende que o agente público deverá responder objetivamente pelos danos causados ao erário caso não comprove a legalidade de sua conduta.65

Especificamente acerca da responsabilização objetiva dos réus nas ações de improbidade administrativa, já foi pontuado em diversas outras oportunidades neste estudo que se entende pela sua impossibilidade, sendo indispensável a análise do elemento subjetivo do agente e a apuração de conduta dolosa ou, ao menos, dotada de culpa grave para fins de aplicação da Lei nº 8.429/1992.

Em contrapartida, Paulo Henrique dos Santos Lucon é um dos autores que veementemente repudia a possibilidade de aplicação da inversão do ônus probatório nas ações de improbidade administrativa.

Para tanto, sustenta que o encargo probatório quanto ao fato constitutivo do direito que fundamenta o pedido sancionatório incumbe ao próprio autor da demanda judicial que tem por objeto a prática de atos ímprobos, não só em razão da própria regra geral prevista no art. 373, inciso I, do Código de Processo Civil (Lei nº 13.150/2015), mas também da própria incidência no ordenamento jurídico do princípio constitucional da presunção de inocência, motivo pelo qual afirma que

Não há como invocar, por isso, uma inversão do encargo de provar, algo que, além de contrariar de forma expressa a norma que rege a matéria (art. 333, CPC*), implicaria, na maior parte das vezes, a transferência de uma

probatio diabolica reversa aos réus, que estariam obrigados a produzir uma

prova negativa (a de que não concorreram para o ato ímprobo, por exemplo), o que afasta a teoria da dinamização do encargo de provar. Ou seja, não há um tipo presuntivo de alcance geral que beneficie o autor da ação de improbidade, impondo aos acusados o ônus de comprovar a ausência de sua participação no ato de improbidade. Também o dano ao erário não pode ser

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LUCON, Paulo Henrique dos Santos; COSTA, Eduardo José da Fonseca; COSTA, Guilherme Recena (Coord.). Improbidade Administrativa: aspectos processuais da Lei n. 8429/92. 2ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015. p. 62.

presumido, nem tampouco pode decorrer, sic et simpliciter, de simples ilegalidade, sendo necessária a efetiva comprovação do mesmo.66

Desta forma, compreendendo a ação de improbidade administrativa como espécie de demanda judicial na qual predomina a natureza sancionatória, passível de implicar restrição de direitos fundamentais aos que nela figurarem como réus, pontua o autor em comento que o julgador deve formar seu convencimento a partir de análise mais criteriosa e exigente dos elementos probatórios contidos nos autos, à exemplo do que tipicamente ocorre na processualística penal, exigindo-se a prova além da dúvida razoável ou, ao menos, a prova clara e convincente acerca dos indícios da prática do ato ímprobo e sua autoria.67

Apesar de refutar a inversão do ônus probatório nas ações de improbidade administrativa, Paulo Henrique dos Santos Lucon explica que o juiz pode utilizar indícios na apreciação probatória sem que haja ofensa à regra geral de distribuição estática da prova, prevista no art. 373, inciso I, do Código de Processo Civil (Lei nº 13.150/2015), em duas situações: (i) quando o ato ímprobo está fundado na evolução patrimonial do agente público no exercício de suas funções sem a devida comprovação da licitude na aquisição de bens; e (ii) quando o agente público pratica ato contrário à recomendações de órgãos técnicos, pareceres jurídicos ou Tribunal de Contas.

Entretanto, como bem destacado pelo autor supramencionado, tal possibilidade não implica a admissibilidade do uso da inversão do ônus probatório. Na realidade, defende que são situações excepcionais, nas quais parte do encargo probatório recai sobre os réus desde que concretamente provado o indício a partir do qual se extrai o fato probando.68

Feitas as considerações acima expostas, conclui-se que as ações de improbidade administrativa, apesar de integrarem o microssistema de proteção de direitos coletivos, possuem características peculiares no que tange à articulação do encargo probatório, que decorrem do princípio constitucional da presunção de inocência, da alta gravidade e reprovação social das sanções previstas na Lei nº 8.429/1992, bem como da exigência de

66 LUCON, Paulo Henrique dos Santos; COSTA, Eduardo José da Fonseca; COSTA, Guilherme Recena (Coord.). Improbidade Administrativa: aspectos processuais da Lei n. 8429/92. 2ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015. p. 367/368.

* Dispositivo do revogado Código de Processo Civil (Lei nº 5.869/1973). Correspondência com o art. 373 do Código de Processo Civil vigente (Lei nº 13.150/2015).

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LUCON, Paulo Henrique dos Santos; COSTA, Eduardo José da Fonseca; COSTA, Guilherme Recena (Coord.). Improbidade Administrativa: aspectos processuais da Lei n. 8429/92. 2ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015. p. 370.

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LUCON, Paulo Henrique dos Santos; COSTA, Eduardo José da Fonseca; COSTA, Guilherme Recena (Coord.). Improbidade Administrativa: aspectos processuais da Lei n. 8429/92. 2ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015. p. 368.

efetiva demonstração do dolo ou culpa grave nas condutas dos acusados, o que inviabiliza aplicação da inversão do ônus da prova.

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