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Se constitui numa questão clássica do ensino de Filosofia: se ensina filosofia ou a filosofar. Gallo elucida que “a própria prática da Filosofia leva consigo o seu produto e não é possível Filosofia sem filosofar, nem filosofar sem Filosofia, porque a Filosofia não acabado, nem o filosofar apenas a investigação dos princípios universais propostos pelos filósofos.” (GALLO; KOHAN, 2004, p. 10).

É característico da Filosofia o ato do espanto, desde Platão e Aristóteles até Heidegger, encontramos esse sentimento como propulsor dessa ciência. Silveira (2013) compreende que

o ensino de Filosofia só é possível a partir do espanto. O espanto é uma experiência individual ou pessoal, por isso o filosofar e o pensar também o é, logo, ensinar filosofia é provocar espanto e o pensar sobre. O ensino do pensar não pode ser confundido com o ensinar o pensamento. Silveira (2013), inspirado em Kant, complementa afirmando que aquele que se aprofunda no pensamento de um autor sabe apenas imitá-lo e não necessariamente pensar. Por outro lado, o autor afirma também que uma metodologia de ensino de Filosofia pode ser concebida a partir da reconstrução das ideias ou do pensamento de filósofo, explicitando os argumentos e a coerência, devendo o professor orientar a continuidade refletiva a partir dos autores estudados.

Para a condução desse papel, o professor de Filosofia deve ser também filósofo, é este que tem a capacidade de conduzir o aluno para a experiência filosófica, na problematização, na mediação do filosofar entre o contato que aluno faz consigo mesmo, com seus colegas, com o mundo e com o texto filosófico, de forma viva, não limitado a compreender um texto pelo olhar apenas histórico. Deve ser filósofo na mesma pretensão que enseja a experiência filosófica para seus alunos, deixando-se também experienciar, inovar-se, refletir, não imbuir- se de conhecimento acabado, incentivar e ter novos pensamentos, construir-se no mesmo processo na sala de aula.

Schlesener (2013) nos ajuda a compreender a dinâmica complexa da inserção da Filosofia enquanto disciplina, buscando em Kant um esclarecimento sobre o ensino de Filosofia. A autora resgata duas acepções kantianas, a primeira trata-se do ensino voltado para os grandes pensadores, os clássicos e suas teorias, retratando os problemas inerentes de cada obra e aproximando o estudante desse mundo cujo autor apresenta, exigindo dele um esforço reflexivo. Na segunda acepção, Kant apresenta uma filosofia a partir do próprio estudante, oriunda de um processo de dúvidas e questionamentos, sem uma determinação ou ancoragem de outros autores. Dessa forma, Schlesener (2013) sustenta que o papel do professor de Filosofia é instigar o aluno a refletir sobre os problemas que o cercam apoiados em pensadores e textos clássicos, corroborando ou questionando seus posicionamentos. Além disso, a autora argumenta que conhecimentos culturais e concepções sobre temas como ética e política dos alunos, construídas no senso comum, devem ser o ponto de partida do professor, sendo essa postura mais do que um ato pedagógico, uma opção política. É nesse sentido que a autora argumenta que o ensino de Filosofia pode se fortalecer no cenário que ainda, por vezes, se mostra contrário ao seu estabelecimento, fundamentado na segunda acepção de Kant.

Aires (2012) escreve sobre a prática reflexiva na formação do filósofo educador. É no exercício da filosofia radical que o professor suscita no seu aluno a prática reflexiva que contemple o diferente e proporcione o espaço adequado para a sua manifestação. Ao retomar Sócrates, o autor faz referência à necessidade de se duvidar de tudo o que é dado examinando e interrogando as coisas e aos outros para se distanciar das doxas ou meras opiniões. Os alunos podem sentir-se inseguros e com receio do erro ou não preparados para o diferente. Cabe ao professor propor metodologias proporcionadoras do diálogo em que aluno compreenda a importância do saber ouvir o diferente para poder participar e contrapor seus conhecimentos na compreensão de uma realidade difícil de ser capturada, por isso, o exercício constante de explorar ideias novas e diversas. Por outro lado, ao perceber ideias nas quais os alunos podem se reconhecer, fomenta-se o espírito de pertencer a uma comunidade, com o devido cuidado de não criar guetos.

