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Em Problemas da Poética de Dostoiévski, ao explicar a

constitutividade das relações dialógicas, Bakhtin (2008a[1929], p. 183) discute a necessidade de uma nova área de estudo, ainda não constituída à época, “Essas relações [dialógicas] se situam no campo do discurso, pois ele [o discurso] é por natureza dialógico e, por isto, tais relações devem ser estudadas pela metalingüística, que ultrapassa os limites da lingüística e possui objeto autônomo e metas próprias.” Assim, Bakhtin defende o estabelecimento de um novo conjunto de disciplinas, que ele denomina de Metalinguística ou Translinguística. A Lingüística da época, ao trabalhar com dados acabados e por ignorar a situação social, não abordava a totalidade do fenômeno lingüístico materializado no enunciado. Nessa orientação, nosso estudo baseia-se no método sociológico de estudo da linguagem do Círculo de Bakhtin, bem como retoma considerações, dentro dessa mesma perspectiva epistemológica, propostas por Rodrigues (2001) para o estudo dos gêneros do discurso a partir das suas dimensões social e verbal. Bakhtin (Volochínov) (2006[1929], p. 128-129), em Marxismo e Filosofia da Linguagem, apresenta as etapas metodológicas para o estudo da língua, ou outros aspectos da comunicação discursiva – como os gêneros do discurso – à luz de um percurso sócio-histórico. São elas:

1. As formas da língua e os tipos de interação verbal em ligação com as condições concretas em que se realiza;

2. As formas das distintas enunciações, dos atos de fala [gêneros do discurso] isolados, e, ligação estreita com a interação de que constituem os elementos, isto é, as categorias de atos de fala [os gêneros do discurso] na vida e na criação ideológica que se prestam a uma determinação pela interação verbal;

3. A partir daí, exame das formas da língua na sua interpretaçã linguistica habitual. Bakhtin (Volochínov) (2006[1929], p. 128-129).

Nesse panorama de pesquisa de cunho sociológico, Rodrigues (2001) apresenta a proposta de análise dos gêneros do discurso a partir de suas dimensões social e verbal (ou dimensão semiótica). Com etapas e dimensões inter-relacionadas, a autora propõe que investiguemos a dimensão social do gênero, compreendendo, por exemplo, sua [do gênero] esfera social de produção, distribuição e circulação (no caso dos gêneros jornalísticos); sua situação social de interação, constituída pela confluência entre os horizontes temporal, espacial, temático e axiológico; sua concepção de autoria e de interlocutor, entre outros aspectos constituintes e funcionais da construção social do gênero em estudo. Quanto à análise da dimensão verbal, Rodrigues (2001) pontua que estudemos seu conteúdo temático; seu estilo e suas projeções dialógico-estilístico-composicionais; sua arquitetônica; entre outras instâncias enunciativo-discursivas, sempre analisadas na sua interrelação com a dimensão social. Rojo (2005) também apresenta algumas considerações sobre o estudo dos gêneros do discurso, explicando que,

[...] a ordem metodológica de análise que vai da situação social ou de enunciação para o gênero/enunciado/texto e, só então, para suas formas linguisticas relevantes [...]. Ao chegarmos nesse último nível de análise, vale a interpretação linguística habitual, isto é, as teorias e análises linguísticas disponíveis, desde que seguida a ordem metodológica que privilegia as instâncias sociais [...]. Dito de outra maneira, aqueles que adotam a perspectiva dos gêneros do discurso partirão sempre de uma análise em detalhes dos aspectos sócio-históricos da situação de enunciativa, privilegiando, sobretudo, a vontade enunciativa do locutor – isto é, sua finalidade, mas também e principalmente sua apreciação valorativa sobre seus interlocutores e temas discursivos -, e, a partir desta análise, buscarão marcas linguisticas (formas do texto/ enunciado/ língua – composição e estilo) que refletem no enunciado/texto, esses aspectos da situação. (ROJO, 2005, p. 199).

Outro esclarecimento de Rojo (2005) está acerca da ordem metodológica para o estudo da língua apresentada por Bakhtin (2006[1929]), supracitada no início desta seção. Segundo a autora, é possível se utilizar de teorias de análise linguística disponíveis8 para desenvolvimento das etapas propostas por Bakhtin, desde que sigamos a ordem metodológica do social sobre o linguístico: “[...] as teorias textuais, assim como quaisquer outras, podem ser, no método bakhtiniano, instrumentos de um nível inferior de análise, desde que subordinadas [...] aos níveis superiores” (ROJO, 2005, p. 199).

Em consonância com a discussão de Rojo (2005), Brait (2006) explica que a metodologia proposta por Bakhtin para o estudo da linguagem, embora se apresente como uma abordagem diferenciada, não exclui a Linguística, pelo contrário, Bakhtin (2008a[1963]) entende que devem completar-se, mas não fundir-se. Dessa forma, como ratifica a autora, metodologicamente estaremos, em termos bakhtinianos, ultrapassando a materialidade linguística, procurando desvendar a articulação constitutiva que há entre o interno e o externo na linguagem. “O enfrentamento bakhtiniano da linguagem leva em conta, portanto, as particularidades discursivas que apontam para contextos mais amplos, para um extralinguístico aí incluído.” (BRAIT, 2006, p. 13).

Além disso, cabe ressaltar que, no caminho metodológico bakhtiniano, não há categorias de análise a priori aplicáveis de forma sistemática a textos, discursos, gêneros, com a finalidade de construir uma análise acerca do uso situado da língua. Em Bakhtin, há, na verdade, uma arquitetônica das diferentes formas de conceber o enfrentamento dialógico da linguagem, que se constituem de movimentos teórico-metodológicos multifacetados. De fato, cabe ao pesquisador desbravar esse caminho, construindo, por conseguinte, uma postura dialógica diante de seu objeto discursivo. “A pertinência de uma perspectiva dialógica se dá pela análise das especificidades discursivas constitutivas de situações em que a linguagem e determinadas atividades se interpenetram e se interdefinem [...]” (BRAIT, 2006, p. 29).

Assim, nossa pesquisa, entende, como Bakhtin (2003[1979]) explicitamente pontua, que o estudo da natureza dos enunciados e dos gêneros do discurso é de importância fundamental para superar os estudos simplificados da vida do discurso, do fluxo discursivo da

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Rojo (2005) está se referindo ao terceiro passo proposto por Bakhtin (2006[1929], p. 128-129): “exame das formas da língua em sua interpretação linguística habitual.”

comunicação. É somente o estudo do enunciado como unidade real de comunicação discursiva, por exemplo, que nos permite compreender de modo claro a natureza das unidades da língua e seu emprego na forma de enunciados concretos. Assim sendo, esta pesquisa busca compreender as regularidades enunciativo-discursivas que se realizam na constituição e no funcionamento do gênero carta de conselhos em revistas online, objetivando entender a relativa estabilidade do gênero, mas entendendo, sobretudo, que “estas [as regularidades] serão devidas não às formas fixas da língua, mas às regularidades e similaridades das relações sociais numa esfera de comunicação específica” (ROJO, 2005, p. 199). Em outras palavras, procuramos analisar o gênero carta de

conselhos a partir dos textos que o materializam, vistos e analisados

como enunciados sócio-historicamente situados.

3.2 OS DADOS DA PESQUISA: DELIMITAÇÃO DO UNIVERSO

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