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2. AWÁ-GUAJÁ

2.1. Harakwá

2.2.2. Posto Indígena Tiracambu e Posto Indígena Awá

A Terra Indígena Caru, entre os rios Pindaré e Caru, recebeu o primeiro grupo awá-guajá em 1980. Segundo O’Dwyer, esse grupo “habitava as cabeceiras e igarapés do alto

Pindaré, atualmente cortada na altura do quilômetro cem pela estrada de ferro Carajás” (O’DWYER, 2002, p. 57) A presença desse grupo já havia sido percebida nas proximidades do igarapé anos antes, e caçadores da região relatavam a presença dos Awá-Guajá ao observar vestígios de trilhas nas matas e corpos (O’DWYER, 2002; FORLINE, 1997). Forline (1997, p. 40) relata que no início da década de 1980 a região entre a confluência dos rios Caru e Pindaré já estava sendo completamente tomada pelas atividades da fronteira econômica em expansão e as palmeiras de babaçu, uma das principais fontes de alimentação dos Awá-Guajá (Cf. BALÉE, 1994; CORMIER, 2003; FORLINE, 1997, 2000, O’DWYER, 2002; GARCIA, 2010), estavam desaparecendo para dar lugar a áreas para agricultura. Assim, os Awá-Guajá contatados foram transferidos para a outra margem do Pindaré, na TI Caru (que já havia sido demarcada naquele momento), e ali foi estabelecido um posto para abrigá-los, com a justificativa de que os próprios Awá-Guajá afirmavam ter vivido ali e por se tratar de uma região rica em babaçuais (O’DWYER, 2002, p. 58).

Do mesmo modo que nos contatos da década de 1970 na região do rio Turiaçu, os relatos sobre os contatos no Pindaré e Caru na década de 1980 são marcados pela reunião de grupos em fuga e de uma política de “resgate” pela Funai. O’Dwyer (2002) conta que

[p]elos relatos que ouvimos em campo, de sertanistas e outros servidores da FUNAI, assim como do próprio Txipatxia, com idade calculada em mais de cinquenta anos, e sua esposa mais velha Merakedjia, na faixa etária entre setenta e oitenta anos, ambos haviam se encontrado pela primeira vez, quando ela em fuga disse ter se separado do restante do seu grupo na região do Alto Turiaçu, atacados e dispersos que foram por disparos de armas de fogo e sozinha, na companhia como lembra do macaco que criava, seguiu sempre a direção sul além do rio Caru.” (O’DWYER, 2002, p. 58)

Além disso, também se repetem as histórias de mortes por doenças e a tentativa dos sobreviventes de refazer seus “caminhos de caça”, expressão que O’Dwyer ouviu de um antigo chefe de posto (O’DWYER, 2002, p. 58). Como os Awá-Guajá do Posto Indígena Guajá, os Awá-Guajá refugiados no Posto Indígena Awá tentaram estabelecer novos

harakwá e manter ali suas redes de relações sociais e territoriais (O’DWYER, 2002, p. 58). O estabelecimento dos primeiros Awá-Guajá no Posto Awá atraíram outros grupos da região, que mesmo sem se fixar ali, passavam a manter contato (O’DWYER, 2002, p. 60). Em 1989, um grupo de 17 Awá-Guajá, formado por alguns desses indivíduos que mantinham contato intermitente e alguns outros que nunca haviam estabelecido qualquer tipo de contato com o posto, foram levados ao Posto Indígena Awá por alguns dos Awá-Guajá fixados ali. Dez deles permaneceram no posto e os demais retornaram para onde vieram. O Posto Indígena Tiracambu foi criado a partir de um acampamento de uma frente