Ao refletir sobre a especificidade da Filosofia e seu ensino, Paschoal (2013) define: a arte de quebrar a naturalidade com que normalmente são utilizadas as palavras e os conceitos. Um modo de reflexão que não se restringe aos objetos do conhecimento, mas busca compreender o próprio ato de conhecer. Porquanto, ela seria uma ciência que não se limita à indagação por verdades particulares, mas por inquirir sobre os pré-requisitos do modo humano de conhecer e também sobre os critérios, as condições do conhecimento e, acima de tudo, sobre os jogos de poder que permitem a determinadas proposições gozarem do privilégio de serem reconhecidas como verdadeiras em determinados momentos. (PASCHOAL, 2013, p. 19).

Assim, para além de uma compreensão da metodologia como a busca por meios que tornariam a filosofia mais atraente e apetecível em sala de aula, possivelmente convertendo-a no que ela não é, interessa tomá-la, naquele ambiente, como a possibilidade de experimentar, naquele estágio de formação, o modo filosófico de perguntar pelo sentido do mundo, da existência e da escrita. Resultando em procedimentos que levem os alunos a inquirir pelas causas últimas das coisas numa época em que, por exemplo, não basta saber como funciona um sistema econômico, é necessário perguntar pelo por quê? Por que esse e não outro? Outro não seria possível também? Talvez até melhor? Por que essa moral e não outra? Etc. (PASCHOAL, 2013, p. 23)

Partindo dessas concepções preliminares, compreendemos que o ensino de Filosofia é possível de ser realizado e a escola é o local possível para tal. O professor de Filosofia deve ser conhecer a história da Filosofia e seus grandes temas e ser capaz de articulá-los.

Essa concepção de ensino de Filosofia encontra barreiras no contexto neoliberal. A condição do trabalho num sentido capitalista é sempre questionável, por isso, a educação para o trabalho também se coloca como um desafio para a formação do espírito humano em sua potência, quiçá a filosofia.

Além de conceber a educação como meio direto para o mercado de trabalho predominante no país, há a intenção de preparação do aluno para os meios indiretos, como

vestibulares e exames de avaliação e seleção para o ensino superior, num modelo de oferta de ensino ainda regido pela seleção e exclusão.

Desde a reimplantação do ensino de Filosofia no ensino médio no Brasil em 2009, há uma acalorada discussão sobre a inclusão dessa área nos vestibulares e recentemente no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). (ARANHA, 2012).

Embora o ENEM tenha em seus horizontes representar um espelho da realidade do ensino médio no Brasil, acaba também por ser um guia e orientar as metodologias das aulas, conteúdos, material didático e avaliações para muitas escolas, principalmente as privadas, e estabelecendo rankings (LOPES; LOPEZ, 2010). Esse roteiro, de certa forma, atropela a prática do professor e se coloca como grande obstáculo, ofuscando os anseios característicos de um professor de Filosofia, em geral, pouco habituado com esse cenário.

Em 2009, o ENEM modificou sua estrutura, sendo reconhecido como “novo ENEM”. A prova foi divida em quatro áreas, quais sejam: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Ciências Humanas e suas Tecnologias, sendo, nessa última, contemplados os conhecimentos em História, Geografia, Sociologia e Filosofia. Desde então, em consonância com a obrigatoriedade do ensino de Filosofia no âmbito nacional, houve uma abrangência maior no exame dessa área, com uma especificidade significativa de seus conteúdos, além de estimar a proficiência dos alunos por meio da Teoria de Resposta ao Item (TRI) associada à avaliação por competência.

Nessas configurações, o ensino de Filosofia está diante de um novo panorama e os debates que aconteceram até então no âmbito nacional não dão conta da especificidade da inclusão de Filosofia no ENEM ou em exames de seleção para o ensino superior. As análises apontadas neste trabalho visam refletir sobre a forma como os exames de seleção ou avaliação contemplam as concepções de ensino de Filosofia quanto aos seus objetos de conhecimento.

A filosofia no ensino médio é um saber que opera por questionamentos, conceitos e categorias de pensamento articulando com a experiência humana. Para além desse desafio, queremos produzir uma reflexão sobre as implicações de considerar esse movimento numa métrica avaliativa.

2.5 A REGULAÇÃO DO ENSINO NO ENSINO MÉDIO E AS POLÍTICAS DE