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Maria Gabriela Hita:

Fica evidenciada a sutileza das discussões acerca do termo raça que vem se realizando desde o campo de estudos étnico-raciais e os apor- tes trazidos pelos estudos da genética. E de que não se trata, como se poderia chegar a pensar, de uma simples ‘volta à Biologia’. O prof. Wade aprofundou e mostrou tratar-se de algo bem mais complexo, sugerindo ser esta uma nova forma de pensar as diferenças. Contudo, julgo ser um campo ainda aberto a muitas controvérsias e penso que diferentes questões, definições e polêmicas podem ainda estar se mis- turando ou confundindo para muitos. Seria bom se ele puder falar mais um pouco sobre isto, e para isso, abriremos a algumas outras perguntas do público presente:

Pergunta 1 (autor masculino):

Eu queria saber como a evolução desse conceito de Raça combina com o da perpetuação do racialismo... porque há, no decorrer da his- tória, várias estratégias de enfrentar o racialismo, inclusive desde a

época clássica até hoje. Os conservadores dizem que basta o negro se comportar bem, para que o racialismo vá embora; mas, isso não é o que acontece.

Peter Wade:

Como coexiste o conceito de raça com o racismo... ok... porque racis- mo trata de relações de poder, de exclusão, de discriminação; se utiliza de certos discursos para definir quem serão os excluídos e os quem se- rão os incluídos... Assim, não há nenhum problema em entender raça como entrelaçamento de natureza e cultura; entender natureza como algo que pode ser flexível, com a possibilidade de ser racista, porque, em um momento dado, se diz ‘estes serão os que iremos excluir’. Mas, de repente, queremos incluir estes outros, ou este outro, ou ainda, se- gundo estes outros critérios, deveria ser incluído, mas não o desejamos incluir, então, o iremos excluir. Então, essa flexibilidade que permite à raça, como conceito, de incluir e excluir... não há uma contradição entre essa flexibilidade e a possibilidade de ser racista e excluir deter- minado tipo de pessoas. Pelo contrário, essa flexibilidade é importante para entender como a raça vai se transformando e sua capacidade de discriminar, assim como de adquirir novas possibilidades...

Pergunta 2 (o mesmo autor anterior):

Mas, eu estou reparando que esse conceito genético de raça trazido não resolveu nada ou não acrescenta muito...

Peter Wade:

Sim, claro. O fato de os geneticistas afirmarem que não existe raça não corresponde a eliminar o racismo, nada tem a ver, porque racismo não trata disso. É como quando Sérgio Pena disse: ‘olha, a raça não existe, e por isso não deveriam haver ações afirmativas, não deve haver racismo’. Isso não tem nada a ver, o racismo é um processo social, de relações de poder, de controle econômico, de todas essas coisas juntas.

Pergunta 3: Scott Alves Borges (dos Estados Unidos).

Eu tinha muito interesse sobre o que você falou da teoria humoral... na sua palestra... mas acho que hoje essa teoria já nem mais existe. Eu sei... estamos no templo de Deus. Dizem que comemos o pão dele, e por isso eu seria mais judeu, porque estamos comendo o corpo dele. Ou mesmo numa festa de candomblé, quando se oferece comida ao santo, se diria que eles estão recebendo uma espiritualidade, e tam- bém a de seus ancestrais africanos...

Eu gostaria que você falasse um pouco mais disso. Mas, a minha preocupação de fato estaria mais articulada ao que estas teorias tem a ver com todo o debate das ações afirmativas... e me pergunto, como os iremos separar? Gostaria que comentasse mais aquela pesquisa de seu orientando sobre cotas no Brasil que apontou dados das entre- vistas que distinguiam a diferença entre ideias de raça e cor... como é que isso entra no campo das perguntas sobre o campo das ações afirmativas?

Porque... para excluir alguém que precisa de educação, como é que, de fato, o estamos mudando? E, como se pode relacionar tudo isto com o tema da teoria humoral? Você entende o que eu quero dizer? Peter Wade:

Creio eu que sim... a primeira parte. Eu estou de acordo que o concei- to sobre comida continua sendo importante. Na Colômbia, por exem- plo, era muito importante o lugar em que se nasceu e se foi criado, quais as comidas que comeu durante a infância e juventude, para de- finir que tipo de pessoa era aquela. E essa definição era racializada. Certas comidas se associavam a que eram para gente negra, morena, ou outras para pessoas do altiplano, brancas etc. Ou, o contraste dos que comem o milho contra os que consomem a Mandioca...

Mas, não entendi bem o resto da sua questão e o que isso tenha a ver com as ações afirmativas...

Scott Alves Borges:

Refiro-me a essa ideia da definição da raça [...] como sendo algo mui- to flexível [...] então, pergunto, como vamos seguir em frente, porque ... concordo com sua fala de que somos mais marrom do que branco ou negro, somos mais mestiços, então, a ideia da raça existe em um lugar, enquanto se afirma que, possivelmente, a raça não existe, n’ou- tro nível [...] por talvez ser antiquada, como essa teoria humoral [...] mas ainda assim vai haver discriminação, e que não poderei negar que eu pareço, ou que por minha aparência, eu não posso receber os mesmos direitos, por exemplo, que aquele outro que fica na porta pra decidir quem entra e quem não entra nestas classificações, me refiro a tudo isso de como nomear ou classificar o racial, que é muito complexo e sutil.

Peter Wade:

Bom, estamos falando aqui de políticas sociais e de como elas são postas em prática. De como vamos decidir quem serão os benefici- ários das cotas raciais e quem não. O objetivo está claro. Queremos beneficiar a certo setor populacional que, historicamente, sofreu dis- criminação, mas esse setor da população não está muito claro qual seja, em âmbito individual... A política social posta em marcha aqui no Brasil, como nos Estados Unidos, tem aspectos individuais, e uma pessoa tem que aplicar como indivíduo para ser beneficiário dessas cotas raciais. Então, sempre há uma tensão, contradição, entre o objetivo geral da política, que é beneficiar um setor da população coletiva, não definido claramente, e a prática cotidiana de dar cotas e vagas específicas a pessoas específicas. No Brasil, a única maneira de resolver esse problema é pelo da autoidentificação. Então, se tu dizes que tu és negro, tens direito a uma cota racial. Pode haver gente que não seja realmente negro, ou vem de uma família que nunca sofreu essa discriminação, mas que acabam usando e se beneficiando tam- bém dessa cota racial. Pode haver esse tipo de anomalias, mas creio que seja o preço a ser pago. E pelo que eu tenho visto, através do estu- do que fez meu ex-aluno André Ciccalo na Universidade Estadual do

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