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A maioria dos profissionais entrevistados é formada pela UNESP e entre eles é comum: a graduação há mais de sete anos, a experiência no PS de cinco anos ou mais, a grande importância dada à carreira acadêmica e outro emprego fora da unidade. Entre os médicos que participaram de nossa pesquisa, achamos pertinentes dividi-los entre profissionais que trabalham na área adulta e infantil e na unidade de terapia intensiva.

Para preservar a identidade dos entrevistados, seus nomes foram trocados e no decorrer dos trabalhos eles serão identificados pelos nomes abaixo, seguido de letras que identificam a função exercida no Pronto Socorro: CG (clínico geral), PE (pediatra), IT (médico intensivista), DC (médico docente), PC (psicóloga) e EM (enfermeira).

Resultados

e Discussões

IV.

R

ESULTADOS E

D

ISCUSSÃO

As falas de nossos entrevistados expressam “opiniões pessoais, da vida em um certo grupo social, de uma determinada sociedade, em um tempo específico, em um certo lugar” (CALDEIRA, 1984, p.144). Em suas entrevistas, buscamos retirá-los de seu cotidiano para considerar assuntos que não se falam normalmente, relacionando-os e olhando-os de longe, ou seja, convidado-os a “parar para pensar”.

Os resultados são apresentados a partir da divisão do Pronto Socorro em diferentes unidades de análise e observação; e:

A minha interpretação, apesar de ser de segunda ou terceira mão [...], de maneira análoga a dos entrevistados (que é de primeira mão), considera elementos do conhecimento, da memória, da vivência, para ir construindo uma visão ordenada que, neste caso, pretende ser racionalmente lógica. Os elementos de que abro mão são referências teóricas, conceituais, históricas, evocadas pelos dados e que podem permitir uma melhor compreensão dos dados, a formulação de uma explicação mais clara e abrangente, um esclarecimento de seu significado. (CALDEIRA, 1984, p.146)

Pronto Socorro: uma breve descrição da pesquisadora

Antes de começar as entrevistas, visitei algumas vezes o PS do HC-FMB. Acompanhei alunos do terceiro ano de medicina na aplicação de questionário junto a usuários e médicos responsáveis da área e observei o atendimento prestado aos pacientes na sala de acolhimento e consulta na área de adulto.

O Pronto Socorro está localizado em uma área recuada, que antecede a entrada principal do Hospital das Clínicas e está próximo a Faculdade de Medicina Veterinária. O acesso aos veículos é estreito e pouco sinalizado, não havendo muitas áreas para estacionamento próximo a unidade. Na frente do PS, há vagas para ambulâncias, uma pequena praça com bancos onde muitos dos pacientes ficam aguardando atendimento e uma lanchonete freqüentada por funcionários e alunos. A porta de entrada do PS é mantida sempre fechada e guardada por um funcionário, responsável por restringir o acesso ao hospital. À direita da porta de entrada, está a seção de registro; e, à esquerda, a sala de acolhimento e em seguida, a sala de espera com bancos para cerca de 40 pessoas, um aparelho de televisão e um bebedouro.

O movimento na área externa ao Pronto Socorro é pequeno e restringe-se basicamente aos pacientes que aguardam atendimento e um ou outro ambulante que vende biscoitos e salgadinhos. O som velado do lado de fora e o volume alto da televisão são

interrompidos aos poucos pelos nomes anunciados pelo alto falante e pelas ambulâncias que se aproximam. A chegada de usuários a unidade é constante e de tempos em tempos, forma-se uma pequena fila do lado de fora da sala de acolhimento; principalmente, quando esta fica fechada por alguns minutos devido a ausência do médico. Quem chegava à fila, quase sempre trazia um familiar consigo e uma aparência de cansaço e um olhar humilde e quase não falavam.

