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Pré-Jornadinha: possibilidades de olhares inusitados

No documento 2008AdrianaRohrig (páginas 49-53)

2 A JORNADA, A JORNADINHA E OS SUJEITOS ENVOLVIDOS NA PESQUISA

3 PRÉ-JORNADINHA: AMPLIANDO HORIZONTES DE EXPECTATIVAS

3.2 Pré-Jornadinha: possibilidades de olhares inusitados

Estando as crianças familiarizadas com a vida e a obra de Ziraldo, chamou-se a atenção para os outros autores que elas poderiam conhecer na 4ª Jornadinha. Para isso, a professora de Língua Portuguesa pediu que os alunos formassem duplas e sorteou, entre eles, os nomes dos

autores participantes da 4ª Jornadinha. Ela solicitou, ainda, que as crianças procurassem dados sobre a vida e a obra do autor que lhes fora designado, dizendo que poderiam partir do site da 12ª Jornada de Literatura e salientando que cada dupla deveria pensar em uma forma criativa de apresentar a pesquisa. As biografias pesquisadas foram as dos autores indicados pelo Caderno

de Atividades III para a 4ª série: André Neves, Carla Caruso, Eliana Carneiro, Elisa da Silva e

Cunha, Elizete Gomes Lisboa, Kátia Canton, Leo Cunha, Lia Zatz, Luciana Savaget, Nereide Santa Rosa, Paulo Farah, Rubem Alves e Rubens Matuck.

A proposição dessa atividade não foi muito bem recebida, talvez porque, até então, os nomes desses autores não significassem nada para os alunos. Entretanto, no decorrer das pesquisas, principalmente durante as apresentações feitas pelas crianças, a curiosidade delas em relação aos autores cresceu gradativamente. Alguns, na semana seguinte, levaram para o espaço da sala de aula livros dos autores trabalhados, pois haviam se dado conta de que, na verdade, várias dessas obras já haviam sido lidas por eles, mas estavam esquecidas, talvez porque a autoria não houvesse sido explorada ou por não se tratar de autores em exposição na mídia, ao contrário do que ocorre com Ziraldo.

No trabalho com as biografias dos autores participantes da 4ª Jornadinha, observou-se que as crianças manifestaram bastante admiração pela autora Elizete Gomes Lisboa, ficando muito curiosas em saber como era possível ela realizar suas atividades profissionais – atuar como professora de português e como escritora de sucesso - sendo cega. Segue uma das manifestações em relação à questão:

Eu, N., conheci alguns autores, mas não pessoalmente, conheci através de trabalhos sobre a vida deles que a turma fez e apresentou. Uma curiosidade que lembro é de uma autora, é que ela era cega e ainda dava aula de Português, o nome dela é Elizete Lisboa. Bem, gostei de todas as histórias da vida dos autores, mas a história que mais me chamou atenção é da professora cega, para você ver como é possível trabalhar mesmo tendo uma deficiência física. N. S.

Essa manifestação de N.S. ocorreu na oportunidade em que a aluna foi questionada sobre o que ela havia descoberto sobre os autores da 4ª Jornadinha, durante a Pré-Jornadinha, ou seja, diz respeito ao seu primeiro posicionamento. É possível verificar, pelo depoimento de N.S., que ela mudou a sua opinião a respeito da deficiência física, em especial na última parte de sua fala, quando dialoga com seus leitores em potencial. Sua manifestação leva à suposição de que a leitura da história da autora Elizete Lisboa fez com que ela refletisse sobre a situação dos deficientes visuais, ampliando, inclusive, a sua reflexão e englobando nela os deficientes físicos

como um todo. Essa reflexão operou mudanças na representação que N.S. tinha sobre os deficientes e suas possibilidades. O fato de ela dizer que essa biografia foi a que chamou mais a sua atenção e os argumentos que arrola denunciam sua representação anterior, ou seja, a de que deficientes físicos não têm condições de levar uma vida ativa e de conquistar espaço no mercado de trabalho.

Outras crianças referem-se ao significado que teve para si a oportunidade de conhecer a história de vida de Elizete Gomes Lisboa. A aluna P.F.P., por exemplo, faz uma declaração ainda mais elaborada sobre a questão pautada por N.S., também no primeiro instrumento de análise:

Entre os autores da Jornadinha VÁRIOS, vários autores eu conheci, não pessoalmente, mas por pesquisas e apresentações e com essas pesquisas e apresentações e leituras conheci mais sobre eles e o que mais me chamou atenção foi que eu vi que nenhum obstáculo pode nos impedir de ser escritores, pois o EXEMPLO é de Elizete Gomes Lisboa, uma escritora que nasceu cega e que conseguiu ser uma escritora com sucesso. P.F.P.

