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3.2 Psicodinâmica do trabalho

3.2.1 Prazer no trabalho

A Psicodinâmica do Trabalho define o prazer como mais do que uma vivência, tratando-o como um princípio mobilizador da dinâmica que emerge dos contextos do trabalho. Esta abordagem considera que a busca pelo prazer e a evitação do sofrimento são partes da constituição subjetiva, da formação do ego e de todas as formas de defesa individuais e coletivas (MENDES; MULLER, 2013).

Segundo Dejours (2008a), o prazer pode ser manifestado pela gratificação, realização, reconhecimento, liberdade e valorização do trabalho. Conforme o autor, o prazer é um indicativo de saúde no trabalho, pois pode promover a estruturação psíquica, a manifestação da subjetividade e a identidade dos indivíduos. Se a organização do trabalho for saudável, o universo do trabalho possibilitar ajustar a realidade de trabalho aos desejos e necessidades individuais, se existir condições de negociação e se as relações socioprofissionais forem democráticas e justas, então passa a ser possível o processo de reconhecimento, prazer e transformação do sofrimento (MENDES, 2011).

O prazer é um mobilizador que coloca o sujeito em ação parar buscar a gratificação e o reconhecimento pelo outro, por meio da utilidade e beleza do seu trabalho. A mobilização viabiliza o prazer por meio da inteligência prática em relação aos constrangimentos da organização do trabalho, provocando com essa mobilização a ressignificação do sofrimento (MENDES; MULLER, 2013).

O prazer pode ser vivenciado pelo sujeito quando este se dá conta de que o trabalho desenvolvido tem expressão e importância para a estrutura na qual está inserido

(instituição e sociedade), quando é aceito e admirado pelo que realiza e quando o trabalho se constitui em um modo de deixar sua marca pessoal, não sendo simplesmente uma mera execução das atividades prescritas, um mero objeto (FERREIRA; MENDES, 2001).

O prazer é um sentimento proveniente da realização do potencial de cada indivíduo. Essa realização traz ao sujeito o sentimento de que pode defrontar-se com o meio no qual está inserido, o sentimento de autoconfiança, de ser alguém importante, competente e amigável, que tem capacidade de lidar com situações à medida que surgem, que tem a capacidade de se expressar e o sentimento de ser reconhecido (TOLEDO; GUERRA, 2009).

Conforme afirma Lima (2013), o reconhecimento é uma forma de retribuição simbólica resultante de uma ação realizada pelo sujeito, por intermédio de sua inteligência no trabalho, mediante engajamento de sua subjetividade no trabalho. Essa retribuição se dá na dimensão do reconhecimento no sentido da constatação, que representa a realidade da contribuição que o indivíduo deu à organização, e na dimensão do reconhecimento no sentido de gratidão pela contribuição dos trabalhadores à organização do trabalho. Entretanto, a retribuição não é gratuita, uma vez que passa por julgamentos enunciados pelos atores presentes na gestão do coletivo do trabalho (LIMA, 2013).

A esse respeito, Dejours (2012) apresenta duas formas de julgamento: de utilidade e estético. O julgamento de utilidade está relacionado à utilidade econômica, social ou técnica. É proferido pela hierarquia do trabalho (chefes e superiores), que pode dar o deferimento de um trabalho bem feito. Esse julgamento poderá ser emanado de um subordinado em situação de julgamento do trabalho de seu chefe. Essa avaliação também pode ser feita por um cliente, um usuário, enfim, pelo beneficiário da qualidade do trabalho. O julgamento sobre a utilidade confere ao trabalhador sua afirmação na esfera do trabalho, diferenciando-o do lazer e do hobby, além de conferir-lhe a condição de obtenção do salário e alcançar direitos sociais (DEJOURS, 2012).

O julgamento estético, segundo Dejours (2012), não recai apenas sobre a utilidade, mas também sobre a beleza do trabalho realizado por um trabalhador. Este julgamento é proferido pelos pares e é anunciado sempre em termos estéticos, como: “Esta é uma bela maneira de se fazer”, “È uma forma elegante”, “É um belo trabalho”. É o julgamento da conformidade do trabalho às artes do ofício, permitindo o acesso ao trabalhador a um grupo profissional, conferindo-lhe o sentimento de pertencimento por fazer aquilo que ele faz como os outros (DEJOURS, 2012).

Dessa forma, pode se dizer que o trabalhador é um professor como os outros, ou um engenheiro como os outros. Este julgamento deve ser emitido pelo par que conhece as regras e as artes do ofício. O quanto mais severo o julgamento, mais ele será valorizado. O que se espera do trabalhador sobre esses julgamentos é que ele recaia sobre a qualidade do serviço executado pelo indivíduo e sobre a qualidade do trabalho executado. O sujeito pode deslocar o julgamento do registro do fazer para o registro do ser, da identidade. Por essa razão, o reconhecimento tem impacto considerável na identidade. É graças ao reconhecimento que parte do sofrimento é convertida em prazer no trabalho (DEJOURS, 2012).

Portanto, o reconhecimento está relacionado aos sentimentos de valorização, orgulho e identificação com a atividade, sendo primordial ao trabalhador (DEJOURS, 1999). Sentir-se motivado no trabalho é importante no contexto organizacional, pois é por intermédio desses mecanismos que a instituição consegue fazer com que o empregado trabalhe, sentindo-se bem e seguro, tendo prazer na realização de suas atividades. Por consequência, consegue extrair dele uma produção maior e de mais qualidade, o que corrobora para o progresso pessoal do sujeito e sua maior imersão na organização (FERREIRA; MENDES, 2003).

Em síntese, o trabalho pode conduzir o indivíduo à mobilização subjetiva, atividade psíquica que leva ao enfrentamento do sofrimento e à ressignificação com sua relação de trabalho. A inteligência prática, a construção do coletivo via reconhecimento e cooperação e um ambiente laboral com abertura para o diálogo são constituidores da mobilidade subjetiva do trabalho que permitem a busca do prazer (MENDES; MULLER, 2013). O prazer, além de ser a capacidade renovada do trabalhador de se adequar às estruturas fixas sem entrar em aflição, também

desencadeia o funcionamento equilibrado do trabalhador, de forma tanto física quanto psicológica. Na ausência ou deficiência dos elementos discutidos neste capítulo, o indivíduo pode experimentar sofrimento nas atividades que realiza (TOLEDO; GUERRA, 2009), assunto que será tratado a seguir.

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