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4 DANO MORAL POR ABANDONO AFETIVO

4.2 Correntes favoráveis e contrárias à sua reparação: análise de

4.2.2 Possibilidade da reparação

Em defesa da aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil no Direito das Famílias e a consequente obrigação de reparar os danos morais provocados pelo abandono afetivo, pode-se começar dizendo que os textos legais que comumente regulamentam a matéria, a saber, o artigo 5º, incisos V e X da Constituição Federal de 1988 e os artigos 186 e 92753 do Código Civil de 2002, “[...] tratam do tema de maneira ampla e irrestrita, de onde é possível se inferir que regulam, inclusive, as relações nascidas dentro de um núcleo familiar, em suas diversas formas.” (STJ, Resp. n. 1.159.242/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Julg.: 24/04/2012, Pub.: 10/05/2012).

53Art. 927, caput e parágrafo único, CC/02: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”.

A propósito, consigna Branco (2006, p. 208) que:

Concebida a responsabilidade civil sob novas bases, especialmente no campo específico da reparação do dano moral, não se encontra fundamento lógico jurídico que justifique a sua não aplicação às relações de família, porquanto seus membros não se desabrigam da proteção conferida aos direitos da personalidade pela circunstância de ter sido a violação praticada nos limites do núcleo familiar.

Com efeito, o legislador nacional, ao tratar da relação paterno-filial e dos deveres decorrentes poder familiar, descurou-se de relacionar esses institutos especificamente à responsabilidade civil, exceto pelo que disciplina o artigo 932, I54 do Código Civil, que responsabiliza os pais pelos danos causados a terceiros pelos filhos menores. (ALBUQUERQUE, 2012, p. 57). Não obstante, “[...] a questão [...] deve ser superada com uma interpretação técnica e sistemática do Direito aplicado à espécie” (STJ, Resp. n. 1.159.242/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Julg.: 24/04/2012, Pub.: 10/05/2012).

Assim, servem de fundamentos principais para a reparação dos danos morais na hipótese de abandono afetivo, além dos dispositivos já citados: os artigos 227, caput e 229,

caput, da Constituição, que incumbem aos pais, dentre outros, o dever de assistir, criar e educar os filhos menores; o artigo 5º55 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que determina que nenhuma criança será objeto de qualquer forma de negligência, devendo ser punido, na forma da lei qualquer atentado aos seus direitos fundamentais; e o artigo 12,

caput56, do Código Civil, que permite exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, “sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”.

Nessa ordem de ideias, cumpre asseverar que “[...] a sanção de ou perda do poder familiar, como disposto nos arts. 1.637 e 1.638 do Código Civil, não se mostra suficiente para coibir esse tipo de prática social, no qual o pai abandona moralmente o seu filho” (GAMA; ORLEAN, 2012, p. 408). De acordo com Moraes (2013, p. 725), a perda do poder familiar produz, na verdade, o efeito contrário: funciona como um prêmio, indo ao encontro do desejo dos pais de se livrarem de suas responsabilidades.

Em consonância com tal posicionamento, apresenta-se a relatoria da Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial n.º 1.159.242/SP:

54 Art. 932, CC/02: “São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia”.

55 Art. 5º, ECA/90: “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.”.

56 Art. 12, CC/02: “Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.”

Outro aspecto que merece apreciação preliminar, diz respeito à perda do poder familiar (art. 1.638, II, do CC-02), que foi apontada como a única punição possível de ser imposta aos pais que descumprem o múnus a eles atribuído, de dirigirem a criação e educação de seus filhos (art. 1634, II, do CC-02).

Nota-se, contudo, que a perda do pátrio poder não suprime, nem afasta, a possibilidade de indenizações ou compensações, porque tem como objetivo primário resguardar a integridade do menor, ofertando-lhe, por outros meios, a criação e educação negada pelos genitores, e nunca compensar os prejuízos advindos do malcuidado recebido pelos filhos. (STJ, Resp. n. 1.159.242/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Julg.: 24/04/2012, Pub.: 10/05/2012).

É importante se destacar, ainda, que a reparação dos danos morais por abandono afetivo aqui admitida, não se justifica, tão somente, pela falta de afeto, visto que não há uma obrigação jurídica de amar. Muito embora se concorde que o afeto possui um valor de grande relevância no Direito das famílias, devendo permear essas relações, a sua imposição não se mostraria razoável. (GAMA; ORLEAN, 2012, p. 405-406). O que vai amparar a responsabilidade, nesses casos, é a violação dos direitos da personalidade dos filhos pelos próprios pais, mediante o descumprimento do dever legal de cuidado que lhes é atribuído constitucionalmente.

