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2 O CONTRATO DE FACTORING E O DIREITO DE REGRESSO

2.3 Possibilidade de regresso ante a inexistência de crédito

Conforme destacado no item anterior, segundo a maioria da doutrina, a insolvência do devedor não gera a pretensão do faturizador a um regresso contra o faturizado. No item presente será tratada a visão doutrinária quanto à possibilidade ou não do direito de regresso do faturizador em relação ao faturizado, quando há a inexistência de crédito.

O direito de regresso ante a inexistência de crédito por vício no título é identificado como inserto no campo da responsabilidade civil, pois neste caso é a empresa faturizada a causadora do prejuízo ao faturizador, sendo que a denominação direito de regresso da faturizadora contra a faturizada é melhor colocada quando há a inadimplemento do devedor do título.

Como regra geral, a normatividade da responsabilidade civil está insculpida nos artigos 18694, 18795 e 92796, ambos do Código Civil, estabelecendo que o causador de um dano a outra pessoa tem a obrigação de repará-lo.

93 MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 481.

94 Código Civil Brasileiro, artigo 186: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,

No Código Civil Brasileiro pode-se identificar no artigo 296, que trata da cessão de crédito, a possibilidade do cessionário voltar-se contra o cedente, se houver estipulação em contrário no contrato estabelecido entre as partes, senão vejamos:

Artigo 296 – Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor.

Pois bem, a possibilidade do direito de responsabilização do faturizado no contrato de factoring quando se trata da inexistência de crédito é uníssona na doutrina, tendo em vista a estipulação prevista no Código Civil. O artigo 295 do Código Civil estabelece:

Artigo 295 – Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má fé.

O Código Civil, em seu artigo 441, também traz um parâmetro para o direito de responsabilização do faturizado nas situações em que há vício do título, prevendo que “a coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminua o valor”.

Mário Luiz Delgado Régis97, analisando o artigo 295 do Código Civil situa sobre a existência de crédito:

Nas cessões onerosas, o cedente sempre será responsável pela existência do crédito, mesmo na ausência de convenção a esse respeito (garantia de direito). Importante ressaltar que não se trata apenas de existência material do crédito, mas a existência em condições de permitir ao adquirente desse crédito o exercício dos direitos de credor Vale dizer, a viabilidade do exercício da cessão.

Orlando Gomes98 aduz que “a inidoneidade do objeto determina a nulidade da cessão se a proibição resulta da lei ou da natureza do crédito.

Arnaldo Rizzardo99 assevera, no que tange à existência do crédito:

95

Código Civil Brasileiro, artigo 187: Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

96 Código Civil Brasileiro, artigo 927: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica

obrigado a repará-lo.

97 FIUZA, Ricardo (Coord.); RÉGIS, Mário Luiz Delgado. Novo Código Civil comentado. 2. ed. São Paulo:

Saraiva, 2004, p. 277.

A existência do crédito envolve vários aspectos: a veracidade do crédito; ausência de vícios ou nulidades no mesmo; a titularidade em receber a favor do cedente de modo que não pertença a terceiro, e não tenha já sido transferido; que não esteja submetido a condições suspensivas e até resolutivas; a abrangência dos acessórios além da obrigação principal, e assim das garantias (fiança, aval, hipoteca, penhor), dos juros e rendimentos, dos encargos e outros consectários.

Ainda segundo Arnaldo Rizzardo100, há a possibilidade o faturizador voltar-se contra o faturizado desde que o crédito seja inexistente quando da transferência do título. Para o referido autor, “é reconhecido o direito de regresso se o título ou o crédito apresentar vício ou nulidade em sua causa ou origem”.

Para Marlon Tomazette101, o cedente é responsável pela existência do crédito, ou seja, sua existência e exigibilidade, tais como a falsificação, antecipação, prorrogação, dedução ou compensação de valores em relação ao título, vício ou evicção fazem com que o cedente se responsabilize pelo pagamento.

Caio Mário Pereira da Silva102 sobre a responsabilidade do faturizado pela existência do crédito aduz que se a dívida não existe, traz lesão ao cessionário, e por isso terá negociado o título sem causa, o que faz com que o cedente se responsabilize, tendo em vista que tal fato traz o enriquecimento sem causa deste.