Aproveitou-se a sensibilização das crianças em relação à vida de Elizete Lisboa e às dificuldades por ela enfrentadas para abordar a questão das necessidades especiais, começando, justamente, pela deficiência visual. A atividade de motivação foi uma caminhada pelo pátio e pelos corredores da Escola, em que os alunos desceram e subiram escadas com os olhos vendados, guiados por um menino cadeirante - F. K. - pertencente à turma.

Depois dessa experiência, os alunos ficaram ainda mais impressionados, pois a maioria nunca tinha experimentado ficar tanto tempo com os olhos vendados, sem qualquer noção dos lugares para onde estavam indo ou por onde passavam, do que havia ao seu redor ou dos perigos iminentes. Vários alunos demonstraram insegurança nessa experiência, o que é perfeitamente compreensível; outros manifestaram medo e alguns não conseguiram levar o desafio até o fim. Inquiridos sobre seus sentimentos, sensações e conclusões, eles afirmaram que devia ser muito ruim não poder ver, mas que essa limitação não impedia as pessoas de terem uma vida digna. Vale enfatizar que o menino cadeirante, por sua vez, sentiu-se bastante satisfeito com a experiência de guiar a sua turma. Imagina-se que isso tenha ocorrido porque ele passou do papel de quem necessita de auxílio na realização de qualquer movimento - desde escrever até ir ao banheiro - para o papel de guia, de colaborador daqueles que não podiam ver por onde andavam. Apesar de essa ter sido uma experiência simbólica, operou uma mudança de postura em toda a turma. Por um lado F.K., sentiu-se menos vítima; por outro lado, a turma, que aceitou o desafio

de ser guiada por ele, começou a tratá-lo com menos piedade, já que todos perceberam que ele não era desprovido de capacidades, apesar de possuir dificuldades motoras.

Essa prática suscitou nas crianças o desejo de conhecer mais de perto a realidade de pessoas com deficiência visual. Por isso, foi agendada uma visita a uma escola de Ijuí onde havia uma turma de estudantes nessa condição. Quando a turma visitou a escola de deficientes visuais, ficou, inicialmente, chocada com a aparência dos olhos dessas pessoas. Porém, gradativamente, o mal-estar foi se dissipando, dando lugar a um sentimento de profunda solidariedade e admiração em relação aos deficientes visuais, pois as crianças puderam vê-los lendo e escrevendo em braile, fazendo educação física e tocando instrumentos musicais. É possível afirmar que tal experiência foi crucial na ampliação dos seus conhecimentos no que diz respeito às diferenças, pois apontou novos caminhos para a compreensão da condição dos portadores de necessidades especiais e propiciou uma mudança de opinião em relação a eles. Conseqüentemente, isso tende a levá-los a uma nova pratica social, menos excludente e mais tolerante.

Após essa visita, foram explorados, no trabalho em sala de aula, não apenas o braile, mas também outros códigos, dentre os quais, a linguagem brasileira de sinais (LIBRAS), a mímica, a coreografia, as expressões faciais, os sinais de trânsito e os ícones do computador. Foram também trabalhadas, ao longo do projeto, as linguagens das artes, incluindo-se aí as artes plásticas e as outras artes visuais, além do teatro, do cinema, da música, da dança e da escultura.

Apesar de as atividades acima descritas não fazerem parte da proposta de práticas leitoras do Caderno de atividades III110, elas constituíram-se em uma ótima oportunidade de

trabalhar com as diferenças, fossem elas entre as pessoas ou entre as linguagens. Embora muitas das atividades realizadas na Pré-Jornadinha tenham sido, essencialmente, aquelas propostas pelo

Caderno de atividades III, acredita-se que a grande riqueza desse material está, justamente, em

abrir possibilidades para o mediador criar e recriar, pois, a partir das sugestões oferecidas, outras idéias vão surgindo e novas atividades ganham força.

O mediador, por sua vez, precisa ter sensibilidade para observar quais foram, dentre as leituras sugeridas, aquelas que produziram maior eco entre os leitores, que representações podem ser mais exploradas e que horizontes podem ser mais ampliados. Isso só é possível ouvindo as considerações que as crianças vão tecendo no decorrer das experiências de leitura e de vida. Essas experiências - de vida e de leitura - vão dialogando e se complementando, em uma relação dialética que possibilita reflexão e emancipação.

110

RÖSING, Tania Mariza Kuchenbecker (Org.). Caderno de atividades III: Leitura da Arte & Arte da Leitura. Passo Fundo: UPF Editora, 2007. (Série Mundo da Leitura)

No documento 2008AdrianaRohrig (páginas 49-53)

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