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Na esteira de trabalhos como o de José Martínez Cobo (1981, 1986), James Anaya (2009a), Robyn Eversole et alli (2005) e outros, este capítulo apresenta um ensaio sobre a história da colonização confrontada com a situação contemporânea dos povos indígenas em países escolhidos. O objetivo é coletar evidências sobre a relação entre dominação colonial, ocultamento de soberanias, indigenização e exclusão social em diversas partes do mundo.

Independentemente de alguma variaç es na definição de “povo ind gena”, existem povos indígenas em todos os continentes do mundo (Mapa 2), totalizando entre 150 milhões de pessoas (SURVIVAL INTERNATIONAL, 2014) e 370 milhões de pessoas (ANAYA, 2009a, p. 1). Quando José Martínez Cobo submeteu ao ECOSOC o seu Study of Discrimination Against Indigenous Populations (1981, 1986), o relatório fazia referência a 37 países87. A edição de 2013 do relatório anual

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do International Work Group for Indigenous Affairs (IWGIA) (MIKKELSEN, 2013), publicado pela primeira vez em 1986, traz relatos sobre a situação dos povos indígenas em 53 países88. Outros países estiveram presentes em relatórios anteriores. Somados os países mencionados por Martínez Cobo (1981), Stidsen (2007)89 e Mikkelsen (2013), obtém-se um total de 64 Estados onde há povos indígenas.

Mesmo assim, a lista não é exaustiva. Poucos são os Estados onde os processos colonialistas genocidas foram bem sucedidos a ponto de chegar à completa eliminação das populações indígenas, como em Cuba ou no Haiti. Em outros países, ainda há povos tradicionais que só recentemente começaram a se identificar com a categoria “povos ind genas”

Foram escolhidos países que, a despeito de suas muitas diferenças, compartilham com o Brasil algumas características relevantes para a compreensão da situação indígena, tais como serem formados por sociedades colonas de origem europeia e abrigarem povos indígenas atualmente em condição numericamente inferior à população nacional. As diferenças foram valorizadas, como meio de observar se a resultante situação de exclusão social se mantém estável a despeito dos elementos variantes, tais como regime político, cultura nacional, renda per capita, etc. Assim, foram escolhidos Austrália, Canadá, México e Peru. Ainda que a colonização tenha uma idade semelhante para os três últimos, as condições geográficas e as diferenças culturais dos povos colonizados permitiram gestar histórias muito distintas.

França (Guiana Francesa), Guatemala, Guiana, Honduras, Índia, Indonésia, Japão, Laos, Malásia, México, Nova Zelândia, Nicarágua, Noruega, Paquistão, Panamá, Paraguai, Peru, Sri Lanka, Suriname, Suécia e Venezuela (MARTÍNEZ COBO, 1981, p. 2).

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No Ártico, Dinamarca (Groelândia) e Rússia; na América do Norte, Canadá, Estados Unidos e México; na América Central, Guatemala, Nicarágua e Costa Rica; na América do Sul, Colômbia, Venezuela, Suriname, Equador, Peru, Bolívia, Brasil, Paraguai, Argentina e Chile; no Pacífico/Oceania, Austrália, Aotearoa/Nova Zelândia, Tuvalu e Nova Caledônia (França); no Leste e Sudeste Asiático, Japão, China, Taiwan, Filipinas, Indonésia, Malásia, Tailândia, Vietnã, Laos e Burma; no Sul da Ásia, Bangladesh, Nepal e Índia; no Oriente Médio, Israel e Palestina; na África, Marrocos, Argélia, Mali, Níger, Burkina Faso, Kênia, Uganda, Tanzânia, Burundi, República Democrática do Congo, Camarões, República Centro Africana, Namíbia, Botswana, Zimbabwe e África do Sul.

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Além dos países já mencionados, Stidsen (2007) se refere a Trinidad e Tobago, Camboja, Ruanda, Gabão, Angola e Papua-Nova Guiné.

Foram incluídos, ao final e com menor grau de detalhamento, a Indonésia e a Rússia porque, além de de ilustrar a diversidade de situações coloniais no mundo, e incluir estilos de colonização distintos do português, do britânico e do espanhol, são países que também reconhecem a existência de povos indígenas, embora não sejam formados por sociedades colonas. Esses casos contribuem para observar as regularidades, apesar das variações.

Ciente de que tal perspectiva não faz justiça à imensa diversidade de povos em cada um desses países, propõe-se neste capítulo comparar as relações entre povos indígenas e Estados nacionais. Espera-se obter um panorama da colonização promovida por cada sociedade colonial. Essas, as sociedades instaladas nos territórios coloniais, foram as responsáveis diretas pela colonização, ainda que o direito, a cultura e os interesses das metrópoles tenham provido estímulos.

Ao final, apresento algumas conclusões sobre os casos comparados.

3.1 Austrália

Os povos indígenas na Austrália foram divididos em duas categorias oficiais: Aborígenes e Ilhéus do Estreito de Torres, além de outras denominações que se referem aos mestiços, cada qual abrigando um grande número de grupos étnicos (BAINES, 2003, p. 118). Somados, compõem uma população estimada em 575.600 pessoas ou 2,5% da população total do país. 463.700 são Aborígenes (90% dos indígenas australianos), 33.300 são Ilhéus do Estreito de Torres (6%) e 20.100 têm ambas as ascendências (4%) (AUSTRALIA, 2011, p. 3). Atualmente, as terras indígenas na Austrália correspondem a aproximadamente 17 milhões de hectares (ANAYA, 2009a, p. 92).

Algumas especificidades justificam a distinção entre os Aborígenes e os Ilhéus do Estreito de Torres. A colonização das ilhas do Estreito de Torres ocorreu mais tardiamente. A London Missionary Society estabeleceu sua primeira missão em Erub (Darnley Island) somente em 1871. Antes disso, os ilhéus mantiveram sua autonomia quase intacta, exceto pela convivência com poucos britânicos envolvidos com a produção de pérolas. O estado de Queensland anexou formalmente as ilhas apenas em 1879. Em 1975, a Papua Nova Guiné tornou-se independente da Austrália e, em 1978, esses países assinaram um tratado de fronteiras que atribuiu

status especial aos ilhéus, incluindo o direito de livre trânsito entre os países, sem vistos ou passaportes, para a prática de atividades tradicionais como a pesca, a caça e a participação em cerimônias tradicionais na área definida como as ilhas do Estreito de Torres (BEHRENDT, 2012, p. 26).

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