1. Revisão Bibliográfica
1.8. Potencial dos microrganismos na produção de queijo
1.8.1. Utilização de "Sta rters" na produção de queijo
A identificação de soluções para melhorar a vida e a saúde dos consumidores, fornecendo alimentos
seguros e nutritivos, é uma das maiores preocupações atuais da industria alimentar. Para esse fim,
a fermentação, também chamada de biopreservação, é um método barato e amplamente acessível que
atende à crescente procura do consumidor por produtos alimentícios minimamente processados /
preservados. A bioconservação com bactérias lácticas (LAB) é de facto uma das formas mais antigas e
altamente eficientes do método de processamento não térmico.
A produção de queijo baseia-se na capacidade do LAB de fermentar açúcares de modo a produzir ácido
láctico e substâncias aromáticas que dão sabores característicos.
A produção de queijo resultava essencialmente do desenvolvimento da microflora naturalmente
presente no leite e ambiente envolvente. A qualidade do produto final seria variável consoante estes
fatores. Esta modalidade é ainda a mais utilizada para produzir muitos queijos artesanais de leite cru,
nomeadamente os que têm o estatuto de DOP (Denominação de Origem Protegida), que são
considerados uma importante fonte de diversidade genética de LAB, bem como crucial de um ponto de
vista económico.
A cultura "starter" da fermentação natural é geralmente uma mistura de microflora mal conhecida que,
apesar de possuir predominância de LAB, também pode conter microrganismos não LAB, e a sua
diversidade e carga microbiana é geralmente variável ao longo do tempo. De fato, os estudos
direcionados à caracterização de queijos tradicionais mostram que aqueles produzidos a partir de leite
cru apresentam uma grande diversidade microbiana, sobretudo de bactérias lácticas, dependendo da
região geográfica. Alguns destes microrganismos podem apresentar características tecnológicas
interessantes que, após otimização, possam ter aplicações industriais. Recentemente, isolados LAB de
queijos tradicionais de leite cru português revelaram vários lactobacilos com atividade antibacteriana
contra patógenos como Listeria monocytogenes, Staphyloccus aureus, Salmonella newport e até E. coli.
Estudos futuros podem permitir usar esses isolados ou seus metabolitos, aplicados "in situ" ou "ex situ",
em aplicações onde a segurança alimentar é uma preocupação. Muitas outras aplicações podem ser
interessantes (Kongo, 2013).
Para além das BAL dominantes os queijos tradicionais também obtêm a sua intensidade de sabor
também a partir das bactérias lácticas não iniciadoras (NSLAB), que não fazem parte da flora inicial
"starter", mas que se desenvolvem no produto, particularmente durante a maturação, como flora
secundária (Kongo, 2013).
As Bactérias Lácticas são importantes no processamento de queijo porque (i) aumentam a inocuidade dos
alimentos através da libertação de ácido láctico e bacteriocinas, (ii) produzem aromas e sabor e aceleram
o processo de maturação do queijo através de suas atividades proteolíticas e lipolíticas, trazendo
vantagens económicas para a indústria, (iii) produzem texturas alimentares desejáveis através da
libertação de polissacáridos que aumentam a viscosidade e a firmeza e reduzem a suscetibilidade à
sinerese, (iv) podem ser utilizados para administrar ácidos gordos poli-insaturados (PUFA) e vitaminas, (v)
as estirpes probióticas específicas contribuem para a libertação de péptidos bioativos que melhoram a
saúde, melhorando a absorção no trato intestinal, estimulando o sistema imunitário, exercendo efeitos
anti-hipertensivos, antitrombóticos ou funcionando como veículos para minerais.
A utilização de "Starters" pode constituir assim um desafio inovador dado o vasto leque de possíveis
aplicações, não apenas para os produtos com leite cru, mas também para recuperação de sabores
tradicionais quando se usa leite tratado termicamente.
Novos conhecimentos resultantes do uso de abordagens de Bioinformática, Biologia de Sistemas e
Bioengenharia oferecerão perspetivas para a aplicação de uma nova geração de culturas "starter" para o
fabrico de queijos, com características funcionais aprimoradas e oferecendo várias vantagens em saúde
e tecnologia, contribuindo para o desenvolvimento das pequenas e médias empresas, por um lado, e a
diversificação dos produtos das grandes empresas, por outro (Wouters, et al., 2001).
No entanto, ainda há muitos desenvolvimentos a serem alcançados no sentido de realizar plenamente o
potencial previsto das LAB ou dos seus produtos. Por exemplo, a extração e purificação de bacteriocinas
são ainda difíceis uma vez que formam micelas ou agregados com as fontes de azoto no meio de
crescimento. Por outro lado, enquanto a engenharia genética pode oferecer muitas soluções
relacionadas com o uso ótimo de bactérias lácticas, elas podem não ser facilmente permitidas pela
legislação alimentar (Wouters, et al., 2001).
