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2. BREVE REVISÃO DA LITERATURA

2.2 Possibilidades para pesquisas futuras

Embora a revisão da literatura apresentada aqui tenha um alcance determinado tanto pelo fato de não se caracterizar como uma revisão sistemática quanto pelo número reduzido de publicações sobre o assunto localizadas nas bases de dados consultadas, é possível delinear algumas possibilidades para pesquisas futuras. Nesse sentido, é preciso salientar que, de modo geral, as pesquisas desenvolvidas com ACS têm procurado responder a questões sobre o trabalho das mesmas que ainda permanecem em aberto, possivelmente pelo fato de se tratar de uma profissão já regulamentada, porém com contornos e limites não muito claros. Isso explicaria a existência de um grande número de pesquisas desenvolvidas com o propósito de caracterizar as práticas de ACSs, em uma perspectiva essencialmente descritiva.

Uma questão abordada de modo recorrente, quer seja direta ou indiretamente, é o processo de capacitação das ACSs. E a maioria das pesquisas que tratam do assunto faz referência a inconsistências entre a capacitação oferecida a estas profissionais e suas atividades rotineiras. Desse modo, torna-se patente a necessidade de uma formação continuada, que assuma como finalidade o desenvolvimento de uma postura mais crítica e reflexiva – bem como menos técnica – sobre os determinantes do processo saúde-doença. Algumas pesquisas, inclusive, reportam que as próprias ACSs solicitam capacitação devido a dificuldades enfrentadas no cotidiano do trabalho e as atribuem a uma formação deficiente e descontextualizada. Neste sentido, tais pesquisas parecem apontar para a necessidade de criação de espaços de reflexão, ações de intervenção conjuntas, discussão de casos e situações

vivenciadas cotidianamente, de forma articulada com outros serviços de saúde, como os CAPSs, por exemplo.

Tal como já mencionado, a ESF se apresenta como uma proposta de reorientação dos cuidados em saúde, de forma que parte de um conceito amplo do processo saúde-doença e rompe com o modelo medicamentoso, técnico e curativo. As ACSs, assim, foram inicialmente concebidas como protagonistas para a consolidação dessa proposta, por serem capazes, ao menos em tese, de facilitar o diálogo entre as unidades de saúde e a comunidade, na medida em que são portadoras de um conhecimento popular importante para a promoção de reflexões, mobilizações e transformações sociais e, portanto, de saúde.

Todavia, os resultados reportados por parte das pesquisas localizadas apontam para um desvio deste projeto inicial, visto que revelam que as ACS têm desenvolvido em larga escala ações de cunho técnico-assistencialista e de caráter individual. Além disso, na maior parte das vezes as mesmas não conseguem estabelecer parcerias com outros setores da comunidade e não se reconhecem neste papel social e político. Ainda foi destacado que muitas ACSs se sentem desvalorizadas dentro da equipe de saúde, o que pode estar favorecendo um movimento de busca, por parte das mesmas, de cursos técnicos em saúde, principalmente pelo curso de técnico de enfermagem. E a desvalorização das ACSs, ressalte-se, se torna evidente também face à hierarquização ainda existente entre as diferentes classes profissionais no campo da saúde, como já mencionado. Esse fenômeno, inclusive, tende a restringir os espaços participativos que poderiam ser ocupados pelas ACSs nos serviços de saúde em consonância com o saber que lhes é próprio.

A revisão da literatura apresentada aqui ainda revela a escassez de estudos relacionados ao trabalho das ACSs no campo da saúde mental. E é importante salientar que, em nenhuma das três pesquisas que trataram do tema, a questão do uso de álcool e outras drogas foi contemplada. Tal fato denuncia a dificuldade de inserção de ações em saúde mental

na ESF, principalmente por parte das ACSs, que possivelmente não tem encontrado espaço, respaldo, supervisão e orientação necessárias para a reversão dessa situação. Ocorre que o profissional de referência de saúde mental ainda não compõe a equipe mínima da ESF. É verdade que, há pelo menos dez anos, esforços estão sendo empreendidos para que a saúde mental possa ser efetivada na atenção primária. O lançamento do Plano Nacional de Inclusão das Ações de Saúde Mental na Atenção Básica (Brasil, 2001) por parte do Ministério da Saúde é um exemplo disso.

Porém, os resultados promovidos por esses esforços ainda deixam a desejar, de forma que, conforme Queiros (2007), se faz necessária a continuidade das discussões sobre o assunto por meio do desenvolvimento de pesquisas, principalmente a respeito do trabalho das ACSs no campo da saúde mental. O presente estudo, cujos objetivos serão detalhados mais adiante, foi concebido levando em consideração tal assertiva e, com o intuito de fornecer elementos para o preenchimento de algumas lacunas existentes na literatura, a temática do uso/abuso de álcool e outras drogas foi privilegiada. Afinal, a despeito de sua relevância, tal temática não foi explorada em nenhuma das pesquisas localizadas por meio do levantamento bibliográfico realizado.

Também procurando delimitar um enfoque diferenciado, o presente estudo foi desenvolvido, como igualmente será detalhado mais adiante, tendo como locus para a construção de dados um grupo psicanalítico de discussão, que também será caracterizado mais adiante. Tal grupo buscou proporcionar um convite à reflexão por parte das participantes, distanciando-se, assim, de uma proposta de capacitação técnica, até mesmo porque, conforme já mencionado, esse tipo de proposta tende a contribuir de forma pouco significativa para a superação dos desafios vivenciados pelas ACSs em seu cotidiano de trabalho.

Por fim, antes de detalhar os objetivos do presente estudo, é preciso esclarecer que o conceito de imaginário coletivo – tal como definido, especificamente, em termos psicanalíticos5 – ocupará lugar central em seu desenvolvimento. Desse modo, o referido conceito será empregado para aludir a um “conjunto de crenças, emoções e imagens que um determinado grupo produz acerca de um fenômeno” (Montezi, Zia, Tachibana & Aiello- Vaisberg, 2011, p. 300). Em termos mais específicos, é possível afirmar que o imaginário coletivo pode se expressar tanto no âmbito da intersubjetividade quanto constituir a dimensão afetivo-emocional inconsciente das condutas (Aiello-Vaisberg, Montezi, Tachibana & Zia, 2011; Granato, Tachibana & Aiello-Vaisberg, 2011).

Vale destacar que, conforme Bleger (1989), as condutas podem emergir em três planos: (1) mental ou simbólico, (2) corporal e (3) mundo externo. As proposições do referido autor influenciaram a criação do conceito de imaginário coletivo e sustentam que qualquer manifestação humana se enquadra como conduta, muita embora possa permanecer inconsciente – o que evidencia seu distanciamento do positivismo norte-americano que influenciou a escola comportamental. O imaginário coletivo ilustra tal propriedade das condutas, posto que, em última instância, corresponde a manifestações simbólicas de subjetividades grupais.

5 O conceito de imaginário coletivo, em termos psicanalíticos, foi proposto originalmente pela Profa. Dra. Tania

Maria Jose Aiello-Vaisberg e tem sido empregado na fundamentação teórica de uma série de pesquisas desenvolvidas ou orientadas pela mesma com variados grupos sociais.

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