Em torno da porta da sala de acolhimento, recortes de jornais formam um papel de parede com notícias sobre a função terciária do PS da FMB. Dentro, a iluminação natural toma conta da sala, de suas mesas e de suas cadeiras. Muitos avisos estão afixados com informações sobre as unidades básicas de saúde, explicações sobre o funcionamento da triagem e até mesmo uma caixa para notificação de doenças do Núcleo de Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo. É neste ambiente relativamente silencioso, limpo e arejado, na presença de um ou dois médicos, da secretária e muitas vezes de um aluno, que o paciente passa por seu primeiro atendimento. Ele é questionado sobre sua queixa, área de procedência, consulta prévia em outra unidade de saúde, papel de encaminhamento. Caso se enquadre nos critérios de admissão do Pronto Socorro, é submetido a um breve exame clínico, abre ficha e cadastra-se no guichê do Registro e passa a aguardar atendimento, seja pela Emergência Adulto ou pelo Pronto Atendimento. Muitos dos pacientes que aguardam atendimento ficam na sala de espera, sentados em silêncio; ora olhando para o chão, ora para a televisão, perdidos em pensamentos. Quando enfim é chamado pelo alto falante, o paciente se encaminha para uma das salas de atendimento onde será avaliado por médicos, residentes e/ ou também alunos do sexto ano de medicina. Se necessário, serão solicitados exames laboratoriais e o ele poderá aguardar atendimento de uma especialidade, ser internado ou voltar para casa após ser medicado.

Diferentemente da área de adultos, no Pronto Socorro infantil não há a triagem dos casos e todas as crianças serão atendidas, conforme a ordem de chegada e não de acordo com a gravidade das enfermidades. Enquanto esperam para serem chamadas, elas assistem à televisão, brincam no bebedouro ou agitadas pulam de um assento ao outro. Difícil é a tarefa das mães de tentar fazê-las sentar quietinhas, a não ser quando começam a choramingar, talvez por quererem voltar para casa, talvez pela dor que começa a incomodar, talvez pela fome.

Dentro do Pronto Socorro, o piso escuro (preto) e a ausência de janelas em muitos dos consultórios tanto da área de adulto quanto da infantil colaboram para o ambiente pesado e carregado do hospital. Nos corredores, macas e próximo às salas de internação, um forte e desagradável odor eram sentidos constantemente. O barulho e a movimentação pareciam característicos ao serviço, fossem eles causados pelos diversos aparelhos ligados, pelo deslocamento de pacientes, pelo trânsito contínuo de médicos, enfermeiros, auxiliares e alunos ou

por tudo isso misturado. Em seus aventais brancos envelhecidos, alguns pacientes arriscavam-se pelos corredores em busca de um banheiro ou quem sabe de ajuda e naqueles que permaneciam deitados, podia se ver rostos perdidos, alienados no tempo e no espaço. No olhar dos familiares, uma angústia, um desamparo, um pedido de ajuda.

As salas dos médicos e dos enfermeiros eram sempre movimentadas, locais de muito entra-e-sai e de trocas rápidas de informações sobre pacientes e rotinas. Alunos do internato e residentes discutiam casos, checavam procedimentos e condutas com os médicos. Enfermeiros e auxiliares reviam o quadro de pacientes, horários, medicamentos. E quando fizemos entrevistas nestes ambientes, nossos entrevistados foram muito solicitados para resolver tanto problemas administrativos quanto para assistenciais.

A imagem caótica que a mídia passa constantemente sobre os serviços públicos de saúde criou em mim uma expectativa que não se concretizou ao visitar o Pronto Socorro do HC- FMB. Embora as instalações da unidade tenham me causado um certo desconforto, elas não se encaixavam com o retrato do caos da falta de atendimento e maus tratos aos pacientes que a televisão, jornal e rádio nos apresentam. Assim, minha impressão sobre o serviço acabou sendo mais positiva do que esperava, o que não implica em convivência ou aceitação, pois acredito que as condições de atendimento e trabalho podem e devem ser constantemente revisadas e aprimoradas.

Outras impressões sobre o Pronto Socorro serão acrescentadas e comparadas com informações fornecidas por nossos entrevistados ao longo desta análise.

A. Pronto Socorro e ambiência