Segundo a Ministra Nancy Andrighi:

Essa percepção do cuidado como tendo valor jurídico já foi, inclusive, incorporada em nosso ordenamento jurídico, não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88.

Vê-se hoje nas normas constitucionais a máxima amplitude possível e, em paralelo, a cristalização do entendimento, no âmbito científico, do que já era empiricamente percebido: o cuidado é fundamental para a formação do menor e do adolescente; ganha o debate contornos mais técnicos, pois não se discute mais a mensuração do intangível – o amor – mas, sim, a verificação do cumprimento, descumprimento, ou parcial cumprimento, de uma obrigação legal: cuidar. (STJ, Resp. n. 1.159.242/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Julg.: 24/04/2012, Pub.: 10/05/2012).

Ao se analisar as questões relativas ao abandono afetivo, deve-se ter sempre em mente que a falta de convívio dos pais com os filhos, em face do rompimento da afetividade ou da sua inexistência, pode gerar sequelas psicológicas e comprometer o desenvolvimento saudável da prole. A omissão do genitor em cumprir os encargos que decorrem do seu poder familiar, deixando de dar atenção ao seu filho, de tê-lo em sua companhia, pode produzir danos imateriais merecedores de reparação.

Sob a ótica principiológica, especialmente, no que tange à livre iniciativa e à autonomia da vontade dos pais, em contraposição à solidariedade familiar e a integridade psicofísica dos filhos, compreende-se que devem prevalecer estes últimos. (MORAES, 2013, p. 722). Ainda que não se possa obrigar ninguém a amar outrem, a escolha da paternidade e

da maternidade é livre e, conforme já asseverado, deve ser responsável, de modo a fornecer aos filhos todos os subsídios materiais e imateriais necessários ao desenvolvimento de suas potencialidades, bem como fundada na dignidade da pessoa humana.

Conforme as lições de Canezin (2006, p. 86):

O Poder Judiciário não pode obrigar ninguém a ser pai. No entanto, aquele que optou por ser pai – vale salientar que há inúmeros recursos para se evitar a paternidade – deve encarregar-se de sua função sob pena de reparar os danos causados ao desenvolvimento de seus filhos.

No que diz respeito ao argumento de que não caberia reparação do abandono afetivo ante a impossibilidade de se dar um preço ao amor ou mesmo substitui-lo, explique-se que não é o sentimento propriamente que está sendo pago, mas a vítima, que, lesada em sua esfera extrapatrimonial, merece ser compensada de alguma forma, para neutralizar ou, pelo menos atenuar os efeitos que o dano tiver provocado em seu espírito. (MORAES, 2003, p. 147). Observe-se que essa foi a mesma crítica feita acerca da possibilidade de reparação do dano moral em si, que, no atual estágio de evolução civil-constitucionalista, deveria se tratar de questão já superada.

É claro que o dinheiro não tem a capacidade de eliminar a agressão moral sofrida. Porém, servirá como um consolo, no sentido de atenuar o dano decorrente do abandono. Podendo ele ser utilizado para financiar as custas de um tratamento psicológico, por exemplo. (DIAS, 2007, p. 408). E também mostrar aos pais negligentes que esta conduta é vista como incorreta pelo ordenamento jurídico brasileiro.

De acordo com Hironaka (2007, on line):

A indenização por abandono afetivo, se for utilizada com parcimônia e bom senso, sem ser transformada em verdadeiro altar de vaidades e vinganças ou em fonte de lucro fácil, poderá converter-se em instrumento de extrema importância para a configuração de um Direito de Família mais consentâneo com a contemporaneidade, podendo desempenhar, inclusive, um importante papel pedagógico no seio das relações familiares.

Quanto à alegação de que a condenação ao pagamento de indenização poderia afastar ainda mais os pais de seus filhos, inviabilizando uma futura aproximação, deve se levar em conta que, normalmente, quando se chega ao Judiciário, já não existe mais qualquer relação paterno-filial ou laço afetivo. Essa preocupação não se justifica do ponto de vista jurídico, até mesmo porque, muitas vezes, essa relação jamais existiu, não se pretendo, doravante, forçar o contato ou a convivência entre pais e filhos. (GAMA; ORLEAN, 2012, p. 408). Nem por isso, pode-se dizer que a reparação pecuniária, nesse caso particular, constitui-

se em meio insidioso para enriquecimento à custa da desagregação familiar, haja vista o caráter nitidamente sancionador e inibidor da medida. (BRANCO, 2006, p. 22).

Pelas razões expostas, filia-se, no presente trabalho científico, a esta segunda corrente, que admite a possibilidade de reparação dos danos morais decorrentes de abandono afetivo. Devendo ser observados, todavia, os pressupostos da responsabilidade civil.

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