1.8.2. Produtos probióticos
Os probióticos são definidos como microrganismos vivos não patogénicos, que quando ingeridos em
determinadas concentrações, são considerados saudáveis para o organismo do hospedeiro. A
Organização Mundial de Saúde (OMS) e a "Food and Agriculture Organization of the United
Nations" (FAO) definem os probióticos são microrganismos vivos que, quando são administrados de
forma adequada conferem benefícios à saúde do hospedeiro. Esta é a definição atual,
internacionalmente aceite. Os probióticos consistem em bactérias ou leveduras reconhecidas como
alimentos funcionais, que recolonizam e restauram a microbiota intestinal.
A maioria dos probióticos insere-se no grupo das bactérias lácticas. Os géneros mais estudados e
utilizados como probióticos são Lactobacillus e Bifidobacterium. Dentro do género Lactobacillus, as
estirpes mais estudadas e aceites como probióticos são L. acidophilus LA1, L. acidophilus NCFB 1748, Lb.
rhamosus GG, Lb. casei shirota, Lb. gasseri ADH e Lb. reuteri. Os benefícios do seu consumo são o
fortalecimento do sistema imunitário, a redução da atividade enzimática fecal, a prevenção de doenças
intestinais e de diarreias virais, tratamento e prevenção de infeções, de inflamações gastrointestinais e
controlo das infeções por Helicobacterpilori. Possuem efeitos benéficos ao nível do sistema imunitário e
o controlo de agentes patogénicos por exclusão competitiva no intestino. Salienta-se também a sua
atividade anticarcinogénica e o seu papel na redução do nível do colesterol. O género Bifidobacterium, B.
breve, B. longum BB536 e o B. lactis Bb12, por sua vez, também contribui para o bom funcionamento do
intestino, reduzindo o problema de irritação deste e podem ser utilizadas no tratamento de alergias,
melhoram a diarreia provocada por agentes do rotavírus e diminuem a incidência da diarreia (Silva,
2011).
Diversas espécies de Lactobacillus têm revelado resistência ao stress causado "in vivo" e algumas estirpes
apresentam boas propriedades tecnológicas, explicando assim o seu uso como probióticos.
Bifidobacterium são também normalmente utilizados, embora menos que os lactobacilos. Estas são
sensíveis à presença do oxigénio e apresentam mais requerimentos para o seu crescimento. Outras
espécies probióticas, à exceção das propionibactérias e enterococos, não são normalmente usadas nos
produtos fermentados, mas sim em suplementos dietéticos, sob a forma de cápsulas, comprimidos ou
saquetas (Silva, 2011).
Os probióticos são normalmente usados numa grande variedade de produtos lácteos fermentados, como
os iogurtes, leites fermentados, kefir, queijos, bebidas lácteas e gelados.
A utilização das bactérias lácticas como probióticos obedece a critérios, nomeadamente, exercerem um
efeito benéfico sobre o hospedeiro; permanecerem viáveis durante a vida de prateleira do produto;
suportarem o trânsito gastrointestinal; aderirem à mucosa intestinal e colonizarem o lúmen do trato;
produzirem substâncias antimicrobianas e estabilizarem a microflora intestinal e, preferencialmente.
estarem associadas a benefícios para a saúde (Silva, 2011). Para atuarem como probióticos têm ainda de
ter capacidade de resistir às condições ácidas do estômago e resistir aos ácidos biliares no início do
intestino delgado. A resistência aos sais biliares pode variar entre as espécies de bactérias lácticas e até
entre as estirpes da mesma espécie.
Alguns dos benefícios do consumo de probióticos para o hospedeiro são a melhoria do sistema intestinal
e imunitário, redução de risco de determinados tipos de cancro, redução do pH intestinal, influencia
positiva na microflora intestinal, tratamento e prevenção da diarreia aguda provocada por rotavírus,
redução da amónia e de outros compostos tóxicos, redução do colesterol, melhoria do funcionamento
intestinal, restauração da microflora intestinal normal depois de tratamento com antibióticos, simulação
da resposta imune, aumento da tolerância e digestão à lactose e produção de vitamina B (acido fólico)
(Silva, 2011).
As bactérias lácticas têm a capacidade de produzir substâncias antimicrobianas com capacidade de inibir
o crescimento de microrganismos patogénicos e esporulados. O efeito antimicrobiano das bactérias
lácticas é devido, principalmente, à produção de ácido láctico e de ácidos orgânicos, fazendo com que o
pH do ambiente de crescimento diminua. O pH baixo induz a que os ácidos orgânicos se tornem
lipossolúveis e que se difundam através da membrana celular para o citoplasma (Silva, 2011).
Este grupo bacteriano também produz acetaldeído, peróxido de hidrogénio, dióxido de carbono,
diacetilo, polissacarídeos e bacteriocinas, os quais podem atuar como agentes antimicrobianos (Silva,
2011).
A dose necessária para obter efeitos benéficos para a saúde varia com o tipo e a quantidade de células
viáveis até ao final da vida útil do produto; a dose ingerida; as características do alimento onde foram
inoculados os microrganismos e com as características do hospedeiro. A concentração mínima de
bactérias lácticas no intestino para promover um efeito protetor é da ordem de 109 ufc, sendo
fundamental uma ingestão regular destes agentes para se conseguir este teor (Silva, 2011).
No documento
INSTITUTO POLITÉCNICO DE BEJA d e
(páginas 49-52)