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1.2.1 A Promoção da Saúde, conceito e ações na escola

1.2.1.2 Práticas pedagógicas sobre saúde e sua promoção

Apesar das proposições inovadoras sobre o trabalho transversal, estudos mostram que o ensino de saúde na escola ainda se parece com aquele praticado do século XX. Permanece voltado aos aspectos biológicos, centrados na doença, sem abordagens metodológicas apropriadas, trabalhado em apêndices isolados do conteúdo e principalmente nos conteúdos de Ciências Naturais (ZACUL; GOMES, 2011; VENTURINI e MORH, 2013; MARINHO; SILVA; FERREIRA, 2015; SILVA et al., 2017).

Os professores de ciências afirmam que colegas de outras disciplinas, em distintas ocasiões abordam temas identificados como educação em saúde, no entanto, não existe nenhum tipo de articulação dessas ações pedagógicas entre os professores, disciplinas ou projeto pedagógico da escola. Também reconhecem que o tema tem um potencial mobilizador amplo de interesse dos alunos, seja pela atualidade ou pela relação direta do assunto com sua vida cotidiana. No entanto, os professores sentem-se incapazes de trabalhar a educação em saúde, seja por não saberem como abordar metodologicamente o tema, seja por não contarem com condições de planejamento e de ação adequada na escola, ou por considerarem que a extensão do conteúdo de ciências não lhes permite. Deste modo, os conteúdos de educação em saúde são abordados como apêndices, ao final de algum conteúdo passível dessa aproximação (MORH, 2009).

Entre os docentes dos anos iniciais do ensino fundamental público de Rio Grande/RS, Marinho e Ferreira (2015) observaram que o tratamento das questões de saúde na escola carece de sistematização, ações e práticas. As atividades são normalmente esporádicas, quando há alguma problemática como por exemplo a gripe, o tratamento do tema ocorre separado da organização da aula. Além disso, verificaram o predomínio de uma concepção de saúde biomédica entre as docentes, destacando-se ações higienistas e trabalhos focados em doenças. Os autores evidenciaram que, entre as dificuldades dos professores em trabalharem com essa temática, está o não reconhecimento da saúde como conteúdo de ensino, bem como a dificuldade de implementação de um trabalho interdisciplinar e transversal dentro de uma organização curricular disciplinar rígida historicamente construída.

Da mesma forma, Santos e Bogus (2007) constataram que a maioria dos professores do ensino público fundamental da zona leste paulistana entendia a saúde de forma assistencialista

e higienista, reduzida ao corpo biológico, executando ações de forma isolada e sem pensar nas possíveis articulações e parcerias dentro e fora da escola, além de excluírem-se do processo de planejamento das ações programáticas de saúde, atribuindo essa autonomia ao diretor e coordenador pedagógico.

Ao investigarem vinte docentes do ensino médio de duas escolas públicas do interior do Rio Grande de Sul, Silva et al. (2017) verificaram que 70% das docentes reconhece que o temas relacionados à saúde devem ser abordados em todas as disciplinas, porém, apontam dificuldades em desenvolvê-los tais como a falta de capacitação e falta de matéria didático. Quando questionadas sobre o significado da educação em saúde na escola, 40% respondeu que se refere ao ensino e conscientização sobre hábitos de vida saudáveis. A respeito da importância de se trabalhar este tema na escola, 50% referiu-se à orientação para prevenir doenças. Os dados reafirmam as concepções limitadas sobre saúde e como esta deve ser trabalhada na escola, focalizadas no modelo biomédico/patológico.

Mohr (2002) destaca que a educação em saúde na escola necessita ultrapassar o campo das ciências naturais, assim como ultrapassar a tríade corpo humano/higiene/nutrição tradicionalmente abordada na disciplina de ciências. No entanto, a ênfase dada aos aspectos biológicos do desenvolvimento humano ao tratar as questões de saúde na escola, acaba por responsabilizar a disciplina de ciências pelo seu desenvolvimento. Ao analisar o depoimento de professores de Ciências dos últimos anos do ensino público fundamental de Florianópolis/SC sobre suas ações pedagógicas no campo da educação em saúde, Morh (2009) observou que as formações inicial e continuada são deficientes. Na formação inicial faltam conhecimentos de biologia ou de outros aspectos envolvidos no processo saúde-doença. Na formação continuada, não existem programas que ultrapassem o formato de palestras ou cursos concentrados em finais de semana. Essa situação faz com que comumente o professor não se sinta capaz de desenvolver muitas das atividades mencionadas por eles próprios como educação em saúde.

Costa et al. (2013) também observaram, entre docentes do ensino público fundamental de Campina Grande/PA, ações pontuais e isoladas de promoção da saúde, sem a etapa de planejamento coletivo nem a etapa de avaliação. As atividades eram voltadas à reprodução do modelo preventivista de atenção à doença. Do mesmo modo, o depoimento de professoras de uma escola pública fundamental de Cruz Alta/RS, mostra que a maioria trabalha as questões de saúde em suas aulas de forma pontual, descontextualizada e não planejada, às vezes na forma de projetos paralelos e desarticulados dos conteúdos curriculares. Ainda, delegam o ensino de saúde para os professores de ciências. E apesar de reconhecerem a importância do trabalho interdisciplinar no ensino de saúde, as principais dificuldades relatadas pelas docentes foram o

isolamento profissional, a falta de tempo e a falta de conhecimento sobre o assunto (MARTINS et al., 2014).

Araújo (2014), observa grande resistência em relação ao trabalho interdisciplinar das escolas e universidades, apesar da atual legislação educacional brasileira ter consolidado a possibilidade de projetos interdisciplinares no ensino básico e superior. Uma das principais justificativas à essa resistência são os exames seletivos para ingresso no ensino superior, como o vestibular, que criam um círculo vicioso entre os níveis de ensino. No entanto, boa parte destas avaliações, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), já exigem leituras interdisciplinares dos estudantes em suas questões, e mesmo assim, os professores e a estrutura das escolas não têm acompanhado tais mudanças.

Neste contexto, Nicoletti e Sepel (2015) investigaram a presença da interdisciplinaridade e da contextualização em provas do Enem, no período 1988 a 2014, a partir da abordagem da temática vírus. Das 29 questões relacionadas à temática vírus, 17 delas apresentaram enunciados interdisciplinares, porém, apenas uma delas exigia a utilização de conhecimentos de mais de uma área para sua resolução. Embora todas as questões tenham sido contextualizadas em um dado período histórico ou região, a contextualização do enunciado não era útil para a resolução de quase um terço delas. Ou seja, apesar do esforço dos elaboradores das provas do Enem, cuja premissa é sua construção baseada na contextualização e interdisciplinaridade, as suas questões pouco colaboram para estimular no aluno a construção de relações entre as áreas do conhecimento.

É possível observar, de acordo com os estudos mencionados, que as ações pedagógicas para a promoção da saúde na escola, que incluem o ensino e a educação em saúde, sofrem de uma problemática semelhante em diversas regiões do país. Os professores demonstram ter uma concepção higienista e biomédica sobre saúde; declaram abordar a temática de modo pontual e desarticulado dos conteúdos curriculares; admitem a falta de planejamento, conhecimentos e subsídios para o trabalho interdisciplinar; além de normalmente não considerarem a saúde como um conteúdo de ensino. No entanto, reconhecem a importância de se trabalhar a promoção da saúde na escola e o seu potencial em atrair o interesse dos alunos por assuntos que fazem parte do seu contexto de vida.