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Quais eram as forças por trás da mobilização? Em que medida elas estavam coordenadas entre si? De acordo com o sociólogo egípcio Hazem Kandil, seis grupos propulsionaram o movimento. Dois se baseavam em redes do Facebook. O primeiro e mais famoso era o grupo “Todos somos Khaled Said”, cujo papel na eclosão dos movimentos do dia 25 de janeiro foi apresentado no capítulo anterior. O segundo era o “Movimento Jovem 6 de Abril” (April 6 Youth Movement), que surgiu para dar apoio a uma greve geral convocada para essa data em 2008. Em um primeiro momento, a população não respondeu ao pedido. Apenas uma das pequenas cidades industriais da região do Delta do Rio Nilo atendeu à convocação, e ali os trabalhadores foram brutalmente reprimidos. No ano seguinte, Mohammed Adel e Waleed Rashed, organizadores do movimento criaram uma página23 no Facebook com a identidade “Movimento Jovem 6 de Abril” e pediram a todos que naquele dia ficassem em casa, em vez de se concentrarem nas ruas. Em 2010 o grupo já tinha cerca de 70 mil membros (hoje conta com mais de 400 mil). O grupo “6 de abril” é mais antigo que o “Todos somos Khaled Said” e possuía um perfil mais político, combinando posicionamentos trabalhistas e liberais. Embora uma manifestação em massa fosse contrária à sua estratégia de greve “fique em casa”, o movimento decidiu juntar forças com a proposta de “Todos somos Khaled Said” para a mobilização de janeiro de 2011.

Um terceiro grupo importante foi a congregação formada por membros da ala jovem da Irmandade Muçulmana, que surgira três anos antes. Na Irmandade, o setor reformista vinha tentando mudar as posições e as estratégias tradicionais do movimento. Sua meta era a formação de um partido político independente, com organização e líderes próprios, com ligações remotas ao movimento cultural da Irmandade Muçulmana. A campanha desses reformistas se intensificou após a circulação das notícias de que o avanço do movimento nas eleições parlamentares de 2005, nas quais seus membros conquistaram 88 assentos (20% do total do parlamento), fizera parte de um plano do Serviço de Segurança do Estado para dissuadir os Estados Unidos de pressionar Mubarak pela democratização do país.

Os reformistas sofreram um forte revés em 2010, quando um conservador da velha guarda chamado Mohammed Badie foi eleito guia supremo da organização, e não atendeu aos pedidos de grupos oposicionistas seculares para que ela se juntasse a eles no boicote às

eleições parlamentares fraudulentas promovidas pelo regime. Contrariada com a decisão, a ala jovem da organização desacatou abertamente o conselho diretivo da Irmandade, exortou os reformistas a deixá-la e a constituir um partido político de qualquer jeito. Quando foi emitida a convocação para uma manifestação no dia 25 de janeiro, o grupo decidiu então integrá-la. (KANDIL, 2011; 160)

Um quarto grupo era composto de representantes daquilo que se poderia chamar de uma “nova esquerda” no Egito. Esta organização era formada, sobretudo, por esquerdistas jovens, cujas relações com os líderes originais do movimento comunista não eram diferentes daquelas da ala jovem da Irmandade com seu conselho diretivo. A justificativa deles era a de que a islamização representaria a maior ameaça ao Egito e o comprometimento com o secularismo os vinculava ao segmento dominante, supostamente liberal. Por isso consentiram em atuar conforme os ditames do regime, o que lhes permitia escrever e discursar, mas os impedia de construir uma base autêntica no âmbito da classe operária. Há cerca de cinco anos, o grupo vêm tentando desenvolver uma força política e ideológica própria, criando, entre outras coisas, um periódico digital chamado Al-Bousla (A Bússola, em árabe) para agrupar os segmentos mais ativos da esquerda egípcia, intelectuais urbanos, muitos deles professores, historiadores, cientistas políticos ou sociólogos.

Um quinto grupo se reuniu em torno de Mohamed El-Baradei, Nobel da Paz e ex-chefe da Agência Internacional de Energia Atômica, que voltou para o Egito em 2010 e anunciou que seria candidato a presidente se a Constituição fosse alterada de modo a possibilitar eleições livres.

Comenta-se que Baradei teve um desentendimento com Mubarak, pois como embaixador ele foi a certa altura o candidato oficial do Egito ao posto diretivo da Agência, mas na última hora o presidente o preteriu por outro candidato. Mesmo assim Baradei foi eleito e depois disso se manteve distante do regime, muito embora Mubarak tivesse de tratá-lo com respeito em razão de seu prestígio internacional. Ao voltar para o Cairo, ele atraiu jovens privados de direitos civis em torno de uma demanda por reformas que não tinham contornos bem definidos. Foi criado um grupo denominado Associação Nacional pela Mudança, uma miscelânea cujo espectro ia de liberais e de islamitas progressistas a esquerdistas, alguns filiados a partidos políticos, em particular a Frente Democrática, e muitos deles independentes. (KANDIL, 2011; 7)

Em entrevista concedida ao jornal inglês The Guardian no dia 18 de janeiro, ElBaradei comentou a relação que os recentes acontecimentos na Tunísia poderiam trazer no panorama político do Egito.

O que aconteceu na Tunísia não deve ser visto como surpreendente. Tudo o que se sucedeu deve servir de lição para a elite política do Egito. A supressão não garante estabilidade, e qualquer um que pensa que a existência de regimes autoritários é a melhor forma para manter a calma está se iludindo. O Egito está suplicando por mudanças econômicas e sociais, e, caso não aconteçam melhorias drásticas, uma revolução como ocorrida na Tunísia será inevitável.24

Por fim, havia um sexto grupo constituído por uma conjunção de ativistas pró- direitos humanos que militavam em organizações egípcias ou internacionais, como a Anistia Internacional. Era um agrupamento muito eclético, composto de jovens reunidos “tão somente pelo fato de que não haviam encontrado nenhuma organização política capaz de mobilizá-los para contestar o regime mais diretamente”. (KANDIL, 2011; 160) A identificação dos grupos dava-se por meio da linguagem digital.

Para Kandil, o “sentimento de desilusão com o governo, mesmo que em diferentes níveis e contextos, era comum nesses seis grupos”. (KANDIL,2011;160). Por trás dessa desilusão, estava a dupla deterioração cada vez mais evidente: de um lado, a exploração econômico-financeira, de outro, a perseguição e a repressão arbitrárias.

A conjunção destes fatores foram tornando cada vez mais insuportáveis as vidas de egípcios comuns, que nada tinham a ver com política. Beneficiando-se das tecnologias de comunicação contemporâneas, os movimentos egípcios conseguiram reunir um número histórico de manifestantes anti-Mubarak nas ruas do país.

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