de atração, que estava localizado nos limites da TI Caru, no rio Pindaré, e fora montado para tentar estabelecer contato com grupos que apareciam nas proximidades do posto, mas que logo se afastavam. Havia preocupação por parte dos membros da frente de atração de que esses grupos, ao se movimentar pela região fossem atacados e mortos por caçadores e colonos, daí a tentativa de contato (O’DWYER, 2002, p. 61). O’Dwyer (2002) menciona a história de um desses grupos, que ficou conhecido nos relatórios produzidos no período como grupo “Mirim-Mirim”. Após diversas tentativas de contato, mulheres, crianças e jovens foram encontrados por alguns Awá-Guajá moradores do Posto Indígena Awá. Os homens adultos do grupo haviam morrido, um deles por acidente e os outros após contrair gripe. Com o auxílio das mulheres residentes no posto, as nove pessoas do grupo Mirim-Mirim foram convencidas a se estabelecer no posto indígena. Ao final de um mês três mulheres haviam ido embora, levando consigo seus filhos. Os demais se incorporaram aos outros grupos estabelecidos no posto por meio da criação de laços de parentesco e do casamento entre membros dos grupos (O’DWYER, 2002, p. 61-62).

O’Dwyer relata que, no período em que realizou sua perícia nos Postos Indígenas Awá e Tiracambu, ouviu relatos a respeito dos grupos de Awá-Guajá na região que não tinham se estabelecido nos postos. Esses relatos se referiam a ataques na mata, que ocorriam devido à invasão dos harakwá durante as caçadas dos Awá-Guajá dos postos ou de pessoas que levavam alimentos para os grupos que encontravam nessas incursões de caça (O’DWYER, 2002, p. 66). A autora presenciou uma discussão entre um grupo de Guajá a respeito de um ataque sofrido por Mihatxia. Após saberem se tratar de outros Awá-Guajá os autores do ataque, pelo tipo de flecha usada, o debate girou em torno da origem desse outro grupo e dos vestígios encontrados na mata. Segundo os Awá-Guajá do posto, o ataque aconteceu devido ao medo que os outros Awá-Guajá deveriam estar sentido após terem suas terras invadidas pela atividade madeireira e que, portanto, os deixaram hostis a qualquer aproximação, ou não teriam reconhecido Mihatxia como alguém de quem poderiam se aproximar, pois ele estava usando roupas (O’DWYER, 2002, p. 66). Outros relatos, como o de Kamairu, sua mulher Timiraï e sua sogra Amanparanohim, embora não mencionem nenhum ataque, também são narrativas de encontros dos Awá-Guajá dos postos com outros Awá-Guajá na mata. Nesses relatos, a aproximação ou o estabelecimento de relações não aparecem como possibilidades. Assim, enquanto alguns grupos viram na aproximação com os não-índios, e posteriormente com o posto, uma forma de sobrevivência, outros grupos, ainda que através da fuga, optaram pela manutenção da vida na mata.

Na TI Caru, os Awá-Guajá também mantêm relações próximas com os Tenetehara. Garcia (2010) relata que a relação entre os dois grupos é marcada por uma diversidade de situações e opiniões, envolvendo

[d]esde ameaças de morte, até alianças de casamento; de encontros para formação de lideranças organizadas pelo CIMI, com troca de experiências entre os Awá e os Tenetehara, à acusações de que os Tenetehara vão acabar com a mata; de diferenças alimentares irreconciliáveis, à partilha de carne de gado visando uma aproximação dos dois grupos. (GARCIA, 2010, p. 158)

De acordo com Garcia, os funcionário da Funai e Funasa tentam evitar a convivência entre Guajá e Tentehara, pois os Tenetehara ensinariam “coisas ruins” para os Awá-Guajá, tais como consumir bebidas alcóolicas e fumar (GARCIA, 2010, p. 159). Os Tenetehara, por sua vez, demonstram interesse em estabelecer uma relação de tutela sobre os Guajá, querendo ensinar-lhes sobre o mundo dos não-índios. Já os Awá-Guajá possuem uma visão ambígua sobre os Tenetehara. Ao mesmo tempo em que os consideram “arrogantes, gananciosos, preguiçosos” e reprovam seu modo de vida, admiram sua coragem na ação política em relação aos não-índios, como quando os aprisionam nas suas aldeias e bloqueiam a ferrovia Carajás, além de demonstrarem uma desenvoltura no mundo dos karaí que consideram admirável (GARCIA, 2010, p. 159-160). Essa ambiguidade também é nutrida pelos Tenetehara que enxergam nos Awá-Guajá uma “inocência e pureza que eles já teriam perdido” (GARCIA, 2010, p. 160).

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