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3. CAPÍTULO II O PRESTÍGIO NA LITERATURA

3.1. Os Prêmios daqui versus os Prêmios de lá

3.1.2. O Prêmio Camões

Instituído em 1988 com o objetivo de consagrar um autor da língua portuguesa, o prêmio Camões premia o conjunto da obra, assim como o Nobel. Brasil e Portugal estão empatados na premiação. Até hoje, das 27 premiações, 11 foram para autores portugueses, 12 para brasileiros, dois para moçambicanos, dois para angolanos e um para cabo verdense. É organizado pelos governos dos dois países e está sob responsabilidade do Ministério da

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A Academia Brasileira de Letras contempla escritores de diferentes gêneros literários, concedendo prêmios que objetivam cumprir a missão de estimular as manifestações culturais nos seus mais variados aspectos. Na

sessão de 19 de março de 1998, o Acadêmico Lêdo Ivo apresentou proposta de alteração do Regimento Interno, com relação aos prêmios literários da Academia. Pela reforma regimental aprovada em 10 de outubro de 1998, art.53, passaram a ser concedidos, todos os anos, o Prêmio Machado de Assis, para conjunto de obras. Disponível em: < http://www.academia.org.br/academia/premios>. Acesso em 10 de fevereiro de 2016.

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Disponível em:< https://www.bn.gov.br/explore/premios-literarios/premio-camoes-literatura> Acesso em: 20 de fevereiro de 2017.

Cultura no Brasil, por meio da Fundação Biblioteca Nacional (BN). Com diversos programas de apoio e de incentivo aos escritores e tradutores brasileiros, a Biblioteca Nacional conta com um acervo de 9 milhões de títulos, e foi considerada pela UNESCO como uma das maiores bibliotecas do mundo. Como parte das atividades de difusão e valorização da literatura brasileira no país e no exterior, a BN ajuda a promover os prêmios Camões e também o prêmio Biblioteca Nacional, voltado apenas aos autores brasileiros.

Ao equiparar o Camões com o Nobel, uma das únicas características em comum é o caráter de se premiar um autor pelo conjunto da obra e pelo prestígio que o prêmio tem entre os falantes da língua portuguesa. Por ser uma parceria entre os governos brasileiro e português, a premiação acontece alternadamente entre os dois países. O júri é sempre formado por cerca de seis pessoas representantes de um país da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Além disso, o vencedor leva 100 mil euros (cerca de R$340 mil reais). O prestígio do prêmio vem justamente ao encontro do que foi apontado por Casanova(2002) quando ela menciona a questão da tradução como literarização de uma obra. Para a autora, exportar um texto literário (de uma língua pequena) implica na ascensão à literatura mundial. O conceito de literariedade do qual ela fala estaria intrinsecamente ligado a uma língua, que por sua vez é vinculada ao reconhecimento daquela literatura perante a república mundial das letras. Com isso, qualquer operação de "literarização" (tradução, autotradução, transcrição, escrita direta na língua dominante) é feita no intuito de se impor como literária junto às instâncias legítimas.

O fato de ainda haver essa preocupação em celebrar e difundir as obras em língua portuguesa também tem relação com o que foi dito sobre a autonomia do campo literário de nações colonizadas ou que ainda são politicamente dominados.

Nesse contexto, os campos são mais conservadores e mais sujeitos às normas e convenções tradicionais de representação devido aos laços com a nação política, ao passo que os territórios mais independentes enunciam suas próprias leis. Para aspirar ao universal, os espaços literários precisariam se desligar de uma constituição nacional e se aproximem de um espaço que se impõe universalmente.

No caso do prêmio Camões, Brasil (colonizado) e Portugal (colonizador) unem forças para valorizar a língua e seus autores. Embora contraditório, a aliança permite que o Brasil encurte distâncias geográficas dos grandes centros literários europeus, como França e

Inglaterra. É como se Portugal funcionasse como um catalisador de consagração aos autores brasileiros, já que a consagração tem que passar por tais centros.

Porém, e como bem pontua Casanova, existe um caráter ambíguo das instâncias consagradoras (que podem ser os prêmios literários ou a tradução para idiomas de línguas já consagradas), pois ao mesmo tempo em que "universaliza", ela nega as diferenças, o que nos traz de volta ao problema da valorização da cor local. Como ela escreve,

O universal é de certa forma uma das invenções mais diabólicas do centro: em nome de uma negação da estrutura antagonista e hierárquica do mundo, sob o pretexto de igualdade de todos em literatura, os detentores do monopólio universal convocam a humanidade inteira a se dobrar à sua lei. O universal é o que declaram adquirido e acessível a todos, contanto que se pareça com eles. (2002, p. 194)

O prêmio Camões tem seu prestígio justamente aí. Ele funciona como uma porta de entrada aos escritores brasileiros em um contexto internacional. Por mais que a língua portuguesa esteja, literariamente falando, em uma posição menor do que o francês e o inglês, os autores que almejam tal visibilidade precisam passar pelo centro de alguma forma. Nesse caso, a aliança com Portugal se mostra fundamental para aqueles que desejam alcançar tal literariedade.

Outras informações sobre a estrutura e regulamento do prêmio não foram encontradas em sites oficiais da Biblioteca ou do Ministério da Cultura do Brasil. Essa falta de transparência pode ser equiparada ao processo que a Fundação Nobel detém e que, de certa forma, dificulta o ganho de credibilidade dos prêmios em longo prazo. Se comparado com os prêmios brasileiros, a falta de transparência no processo pode ser visto como um ponto negativo, já que outros prêmios - em especial os organizados por meios governamentais e que são publicados em editais - se gabam de ter a transparência (divulgação de regulamento claro e da lista de jurados e obras finalistas) como um ponto forte e indutor de valor e prestígio.

O Jabuti, por exemplo, apesar de divulgar suas informações em seu site institucional, não divulga lista de jurados, por exemplo. Já o Portugal Telecom sempre se preocupou em divulgar a lista dos júris intermediário e final.

Comparando o Camões com os prêmios brasileiros, devido a sua preocupação em divulgar e celebrar a língua portuguesa podemos aproximá-lo daquilo que o Portugal Telecom se propõe quando permitiu que países lusófonos pudessem participar. Tanto é que, conforme

analiso mais adiante, o Portugal Telecom passa por mudanças na sua nomenclatura que evidenciam justamente a ambição de torná-lo o mais literário possível a partir da língua portuguesa.

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