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como os modelos linguísticos formalistas fazem, mas o nosso estudo busca

uma análise do texto e do discurso e uma descrição da língua e visão da sociedade, e ainda tenta responder a questões de natureza sociocultural no uso da língua de maneira geral. O trato dos gêneros diz respeito ao trato da língua em seu cotidiano nas mais diversas formas. (MARCUSCHI, 2008, p. 149).

Em conformidade com Marcuschi (2008), para compreendermos os depoimentos, precisamos compreender o seu contexto, o suporte em que é veiculado; para isso, procuramos apreender e situar o fenômeno Internet, de forma geral.

3.3 UM POUCO SOBRE A INTERNET

Antes de qualquer coisa, diferenciamos dois termos comumente utilizados como sinônimos: Internet e Web. De acordo com Araújo & Biasi-Rodrigues (2005), a Internet tem sua origem nos Estados Unidos e foi elaborada para interligar laboratórios de pesquisas. Hoje ela é a soma de 40 mil redes espalhadas pelo mundo que podem se comunicar entre si, dentre elas a Web, responsável pela popularização da Internet. Com a Web, “a ideia de construir páginas eletrônicas foi tão aceita que não demorou muito a ganhar adeptos em todo o mundo, de modo que já se tornou trivial a criação das home pages” (ARAÚJO & BIASI-RODRIGUES, 2005, p. 50).

Criada pelo técnico de computadores Tim BernersLeea, a World Wide Web (Web) foi inventada nos anos de 1990 para que pesquisadores compartilhassem informações a longas distâncias; no entanto, devido à rapidez com que se disseminou para outros áreas, ela se popularizou, proporcionando a interação entre usuários sem muitos conhecimentos de informática de qualquer lugar do mundo. (Cf. Crystal, 2005). Nesse sentido, podemos afirmar que

as ligações sociais, cotidianamente, estão sendo realizadas pelas Internet, pois esta oferece desde a possibilidade de um negócio, sem nenhum caráter pessoal, até à possibilidade de conhecer pessoas e desenvolver relacionamentos estreitos entre aquelas que compartilham ambientes virtuais comuns. (VILHENA, 2011, p. 11).

Não mais em volta de uma interação face a face, o estopim da Internet proporcionou uma nova forma de interagir: a comunicação mediada pelo computador (CMC). (Cf. Crystal, 2005; Firmino, 2005). A tradicional conversa passa a ser encarado como algo feito eletronicamente, podendo ser praticada a qualquer hora do dia, entre outras atividades. Além disso, o cunho social da vida passa a ter outras conotações: as interrelações que fazem parte do convívio social, isto é, o contato com amigo, o ato de conhecer novas pessoas, a visão que os outros têm sobre as pessoas, entre outros, que antes exigia o ato de sair de casa para ser suprido, pode ser solucionado dentro de casa, com o uso do computador conectado à Internet.

Dessas mudanças nas relações interpessoais proporcionadas pela Web, decorreram, também, mudanças linguísticas. De acordo com Crystal (2005, p. 76), “a aquisição da Internet pelo público foi o terceiro elemento que contribuiu para o caráter linguístico revolucionário da década de 1990”, visto que proporcionou uma alternativa nova à comunicação humana: permite a interação entre mais de uma pessoa por meio não concreto em tempo real. Essa virtualização das interações é uma forma de “desterritorializar o presente, de trazer uma unidade de tempo sem uma unidade de lugar” (LÉVY, 2000, p. 11). Nesse sentido, podemos entender a Internet como um veículo eletrônico, global e interativo que, devido a essas características, em especial pelo caráter eletrônico (Cf. CRYSTAL, 2005), apresenta consequências em seu tipo de linguagem cuja

escrita continua essencial apesar da integração de imagens e som. Por outro lado, a idéia que hoje prolifera quanto a haver uma “fala por escrito” deve ser vista com cautela, pois o que se nota é um hibridismo mais acentuado, algo nunca visto antes, inclusive com o acúmulo de representações semióticas. (MARCUSCHI, 2002b, p. 6).

Essas características, que representam uma economia da escrita, pelo intercruzamento de regimes cognitivos diferentes, acarretam num - utilizando o termo de Marcuschi (2002b) - “letramento digital”, caracterizando uma “pontuação minimalista, uma ortografia um tanto bizarra, abundância de siglas e abreviaturas nada convencionais, estruturas frasais pouco ortodoxas e uma escrita semi- alfabética” (MARCUSCHI, 2002b, p. 5). Tais características são frutos de uma cultura eletrônica, em que

o digital é uma espécie de matéria fluida, maleável, capaz de suportar inúmeras metamorfoses e deformações. A transmissão das informações ocorre em tempo real, bem distinta, portanto, da transmissão por via do texto escrito, caracterizada pelo intervalo do tempo linear e que submetia seu acesso à exigência de interpretação. (KASTRUP, 2000, p. 43).

Nesse contexto, em conformidade com Marcuschi (2002a, 2004, 2008), os gêneros textuais são tipos relativamente estáveis por serem formas de ação sociocognitiva e, por isso, podem modificar-se de acordo com a evolução das esferas de atuação social. Entendemos a Internet como um novo enquadre sociocognitivo, com impactos tanto na vida social, quanto na linguagem, devido às diversas possibilidades de interação e às novas formas de organizar e administrar os relacionamentos interpessoais; é inegável concluir que ela também interfere na natureza do gênero, fruto de “complexas relações entre um meio, um uso e a linguagem” (Marcuschi, 2004, p. 6). Nesse sentido, o meio eletrônico oferece diferentes especificidades sociocomunicativas que uma interação face a face não oferece, como a participação em websites sociais, como os blogs e os chats virtuais, redes de relacionamentos, etc.

Como o objeto desta pesquisa é analisar o gênero depoimento, veiculado no site de relacionamentos Orkut; daremos, a partir de agora, foco a questões relacionadas a esse domínio discursivo. Para isso, deixamos claro aqui que, a partir da definição de Marcuschi (2003), adotamos o Orkut como um suporte, uma vez que “abriga” vários gêneros, dentre eles, o depoimento. Nas palavras do autor, o suporte de um gênero é

um locus físico ou virtual com formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto. Numa definição sumária, pode-se dizer que suporte de um gênero é uma superfície física em formato específico que suporta, fixa e mostra um texto. (MARCUSCHI, 2003, p. 7).

Sendo assim, o site Orkut é um espaço virtual que permite o aparecimento visual e sonoro de diferentes gêneros, de diferentes manifestações textuais. Ressaltamos essa questão, pois acreditamos, em conformidade com Chatier (2002), que o suporte interfere na leitura e na construção de sentido de um texto, interferindo, consequentemente, no gênero textual. Afirmamos isso, pois se pensarmos, por exemplo, em um bilhete de Natal genérico publicado no espaço de depoimentos do Orkut e um bilhete de Natal comum enviado pelo correio,

poderemos notar uma grande diferença: o primeiro poderá apresentar, em sua composição, som em MP3, luzes piscando, desenhos se mexendo, letras mudando de cor, mudança de imagens, etc., pois o suporte permite. Ao passo que o segundo possuirá as limitações do suporte papel: não haverá mudança de cores e imagens, nem uma música bem elaborada de fundo, o que poderá haver de mais elaborado é um papel holográfico e um toque monofônico.