• Nenhum resultado encontrado

2. DE COMO A ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO SE CONSTITUI UM CAMPO

4.1 PRÁTICA SOCIAL

O Documento Base não é um instrumento de manutenção de poder e nem um documento que propõe uma ruptura total com as estrutura vigentes. Essa dualidade revela, por um lado, um discurso que é inovador, porque integra a EJA à Educação Profissional e, por outro, apresenta a condição hegemônica de uma Instituição Federal de Ensino. Segundo Fairclough (2001) o discurso molda e é moldado pela sociedade, ao tempo que se constrói e é construído, uma vez que a sociedade está num processo contínuo de mudança, de transformações. Percebemos a arena das disputas hegemônicas ao romper com uma estrutura de poder já dada, ao propor um projeto diferenciado de educação, deslocando o lugar do EJA para outra esfera de ensino que traz a representação social de uma educação de qualidade e prestígio social.

O Documento Base prepara para uma alteração significativa da modalidade da EJA, ou seja, a inserção da educação profissional na referida modalidade. Para isso, entre outras ações, delega à rede federal a responsabilidade e o compromisso com esses atores sociais para a execução do decreto que institui o PROEJA como uma política. Com o advento da implantação de um programa que provocaria mudanças significativas no cenário da educação brasileira envolvendo a integração o Ensino Médio, a EJA e a Educação Profissional, proposta do PROEJA, havia também a necessidade de estabelecer as diretrizes epistemológicas dessa nova proposta de formação de jovens e adultos. Essa proposta revela uma necessidade de garantir condições referenciais para a implantação da política de educação para todos do então Governo Lula.

Mas, a princípio, era também importante referendar essa proposta com o discurso hegemônico atrelado a uma educação centenária que transmite a ideia de credibilidade e qualidade do serviço prestado à sociedade: a Rede Federal de Educação citada no Documento Base (2009, p. 29), conforme se observa:

A tradição da oferta de cursos de excelência da Rede Federal de Educação profissional e Tecnológica vem compor com experiências inovadoras na oferta da EJA no Brasil, integrando a educação básica à formação profissional, tendo como produto final uma formação essencialmente integral.

A escolha da rede federal para implementação do Proeja pretendia vincular o histórico de excelência da instituição que até então não havia recebido alunos de EJA para a formação profissional:

Denotada na Rede Federal a ausência de sujeitos alunos com o perfil típico dos encontrados na EJA, cabe — mesmo que tardiamente —, repensar as ofertas até então existentes e promover a inclusão desses sujeitos, rompendo com o ciclo das apartações educacionais, na educação profissional e tecnológica. Nesse contexto, o Governo Federal, por meio do Ministério da Educação, convida a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica para atuar como referência na oferta do ensino médio integrado à educação profissional na modalidade EJA. (DOCUMENTO BASE, 2009, p. 34).

O trecho destacado mostra uma avaliação por presunção valorativa (FAIRCLOUGH, 2003). A presunção valorativa é evidenciada em “mesmo que tardiamente”, há o entendimento de que os governos anteriores foram omissos no atendimento desses atores sociais da EJA, mas dentre as diretrizes das políticas de governo do Lula, há o compromisso de resgate de cidadania dessa parcela de brasileiros excluídos do sistema educacional devido a problemas dentro e fora da escola. Dessa maneira, através da Rede Federal de Educação, esse governo se responsabiliza em responder positivamente acenando para a construção de um projeto que resgate e reinsira no sistema educacional brasileiro os atores da EJA, propondo a integração de educação e formação profissional.

A utilização do verbo “convidar” no trecho acima revela um efeito discursivo contraditório porque necessariamente as Instituições Federais receberam a determinação de implantação de imediato, em caráter de urgência e de maneira progressiva, conforme reza o Art. 2º15 e respectivos parágrafos primeiro16 e segundo17 do Decreto nº 5.840/2000 que instituiu o PROEJA. Dessa maneira, o convite torna-se um argumento retórico da dominação hegemônica. Além do mais, utiliza-se da tradição de educação de qualidade dos IFs como uma alternativa viável para a funcionalidade de programa que seria implementado.

Através das Instituições Federais, o governo poderia suplantar o desafio de implantar essa política, delineando a construção de uma identidade própria em novos espaços educativos, em função da especificidade desses atores. Essa certeza advém da história da Instituição, entretanto, essa mesma instituição de ensino não dispunha de referencial pedagógico para desenvolver atividades educativas com os atores da EJA.

Enfim, na dimensão da prática social, o Documento Base de implantação do PROEJA traz os parâmetros para a implantação do programa. É um discurso que trava diálogo direto entre o governo e as instituições que responsáveis pela implantação do programa. É um

15

“As instituições federais de educação profissional deverão implantar cursos e programas regulares do PROEJA até o ano de 2007”.

16 “As instituições referidas no caput disponibilizarão ao PROEJA, em 2006, no mínimo dez por cento do total

de vagas de ingresso da instituição, tomando como referência o quantitativo de matrículas do ano anterior, ampliando essa oferta a partir do ano de 2007”.

17 “A ampliação da oferta de que trata o caput § 1º deverá estar incluída no plano de desenvolvimento

documento que apresentam os pressupostos de uma política comprometida com a condição de humanização, com amplo acesso ao universo de saberes e conhecimentos científico e tecnológico, de forma integrada à formação profissional, permitindo ao ator social da EJA a compreensão de mundo, ou seja, compreender-se no mundo de modo que possa atuar na busca da própria melhoria das condições de vida.

O Documento Base alicerça as bases estruturais de implantação ao tempo que prepara a sociedade para um programa novo. Salientamos que, enquanto prática social, o Documento Base tem essa função social de preparar a implantação do programa inovador, tornando-se o marco que dá início ao programa e assegura uma formação para a integração social desses atores bem como a continuidade dos estudos.

A análise da prática social transversaliza todas as dimensões de análise, portanto, constitui-se num processo contínuo que contribui para o processo de interpretação dos dados do corpus. Dessa forma, à medida que façamos a discussão das dimensões, notadamente, estaremos discutindo, revelando e destacando outras formas de manifestação das lutas hegemônicas e ideológicas na construção da representação do PROEJA no Documento Base através de marcadores discursivos (lexicais, sintáticos e semânticos) materializados textualmente.

Documentos relacionados