Silvio Venosa103 corrobora acerca da responsabilidade do cedente ante a inexistência do crédito nas cessões a título oneroso:

Lembre-se que na cessão de crédito a título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilidade, fica responsável ao cessionário, pela existência do crédito, no momento da cessão, de acordo com o art. 295 do Código Civil. Essa obrigação persiste na operação de factoring.

Antônio Carlos Donini104, expressa ante a possibilidade de responsabilização do faturizado em caso de inexistência do crédito, como por exemplo, no caso de títulos que não possuem lastro, chamados de títulos frios. Para ele, nesse caso há a o direito de pactuar-se

99 RIZZARDO, Arnaldo. Factoring. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 123.

100 Idem, p. 130-131.

101 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial. São Paulo: Atlas, 2011. v. 2. 102

PEREIRA, Caio Mário da Silva. op. cit., p. 362-363.

103 VENOSA, Silvio de Salvo. op. cit., p. 611.

104 DONINI, Antônio Carlos. “Factoring”: de acordo com o novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10.01.2002).

cláusula de responsabilização do cedente do título no factoring, diferentemente de pactuar sobre a insolvência do devedor.

Fran Martins105 discorre sobre a possibilidade de regresso ante a inexistência de crédito:

O faturizado faz ao faturizador uma cessão de créditos, a título oneroso, trazendo esse ato todas as suas conseqüências: notificação ao comprador da cessão, para que ele pague o seu débito ao faturizador; direito de agir do faturizador em nome próprio na cobrança de dívidas etc... pela cessão de crédito, o cedente se responsabilidade pela existência da dívida no momento da cessão; como o faturizador, com a cessão, assume o risco sobre o recebimento, certamente só terá direito de ação contra o faturizado se a dívida cedida estiver eivada de vício que a invalide, como por exemplo, se não se referir a uma venda efetiva.

Waldírio Bulgarelli106 corroborando com idéia de inexistência de crédito, aduz que a empresa faturizadora poderá voltar-se contra a faturizada se o devedor recusar a solver o título com base nas causas previstas no artigo 8o, da Lei n. 5.474/68, sendo as seguintes:

Art . 8º O comprador só poderá deixar de aceitar a duplicata por motivo de: I - avaria ou não recebimento das mercadorias, quando não expedidas ou não entregues por sua conta e risco;

II - vícios, defeitos e diferenças na qualidade ou na quantidade das mercadorias, devidamente comprovados;

III - divergência nos prazos ou nos preços ajustados.

Arnoldo Wald107 ainda sustenta que não pode ter havido pagamento ou compensação do crédito, pois a responsabilidade não é apenas pela existência do crédito, mas abrange o fato do cedente ser o titular do crédito.

Destaca-se ainda que o Código Penal, com redação dada pela Lei n. 8.137/1990 prevêem como crime a prática de emissão de título sem a existência do crédito, veja-se:

Código Penal, artigo 172: Emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado.

Pois bem, de fato é posição majoritária quanto à possibilidade do direito de regresso nos contratos de factoring, quando há a inexistência do crédito, vício na origem e formação do título.

105 MARTINS, Fran. Contratos e Obrigações Comerciais. 12. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1993, p. 469.

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BULGARELLI, Waldírio. Contratos Mercantis. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 501-502

107 WALD, Arnoldo. Direito Civil: direito das obrigações e teoria geral dos contratos. 18. ed. reformulada com a

colaboração dos professores Semy Glanz, Ana Elizabeth L. W. Cavalcanti e Liliana Minardi Paesani – São Paulo: Saraiva, 2009, v. 2, p. 197.

3 POSIÇÃO JURISPRUDENCIAL ACERCA DO DIREITO DE REGRESSO NO CONTRATO DE FACTORING

No presente capítulo será apresentado o entendimento jurisprudencial sobre a possibilidade do direito de regresso no contrato de factoring. Serão apresentados tanto o entendimento favorável quanto contrário ao direito de regresso, com a conclusão sobre qual entendimento prevalece nos tribunais pátrios.

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